A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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domingo, 7 de setembro de 2008

Se te incomoda


Se te incomoda ouvir falar da elevação no império posso antes mostrar-te o jardim, e o constrangimento que o jardineiro impõe às ervas. E adivinho já o teu fastio: vais dizer-me que te aborrecem os caminhos programados do Palácio, a disposição geométrica das rosas, a igualitária decapitação das sebes; vais dizer-me que está cheio de tabuletas com proibições e que os teus pés descalços dançam melhor no prado das fadas. E como posso eu não te dar razão? Não tenho culpa do cansaço e da frieza dos príncipes. Ah, mas não é ao jardim deles que te quero levar: não perco tempo a propor-te bailes de máscaras.

Por isso te mostro o jardim, e por ele entendo o que nos espera se deixarmos para trás o Palácio e as ruas arrogantes dos mercadores e generais: aqui a horta humilde que abastece os mercados, mais além a floresta dos lobos, no meio dela o teu prado das fadas; deste lado a montanha coberta de carvalhos e faias, por ali o caminho que conduz ao mar. Em qualquer lugar tu situas-te: apetece-te a solitária companhia das dunas e sabes que cortas à esquerda a seguir ao moinho de água; mas se tens saudades da roda das fadas sabes que tens primeiro que atravessar a encosta dos abetos. E se te perdes na noite de Outono sabes em que direcção vai a lua nascer.

Ainda sentes o constrangimento? Na verdade, os carvalhos não progrediram além da linha da areia, aqui no prado das fadas não ocorreu ao hortelão plantar as suas cebolas. Olha para estes ramos despidos: não é ainda o tempo das maçãs. Em vão procurarias aqui a orquídea dos trópicos, e elas enchem no entanto a orgulhosa estufa dos príncipes. É essa a duríssima lei do jardineiro maior. E, vês? Não recorreu para isso a tabuletas nem a cães de guarda.

Mas as dunas, dirás tu que as dunas hão-de um dia ser morada de lobos e que o hortelão só ganharia se de manhã encontrasse orquídeas em vez de cebolas e que acabas de reparar que então há direcções onde nunca vemos a lua nascer? As dunas, dirás tu que lhes falta a liberdade de ser tudo, dirás que é injusto as fadas elegerem o prado verde para dançar e que serias mais feliz se a partir do moinho de água pudesses escolher qualquer caminho e todos descessem ao mar? Aí, onde irias quando ansiasses pela solidão? Onde, quando o teu coração quisesse dançar?

Entendes porque te afastei dos caminhos geométricos do Palácio? Não há neles sequer a sombra de um jardim, e por isso todos eles vão dar à varanda dos príncipes cansados. E para os construir foi preciso derrubar a cabana e a fonte, e por isso aqueles guardas carrancudos que te ficaram na memória como guardiães do império. Impostores. Não te esqueças de que essa história foi escrita para agradar aos generais, foi paga pelos mercadores que dependem do luxo dos príncipes. Mas tu escapavas-lhes de noite, e saltavas a muralha para brincar com as crias do lobo.

Na verdade, a tua liberdade é constrangimento das ervas: se elas se dispersarem, não terás um prado para dançar. E o teu constrangimento é a liberdade das árvores: que será delas se derrubares quem se interpõe entre ti e o mar? Mas ambos se fundam no jardim, que a tudo situa em hierarquia e poema.

E em ti, quem eu quero fundar é o jardineiro.

Sobre a alegada presença de uma “linguagem nacionalista-passadista” neste blogue.



1. Nunca neste blogue se fez a apologia do Estado Novo ou de Salazar, ou algo de próximo. Mesmo quem fez a apologia do conceito de Império (como o Casimiro Ceivães), o que poderia despertar algumas suspeitas, fê-lo num sentido não nacionalista-passadista (a ponto de ter sido elogiado pelo Paulo Borges). E também por mim, já agora.

2. A única pessoa que temos entre nós que publicamente esteve ligada ao Estado Novo é o Professor Adriano Moreira, primeiro nome do Conselho de Direcção da NOVA ÁGUIA. Isso foi, de facto, contestado por algumas pessoas, mas tanto eu como o Paulo Borges defendemos essa opção. Tal como a de o termos convidado para apresentar a NOVA ÁGUIA no 10 de Junho deste ano (na Feira do Livro de Lisboa), convite igualmente contestado por algumas pessoas.

3. Sei que há pessoas que têm reacções pavlovianas sempre que se fala de Pátria: “se fala de Pátria, é nacionalista-passadista”, para não usar outro palavrão. Mas isso não me complexa ou me faz mudar de opinião relativamente à justeza do tema do primeiro número da revista*. Como tenho ido a quase todos os lançamentos da revista, sei que o conceito desperta, a priori, algumas suspeitas. Em todas essas ocasiões, tenho salientado que o nosso conceito de Pátria não se inscreve em qualquer paradigma “nacionalista-passadista”. Tal como o Paulo Borges, sempre que ele também tem estado presente.

4. Por último, para quem acha que nós temos de facto algo a ver com qualquer corrente “nacionalista-passadista”, basta ir à blogosfera e verificar o que essas correntes dizem de nós. Só não digo mais porque não lhes quero fazer publicidade.

5. A única crítica que me parece pertinente em relação ao nosso blogue é a desproporcionada presença de figuras portuguesas em relação a figuras de outros países da CPLP. A esse respeito, relembro o que escrevi aqui ontem: “Já, aliás, nos fizeram alguns justos reparos em relação a isso – nomeadamente neste blogue, onde também predominam as referências a figuras portuguesas, desde logo em relação ao Brasil. Mas isso é algo que só se irá ajustar com o tempo, à medida que cada vez mais brasileiros participem neste projecto em prol do valor comum da Lusofonia. De resto, para quem quiser fazer uma análise justa a esse respeito, reconhecerá que, devido ao contributo de várias pessoas (permito-me salientar o nome de Adriana Costa, o primeiro nome que me ocorre), o blogue NOVA ÁGUIA é, cada vez mais, um BLOGUE DA LUSOFONIA. Ainda que haja muito caminho a percorrer a esse respeito. A Lusofonia não se esgota em Portugal e no Brasil. Queremos que, cada vez mais, pessoas dos outros países da CPLP aqui colaborem.”

CONCLUSÃO: A ALEGAÇÃO É POIS DESPROPOSITADA E, NO QUE ME DIZ DIRECTAMENTE RESPEITO, INSULTUOSA.
* A composição da revista, sobretudo na sua parte relativa à Poesia, também foi transtornada por causa disso (se for preciso, também relembrarei os factos).
Renato Epifânio

Co-Director da NOVA ÁGUIA
Membro da Comissão Coordenadora do MIL

Resposta a Casimiro Ceivães e aos demais


Caro Casimiro Ceivães, perdoe-me a sinceridade, mas esperava bem mais da sua inteligência, bem como da de muitas outras pessoas que prezo... Na verdade, pergunto-lhe, e aos outros, onde é que digo que "o mundo não é senão a ilusão e o nada", onde é que falo de atingir o "não-ser" ou o "vazio" como "Pátria" comum, onde é que falo de ondas, Oceanos ou Abdicação!?... E onde é que falo de querer converter alguém a uma religião, ao budismo ou ao vegetarianismo!? Se soubessem alguma coisa de budismo saberiam que é um dos seus princípios fundamentais não fazer proselitismo e aconselhar as pessoas, pelo contrário, e em princípio, a aprofundarem a sua própria tradição religiosa.
O problema, creio, é que vocês sabem que sou budista e, como não percebem nada de budismo, continuam a repetir os lugares-comuns dos intérpretes ocidentais do séc.XIX, que identificam budismo com niilismo... Ora é o próprio budismo que formulou a mais antiga crítica e denúncia do niilismo como um erro paralelo ao essencialismo!
Mas eu não falei de budismo no meu texto, falei apenas da convergência de milenares tradições sapienciais, que recorrem à introspecção meditativa - como ainda Descartes, por exemplo, o pai do racionalismo moderno - , e da microfísica contemporânea, para nos darem um quadro do mundo onde a noção de relação prima sobre a de substância e a de interdependência prima sobre a de existência em si e por si. Parti daí para aplicar isto à questão das identidades nacionais e lembrar que os povos, as culturas, as nações e as pátrias não podem ser abstractamente pensados como entidades ou coisas independentes, mas antes como processos inscritos na trama de interdependências que é a história e o próprio universo.
E para quê ? Apenas para recordar o que está presente na Declaração de Princípios e Objectivos do MIL, ou seja, que Portugal e a Lusofonia não são um fim em si, mas que o melhor da sua tradição cultural visa pô-los ao serviço do desenvolvimento da consciência e do bem comum de todos os homens e de todos os seres, ou seja, do universo. Isto, também, para contrapor a um nacionalismo ou patriotismo autocentrado a ideia de um novo patriotismo, que defini como trans-patriótico e universalista.
Se falei de meditação, não foi de meditação budista, mas do indispensável exercício de observação introspectiva e de auto-conhecimento que se requer quando queremos superar as nossas tendências egocêntricas e colocar as nossas energias ao serviço não só dos amigos, dos compatriotas ou de grupos restritos, mas de projectos generosos e universais, como pretendo que seja o do MIL. Esta auto-observação da mente foi praticada por todas as escolas de filosofia gregas - chamavam-lhe "meleté" - , foi praticada na tradição cristã (por Vieira, por exemplo, segundo as instruções de Inácio de Loyola) e, comum a religiões e irreligiões, é hoje redescoberta em todo o mundo e alvo da pesquisa de vanguarda no domínio das neurociências, estando a ser proposta nos EUA para substituir o consumo de Prozac.
Ao falar da sua relação com a política - onde não invento nada, porque já há em todo o mundo quem fale disto há muito tempo - , poderia ir muito longe, mas basta-me dar um exemplo da sua grande utilidade: se a maioria dos actuais políticos, em todo o mundo, praticassem sinceramente esta introspecção meditativa, verificando sinceramente se iam para a política por engodo da fama, da riqueza e do poder, ou para servir o bem comum, decerto tinham desistido, para seu bem e nosso!...
Espero que estas reacções à flor da pele, ao falar-se de política e meditação, não indiquem haver no MIL quem queira, por recusa de observar a própria mente, ir no mesmo caminho de sempre...
Aprendi muito ao ler os vossos comentários e fico-vos imensamente grato por isso. Mas também algo céptico, relativamente à possibilidade de se cumprir verdadeiramente a Declaração de Princípios e Objectivos do MIL: vejo em vocês muita coisa, menos aspiração à compreensão de ideias novas e diferentes e ao bem universal...
Ainda bem que vos incomodo!

sábado, 6 de setembro de 2008

Esclarecimento pessoal


Caro Casimiro Ceivães

Não vou comentar o seu comentário ao texto do Paulo Borges – o Paulo, se o entender, fá-lo-á. Em todo o caso, digo-lhe, a bem da verdade e da salvaguarda da minha posição pessoal (sou também um dos fundadores do MIL): se alguma vez o MIL vier a defender na sua Declaração de Princípios e Objectivos que “o mundo não é senão a ilusão e o nada”, que o “não-ser é o que realmente somos” ou que “a nossa verdadeira Pátria é o vazio”, eu sairei. Não acredito, contudo, que isso alguma vez venha a acontecer. Aliás, mais: estou certo disso. Tão certo como estou certo que o mundo existe. E que eu também.

O Nada que é Tudo


Crente é pouco sê-te Deus
E para o nada que é tudo
Inventa caminhos teus.

Se Ele é o que dizes
Ele nada pode ser
E se nada, livre está
Para ser o que quiser.
...
Se Deus quisesse ocupar
Lugar a si mesmo igual
Preenchia todo o nada
E o deixava tal e qual.
...
Do que é o Espírito Santo
Só diga quem ficar mudo
Que palavra há que me leve
Áquele nada que é tudo.
...
Oxalá por saber tanto
Me apeteça ficar mudo
Só então vendo sem ver
Aquele nada que é tudo.

Agostinho da Silva


Este "nada que é tudo" de que nos fala o mestre Agostinho, falando a partir das bordas do abismo do Mito, essa sobre-excessiva mudez que nada tem que ver com mutismo, não é um vacuum, um vazio, um apelo à nadificação e à abdicação.
Falou-se já muito aqui em religião, em adeptos, neófitos e coisas assim. Ora, adoptar uma perspectiva religiosa não vai contra a liberdade de expressão. Talvez certos secretismos vão. E a liberdade de expressão não pode ir contra a liberdade religiosa, nem vejo como o Mil possa estar contra isto.
Mas é verdade que o Mestre Agostinho nos diz para sermos contagiosos. Mas eu tenho muita dificuldade em defender isto, porque não quero que ninguém se contagie com o eu ser eu. É uma doença tramada. Assim que me levanto de manhã, vejo-me ao espelho e, caramba!, sou eu!
Ora, eu não preciso de pedir autorização a ninguém para ser eu. Nem eu tenho que me autorizar a ser eu. Posso fingir que não sou eu, mas tratar-se-ia dum fingimento meu.
E os pensamentos vêm-me de algum lado. E o eu agarra-os, como o Kant já se tinha dado conta na Crítica da Razão Pura: a unidade da apercepção agarra os dados fenoménicos e faz com eles um mundo, com a ajuda de todo um instrumentário complicadíssimo que, ao que parece, funcionaria mesmo sem que nós soubéssemos da sua existência.
Mas, no meio disto tudo, não quero um machado, seja ele qual for, a dar-me cabo das engrenagens transcendentais. E do que delas possa ser regurgitado.
E gosto da ideia de Agostinho da Silva segundo a qual cada homem é Deus a ser homem. O que significa que cada homem pode superar-se. Não há mal nenhum nisso. Não é a mesma coisa que a Aufhebung hegeliana, é algo de mais radical. E envolve tudo aquilo que historicamente somos. E, também o que não somos, não fomos e poderemos, ou não, vir a ser. Há uma meta-história, talvez infra e supra histórica. É daí que emergem os mitos. E os mitos são imbuídos de forças de superação, de energias demiúrgicas, capazes de levar à transcensão do que, sendo finito por ser o infinito em acto, sempre pontual e pontuado, pois a História é um pontilhado dinâmico, multimodal e multi-circunstancial, nunca totalmente circunscriptível, nunca está completamente determinado. Não há, contudo, um indeterminismo radical, no fundo mais fundo, mas uma inter-determinação, ela sim, verdadeiramente adunadora de sentidos e de complementaridades, sicronias, discronias, no fundo, o jogo, sempre
caótico, da Physis.
Isto por vezes custa a meter-se-nos na
pinha.
É
natural. Mas há milénios que a coisa marcha, ora duma forma, ora doutra. Muitos dos que defenderam estas ideias foram acalentados pelas fogueiras inquisitoriais. Cavaleiro de Oliveira, recordo aqui a lição de Sampaio Bruno, ardeu em efígie e queixou-se que, no mesmíssimo dia, tiritava de frio na soturna Londres tão afastada no clima, e nos costumes, da sua tão amada Lisboa.
A mesma Lisboa que abalou a harmonia pré-estabelecida de Leibniz ao ser o palco do infausto terramoto de 1755. Aí os mitos tremeram, não só os que tinham por cá uma roupagem religiosa, ou até político-religiosa, mas também os que se erguiam na Europa a caminho do esclarecimento. É que a Razão nada pode contra a Natureza, embora esta última nunca tenha deixado desmentir a sua profunda racionalidade, razão pela qual, "Deus não joga aos dados", segundo Einstein, e o "real é racional e o racional é real", seja qual for a ordem da coisa, de acordo com a versão hegeliana do Princípio da Razão Suficiente. A Natureza participa também da demiurgia mítica. Pode é não estar de acordo com a forma como incarnamos os mitos. Mas isso é uma coisa nossa, cultural, portanto, se calhar, des-naturada, embora possa ser naturante, porque talvez esteja por pensar as formas pelas quais a Cultura se degenera em Natureza, como se pode ver nos mais recentes avanços da ciência genética. O Zoon torna-se artefacta e a Bios, a vida tal como os humanos a vivem, deixa, hoje, de ser encarada como uma poiésis, num sentido muito especial, para passar a ser, cada vez mais , uma mera repetição, uma mimésis de modelos e de formas culturais que nada têm de mítico, mesmo que lhes tenham tomado de empréstimo a aparência.
E aqui há uma lição importante, que nada tem que ver com atitudes religiosas, num texto insuspeito de Derrida: "l'animal donc je suis" (Vários Autores, L'Animal Autobiographique, galileé, Paris, 1999, pp. 251-301). Aí Derrida fala duma compaixão essencial, fundamental, que emerge do olhar do animal sobre o ser humano, o "animal auto-biográfico" exilado da sua nudez primordial, a que não deixa rastos nem rasteja, mas que no caso do homem sofre duma incompletude alienante.
Esse olhar do outro sobre o absolutamente outro que nós somos para si, que, no fundo, não tem um "si", é um olhar desarmante porque incomunicável, como todo o autêntico olhar. E o nosso rosto só a esse olhar se torna transparente, devido à sua capacidade de ir ao fundo, do que mais importa.
É absolutamente falso ligar a rapacidade humana, o egotismo desenfreado, a inveja, o medo de perder protagonismo, as razões para o ódio e para a desunião, a tendências ou instintos animais. Embora Pascoaes, Leonardo Coimbra, Agostinho da Silva e outros autores tenham razão ao afirmar que o mundo humano e a sua caractereologia formam um bestiário exuberante. Talvez seja verdade. E há aí muitas razões para nos regozijarmos, uma vez que voltamos a encarar-nos como naturais. O que já não será pouco.
Também será errado considerar que os homens, todos os homens, não têm um fundo bom. E nada há aqui de religioso. Talvez seja uma palermice minha que até nem sou muito seguidor de Rousseau. Até certo ponto.
Todos os homens são dignos de respeito e de consideração.

O Menino Jesus


I
Como clarissimanente expôs o Paulo Borges no texto hoje publicado, as coisas não existem em si e por si, antes lhes sendo intrínseca a interdependência (e a impermanência).

Para mim assim é o MIL; e portanto, como com qualquer outra coisa, ele não existe para além da percepção que os que nele se reconheceram dele têm: é feito pela sua história, e não pelo seu desígnio. Ora essa percepção assenta, para todos, no que lhes é proposto pelo Manifesto e pela Declaração de Princípios; e assenta também, ao menos em todos os que não tenham sido os seus fundadores, naquilo que encontraram ao chegar como etapa caminhada já, como história partilhada pelos que antes chegaram. Para ir directo ao assunto, se Portugal não é Menino-Jesus-das-Nações não vejo que possa haver um MIL Menino-Jesus-das-ideias; não há, neles, uma essência destinada à progressiva revelação (a neófitos ou a inspiradores); não há, com eles, pré-determinação de pontos de chegada ou, sequer, de etapas de jornada.

Definimo-nos em fraternidade, na barca e na estalagem comum da lusofonia – o resto serão coisas de caminhar. Sabemos que andamos em busca, e isso não nos diz onde vamos esta noite dormir: a barbárie indo-europeia deu-nos, entre outras maravilhas, a possibilidade de pensar a vida como uma aventura, e a aventura como uma possibilidade de redenção. Como na história grande do Graal, não estamos frente a uma porta fechada: antes temos na mão uma chave e é o pórtico o que nos falta, antes temos respostas soltas, com que buscamos a grande Pergunta-a-haver. Mistério da beleza, que nos beija na impermanência das coisas; mistério da Elevação, que faz dos nadas a claridade do ser.


II
No mesmo fundamental texto de hoje, diz-nos Paulo Borges:

a) que “É apenas à luz do patriotismo trans-patriótico e universalista, como projecto fundamentalmente ético-espiritual (…) que considero fazer sentido a existência do MIL”;
b) que “patriotismo trans-patriótico e universalista é o que encontro no melhor da ideia de Portugal e da comunidade lusófona que – depurada do lastro de muitos condicionantes - interpreto em Luís de Camões, Padre António Vieira, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva”;
c) que “patriotismo trans-patriótico e universalista é o que em última instância aspira a orientar as energias de uma dada nação para que (…) a comunidade humana possa expressar o mais possível a estrutura e as leis fundamentais da própria realidade: ausência de id-entidades com características intrínsecas, interdependência, impermanência”.

Porque não quero admitir que estejamos diante de uma operação de manipulação friamente planeada ou de uma OPA hostil à herança do pensamento lusíada, tomo isto como uma proposta séria – tanto mais importante quanto, na ilusão da nossa ainda não trans-patriótica e definitivamente libertada percepção, a vejamos como vinda de um Paulo Borges objectivamente exterior a nós e realmente fundador do MIL – de percorrer um caminho, e um caminho escolhido na luz de já encontrada candeia. Ora esse caminho eu descrevo-o assim:

a) vejamos a herança dos pensadores portugueses, de Camões, de Vieira, de Pessoa, de Pascoaes, de Agostinho; depuremo-la – como lastro no alto mar – de todas as referências a Portugal-povo, a Portugal-nação, a Portugal-história, a Portugal-combate – o mundo não é senão a ilusão e o nada;
b) vejamos aquilo que ainda cremos ser, e despojemo-nos disso – assim atingiremos o não-ser, que é o que realmente somos;
c) vejamos a hierarquização das coisas a que chamamos Pátria, e lembremo-nos de que tudo é impermanente excepto a dissolução – assim atingiremos o vazio, única Pátria verdadeiramente comum;
d) vejamo-nos a nós, manto ilusório de id-entidade, onda insubstancial do Oceano maior; e renunciemos ao manto como o único acto digno do Rei, que é a Abdicação.
e) ah, e este é o verdadeiro MIL - tal como eu o sonhei, mesmo sem saber que sonhava.

Fundamental, crucial proposta. De facto, quase tudo o que antes escrevi neste lugar lhe é o contraponto e a objecção; mas não é esse o secretíssimo amor, a solitária meditação de Lúcifer?

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

AINDA SOBRE “O QUINTO IMPÉRIO E A CPLP”


Para mal dos meus pecados, este meu espírito irrequieto não me deixa em paz. Quando lê um texto sobre este tema fica numa roda-viva !
Delicia-se com os textos filosóficos tão bem elaborados; admira as ideias tão bem arquitectadas; lê-os com ansiedade, mas chega ao fim com a sensação de ter tido uma refeição requintada mas que não satisfez as suas necessidades energéticas.
E aqui, insidioso, pergunta-me sempre :-“ Bem !...destes textos tão bonitos o que é que se pode pôr em prática ?( É um espírito pragmático !...)
Para ser sincero eu fico um pouco comprometido, porque não sei bem o que lhe hei-de responder. Falou-se sobre Vieira, falou-se sobre Pessoa, falou-se sobre Agostinho, mas sobre a CPLP pouco se falou.
Em 7 textos que foram publicados, num total que excedeu 400 linhas, só se fizeram 13 referências à CPLP.
Como compensação, achei muito simpática e prometedora a ideia de Renato de fazermos parte da guarda-avançada da CPLP.
Logo este espírito ardiloso me perguntou:-“Mas uma guarda-avançada não pressupõe que atrás dela há um exército ? "
Tive de recorrer a toda a minha paciência para lhe explicar que nem sempre é assim ; que há exércitos que o não são, que existem e não existem, que podem ou não vir a sê-lo.
Capcioso, ele não perdeu a oportunidade de criar um raciocínio redutor :
-“Então é como a CPLP. Tem cerca de 240 milhões de soldados mas não tem exército !...É como no caso de Roma; se não pagasse aos seus soldados um salário não teria exército!
Então,o que falta à CPLP é o sal ! “
Fiquei a pensar no assunto. Ele não terá razão ?
Temos Imperadores, temos Senadores, temos Generais, temos a guarda-avançada mas... onde está o exército ?
Enquanto não se der sal aos soldados nunca conseguiremos ter um exército. ( Não vou falar de Vieira ).
A CPLP é, na realidade, um ideal ! E os ideais, como tudo o resto, têm de ser, como diria um técnico de marketing, “vendidos”. A História tem-nos provado isso.
Casimiro Ceivães afirmou que a CPLP tem falta evidente de direcção política. Concordo e direi mais: tem, também, falta de outra coisa que é indispensável : estratégia !
Dos seus objectivos, pode-se dizer que há uma enorme falta de noção das prioridades. Dos primeiros objectivos a alcançar, deveria fazer parte a divulgação generalizada.Se alguém se desse ao trabalho de fazer hoje um inquérito, estou certo que concluiria que a maioria dos inquiridos desconhece a CPLP.
Com o meio extraordinário que temos hoje à nossa disposição, que é a Internet, seria facílimo chegar até às camadas menos instruídas das populações. Sabemos como a Internet está divulgada entre a juventude portuguesa; na Galiza,creio ser a mesma coisa; no Brasil, qualquer favela, por muito pobre que seja, tem vários locais com acesso à Internet; em África a questão seria um pouco mais complicada mas, em parte, poderia ser resolvida.
A CPLP não faz nada para ganhar a colaboração dos meios de comunicação social que a ignoram olimpicamente.
Pelo menos a TV teria de ser um meio que a CPLP deveria saber utilizar em seu benefício. Em contrapartida a maioria das iniciativas da CPLP nem sequer são noticiadas.
São estas e outras lacunas que me levam a fazer o papel de advogado-do-diabo na esperança de que haja quem acorde para as realidades.
Sei que a figura do advogado-do-diabo é, quase sempre, incómoda mas a experiência tem-me mostrado que, em qualquer empreendimento, ela é indispensável para se obter sucesso.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Sete esboços para um triálogo


Ao Renato e ao Klatuu, novamente...

1. No fundo, entender o que será o império de que Portugal pode aspirar ser a proposta - de que nos vale a pena aspirar a ser palavra de início - é entender a diferença entre um espaço definido pelo uso da língua portuguesa e um corpo constituído como uma língua portuguesa.

2. Uma língua é um sistema de comunicação, e por isso uma conversa é simultaneamente comunicação de diferenças e enriquecimento de identidade própria. Não pressupõe o conhecimento recíproco dos falantes: ele gera-se no seu uso e pelo seu uso. Não anula as diferenças; mas a enunciação da diferença gera a compreensão que a ilumina. Não é apropriável por ninguém, mas apropriada para todos. A língua é uma hierarquia sem dominação, uma verdade sem ciúme, uma beleza sem artifício: no mundo da linguagem, que é o da irresistível elevação das coisas ao poema, somos desde sempre senhores entre pares. Porque a sua riqueza não sabe excluir, admite o paradoxo maior que é o da aristocracia de iguais. A língua não cala o estrangeiro: tradu-lo. E ao traduzi-lo convida-o. Na língua, o silêncio também tem lugar.

3. A diferença entre nação e império - se preferirem, a diferença entre o nacionalismo e projecto imperial português - é a diferença que vai entre afirmar que tudo o que seja dito em português é valioso e bom, e afirmar que tudo o que é valioso e bom pode ser dito em português. A nação não pode traduzir, porque é um espaço e não uma língua: as suas fronteiras são fechadas à importação de mercadorias e à importação de conceitos, sob pena de dissolução. Já o império não pode deixar de traduzir, porque sendo um corpo linguístico e não um espaço não tem fechadas as suas fronteiras cognitivas.

4. A inconsciência desta distinção perturbou a análise de quase todos os intelectuais do séc. XIX e inícios do séc. XX (notabilissima por isso a excepção de Pessoa), isto é, os intelectuais que viveram o apogeu dos nacionalismos, e que confundiam império com as falsíssimas caricaturas dos neo-impérios francês e prussiano: atribuíram à vitalidade nacional a capacidade de integrar, superando-as, as novidades e as transformações estrangeiras, quando na verdade essa integração correspondeu sempre - exemplarmente no período português das Descobertas - a uma fase em que a nação pariu um império como um espaço bárbaro pode parir uma língua.

5. Agora, passado o tempo das nações fechadas por força da irresistível transformação mundial a que chamamos globalização, o risco já não é o de confundir nação com império, mas o império com a neutralização dos mundos; isto é, o de não perceber não só que a globalização não é indutora mas o obstáculo maior ao império, mas também que o império é a única forma de devolver identidade (e, por isso, diferença) aos seres humanos globalizados, rebaixados a consumidores ou, no melhor caso, a computantropos. E que por isso o império - e as cumplicidades locais que o constituem - são a forma superior de resistência à ilimitada voracidade dos mercados.

6. Ao contrário da nação, o império não está encarcerado no seu espaço físico e no seu tempo histórico, mas estrutura o mundo no seu próprio espaço-tempo complexo: a língua e o império são sempre uma plataforma entre mundos. E como a mesma língua admite diferentes discursos, o império admite diversas realidades locais: culturas tradicionais e tribos pós-urbanas, crenças espirituais e hábitos de vida. Todo o império é heterogéneo e heterónimo.

7. Assim, à semelhança da língua há-de ser o império ou não vale a pena falar. Ele forja-se em nós, na nossa relação com o mundo-que-somos, com os mundos-diversos que as coisas nos dão. Não brota de um programa político, mas de uma linguagem de programação. Não depende da vontade de poder, mas da verdade a exprimir. Não é reaccionário nem futurista, porque passado e futuro são modos de enunciação. Há-de ser um mundo dito, e não um mundo ditado.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

COMENTÁRIO AO POST Querem ser melhor retratados?


Oportuno, não pelo que parece ser a temática da peça: a corrupção numa «Lisboa decadente que já foi a capital de um império», mas, sim, por tornar tão claro o compadrio que existe entre uma certa Esquerda e a visão de um certo Islão acerca da Europa e de Portugal!

Este é o Al-Andaluz de que não temos falta: somos arábicos de pleno direito histórico – o da história da civilização de excelência, tolerância, supremo conhecimento, arte, filosofia, astronomia, matemática, geometria, poesia e elegância que foram os dos Reinos Taifas; «somente» o melhor momento da Civilização Islâmica, a dos Príncipes Perfeitos, como Al-Mutamid, nascido em Beja, Príncipe de Silves, Rei de Sevilha, que tomava por esposas, cristãs, bebia vinho e não perdia uma boa conversa sobre o Ser e o Nada.

O que mais me espanta numa certa Esquerda não é a sua demagogia alarve, nem a suspeita de traição – é mesmo a sua tamanha falta de cultura!


Klatuu Niktos

sábado, 30 de agosto de 2008

Do Império e da perpetuidade de Portugal – mais seis notas para o Klatuu, e também para o Arnaldo, para o Casimiro e o Clavis (e para quem mais vier)


Escreveu o Klatuu no último post: “Os impérios sempre conferiram maiores direitos de cidadania que os estados e garantem melhor a paz, impedindo a rivalidade entre estes. É evidente que tornar-se Estado é a forma de afirmação da Nação, mas isto só é possível para as pequenas nações pelo recurso a uma terceira instância que é o «império».”.

1. Historicamente, nada de mais verdadeiro. Daí a necessidade das alianças ao longo dos séculos. De outro modo, há muito que Portugal tinha deixado de existir…

2. Nestas paragens, já passámos, contudo, o tempo das invasões*. Objectivamente, não há qualquer perigo de, por exemplo, sermos invadidos pela Espanha. O risco que poderia advir de Espanha seria a sua desintegração – e as consequências disso (voltaremos um dia a este ponto).

3. Não se pondo a questão de uma ameaça militar (a ameaça terrorista é outra coisa), há, decerto, outros planos a considerar – nomeadamente, o demográfico (sim, Portugal corre o risco de colapso demográfico) e o económico (apesar da “assistência” europeia). Mas, para esses, vai havendo sempre remédios, ou pelo menos, paliativos (que não iremos agora desenvolver).

4. Portugal, contudo, não é uma mera “empresa” - sob o ponto de vista empresarial, tudo isso se resolveria com uma mera “deslocalização”, como agora se diz. Portugal é um território (por definição, indeslocalizável) e, sobretudo, um povo, cuja singularidade está, essencialmente, na língua e na cultura. É esse o fundamento maior da nossa “independência”.

5. Sob esse ponto de vista, o risco maior à nossa independência seria a língua portuguesa ficar confinada a este nosso território (falamos sempre no plano do médio-longo prazo). Daí a aposta estratégica na Lusofonia: é do nosso interesse que a língua portuguesa se continue a falar nos diversos países da CPLP.

6. E, também, ponto decisivo, para os outros países da CPLP. Para os PALOPs (países africanos de língua oficial portuguesa), por exemplo, é a língua o grande factor de coesão nacional. Por isso (esclarecimento ao Casimiro) escrevi aqui que “é a razão o que sobretudo nos une”. Acredito mais na perpetuidade das alianças por interesse do que por paixão (as paixões esvaem-se; os interesses mantêm-se). Por isso, acredito no futuro da Lusofonia**. Tanto mais porque essa “plataforma linguística” tem virtualidades outras (económicas, por exemplo) ainda não de todo exploradas. Por isso, em suma, acredito no futuro de Portugal. Aliás, parafraseando o outro, se não acreditasse, não estaria aqui…


* O mesmo não se passa ainda, por exemplo, na Europa de Leste (veja-se o que se está a passar na Geórgia) e em muitos locais do mundo. Daí, também, a fragilidade da independência timorense (ponto a desenvolver).

** A este respeito, há, obviamente, que referir e salientar o papel do Brasil (outro ponto a desenvolver).

Notas à margem da mesma conversa


Caros, com pena de não ter mais tempo agora:

1. O assunto foi tomando, por assim dizer, a forma de uma estrela de David, de duplo triângulo: num plano, a tríade Vieira - Pessoa - Agostinho; num outro, a tríade Portugal - Europa - Lusofonia. Se quisermos, de um lado a idealização (Império, para manter a palavra) e, do outro, a realização (CPLP como caminho e, em pano de fundo, a globalização planetária). Curiosamente, cada vez mais claramente parece estarmos a falar de coisas completamente diferentes (foi a minha primeira reacção ao ler a "provocação" do Arnaldo); julgo que não estamos, e que nos falta no mapa um 7.º ponto, que não é vértice mas centro da estrela... Lá iremos ao andar da conversa, acho.

2. O que o Renato diz de Vieira, Pessoa e Agostinho é crucial, e merece análise mais funda: por agora, só dizer que o Agostinho está claríssimo, mas que, no Pessoa, a questão do "jogo literário" (precisamente por causa da sua possível confusão com qualquer "jogo interior") tem muito que se lhe diga, para não envolver uma petição de princípio: a de dar por demonstrado precisamente aquilo que em última análise toda a tradição de pensamento "esotérico-religiosa" (em amplíssimo sentido) repudia, e que é a ideia "moderna" de que o acto solitário, por si, não transforma o mundo (incluo neste "acto solitário" tudo o que vai da oração judeo-cristã à prática alquímica ou mágica).

3. Quanto à análise da situação actual, subscrevo quase inteiramente o que disse o Klatuu (o "quase" vem do ponto 2 e nasce só de ser eu, ao contrário, o maior céptico relativamente à minha racionalidade...). O ponto mais importante a meu ver vem trazido pelo Renato, e está nos pontos 4 (de ambos) sobre "europa das pátrias" e "europa imperial".

4. Da europa imperial há que excluir liminarmente a Inglaterra e o seu actual herdeiro americano, como tão perfeitamente compreendeu De Gaulle: o império destes não é império europeu mas império marítimo, e a vocação destes há-de ser sempre a de cercar e neutralizar a hipótese de um império continental (que na actual circunstância só pode ser russo-europeu).

5. De passagem, não penso que Portugal tenha sido alguma vez um império marítimo, ao contrário do que nos ensinam a pensar: marítimas eram, no tempo das nossas Descobertas, as potências com quem conflituámos (Veneza, Inglaterra, Holanda), e por isso a elas se deve a parte "material" da modernidade: o capitalismo na sua forma financeira, por exemplo. Mas à medida que Portugal se expandia (e expandia-se aprendendo, pois foi preciso re-conhecer primeiro o mundo a descobrir) procurou sempre uma plataforma continental em que ganhasse o fôlego de território que nesta faixa da europa lhe faltava, sendo a Índia e o Brasil as sucessivas hipóteses de centrar o império: através da expansão marítima, Portugal buscava penetrar na terra.


(a continuar)

A JUNTAR-ME AO TRIÁLOGO (?) COM O RENATO, O ARNALDO E O CASIMIRO… ALGUÉM MAIS?



Não te faltam munições – mas como estes me são mais fáceis, do que a tríade: Pessoa/Vieira/V Império... aqui vai.
(Em breve o resto; ainda hoje).




1. Portugal é a raiz da Europa moderna; dispensa «lições de Europa», seja de quem for.

2. Também é convicção funda minha, para não lhe chamar Fé, mas como é Fé e como (te disse) sou o maior céptico em relação ao meu próprio misticismo (fundamentalmente porque não o consigo racionalmente explicar) – penso que é avisado admitirmos que Portugal poderá não existir no futuro. Como tal cabe a nós, os vivos, garantir que Portugal terá um Futuro.

3. Não concordo inteiramente. Dependerá muito da forma: se for uma soma, não terá eficácia, mas se for uma coordenação das políticas externas de cada estado-membro poderá ser muito eficaz – desde que a Europa Comunitária não caia na tentação de se substituir à NATO.

4. Penso que isso acontecerá, mas não pelos vectores que apontas: é a própria «europa imperial» que criará esse retorno à Nação (veja-se a Bósnia, etc), mas não por uma reacção à Europa Comunitária, mas sim porque as «super-estruturas imperiais» permitem que as nações se libertem da «tirania dos estados». A mensagem de Deepak Lal em «O Elogio dos Impérios. Globalização e ordem» é inequívoca: os impérios sempre conferiram maiores direitos de cidadania que os estados e garantem melhor a paz, impedindo a rivalidade entre estes. É evidente que tornar-se Estado é a forma de afirmação da Nação, mas isto só é possível para as pequenas nações pelo recurso a uma terceira instância que é o «império».
Não esqueçamos aqui algo de fundamental: o projecto de extensão da civilização portuguesa deve ser na direcção de mar e terra; juntá-los reforça-la-á nos dois vectores e isto também se aplica à economia, tornando-se Portugal uma boa parte da plataforma de relação comercial entre a Europa, o Brasil e África.

5. 6. 7. Nestes pontos concordo inteiramente.

8. É evidente que a rota do MIL não poderia ser outra, querer que a CPLP se substituísse à Comunidade Europeia seria absurdo – Portugal deve manter-se em ambas as estruturas; isso torna-o aliciante além e aquém mar.

9. Concordo, mas há que tornar a CPLP mais dinâmica, não só enquanto estrutura, mas na convergência de um modelo económico e na abertura de um mercado livre de fronteiras entre os estados lusófonos – e isto basta; mais não é necessário: a possibilidade federativa enfraqueceria Portugal enquanto nação europeia e ameaçaria a nossa sobrevivência.

10. A convergência económica fomentaria a democracia – e não nos esqueçamos de um fenómeno imparável: o da cada vez mais rápida e livre divulgação da informação, da cultura e do conhecimento. Os regimes ditatoriais têm os dias contados... pela crescente tomada de consciência da cidadania individual transnacionalista, do indivíduo enquanto cidadão planetário.


Klatuu Niktos

Mais dez breves notas – para o Arnaldo, o Casimiro, o Klatuu e o Clavis.


1. Portugal é um país europeu: geográfica e, mais do que isso, civilizacionalmente. Sempre foi (muito antes da maior parte dos outros países) e sempre há-de ser, enquanto existir.

2. Se essa condição é “eterna”, o actual modelo de construção europeia é meramente conjuntural. Nasceu ainda do rescaldo da 2ª Guerra Mundial e pelo facto da Alemanha ter ficado no estado em que ficou. Durante décadas, durante mais de meio século, a Alemanha aceitou pagar essa construção europeia sem reclamar qualquer voz política. Pela natural ordem das coisas (não há condenações eternas), isso está a mudar, e mudará cada vez mais…

3. O presente “salto em frente” da União Europeia, nomeadamente com a definição de uma política externa comum, é o seu canto do cisne. A Europa, a velha e eterna Europa, nunca terá uma política externa comum, pela simples mas suficiente razão de que a força da Europa está na sua pluralidade. Podia aqui multiplicar os exemplos: a França, tida como grande “europeísta”, sempre teve uma política própria; da Inglaterra nem vale a pena falar…

4. A construção europeia vai pois regressar à "Europa das Pátrias": é esse o seu destino. Há coisas mais fortes do que todos os voluntarismos de circunstância. É o chamado “Vento da História”.

5. E Portugal? Portugal, depois de 25 de Abril, quis fazer um corte com todo o seu passado. Exausto da guerra colonial (a maior razão para o golpe de estado), Portugal voltou as costas a todo o Ultramar (com algumas consequências bem trágicas) e empenhou-se em “regressar à Europa”. Daí essa obsessão de ter “a Europa connosco” (lema soarista) ou de sermos o “bom-aluno europeu” (lema cavaquista).

6. Passados já mais de trinta anos sobre o 25 de Abril, saradas (ou a caminho disso) as feridas do lado de cá e de lá, com uma nova geração já nascida depois de tudo isso, é tempo de refazer as pontes…

7. Refazendo as pontes com o mundo lusófono, Portugal não está pois a renegar a sua condição europeia, mas, ao invés, a cumpri-la: tal como o fazem, de diferentes modos, as outras potências europeias…

8. O que o MIL pretende, como já foi mil vezes dito, não é senão estimular essa dinâmica de reconvergência lusófona – todas as posições públicas que temos tomado é claramente a essa luz que devem ser lidas. No aprofundamento do que existe, ou seja, da CPLP. Não é senão isso o que queremos ser: a “guarda avançada” da CPLP, os que vão à frente a abrir caminho…

9. Até onde poderá ir essa convergência, não sei, nem acho que tenhamos que propor a priori modelos políticos. Por enquanto, a meu ver, importa apenas alimentar essa dinâmica: cooperação cultural, desde logo, mas também económica, cívica, social, institucional, diplomática, etc, etc, etc…

10. Decerto, é preciso caminharmos com cuidado, até porque, do lado de lá, há regimes que não inspiram a menor confiança (desnecessário nomear quais). Mas também isso irá, a pouco e pouco, mudar…

Entre Vieira, Pessoa e Agostinho – seis breves notas em "triálogo" com o Arnaldo, o Casimiro e o Klatuu.


1. Como todos nós, mais ou menos, Vieira foi um homem do seu tempo, por mais (mas nunca totalmente) que o tivesse transcendido.

2. Não sei o que seria Vieira se tivesse nascido no tempo de Pessoa. Decerto, um Vieira bem diferente. A ponto de se reconhecer na "heresia" pessoana? Talvez até, pelo menos em parte.

3. Vieira era, a meu ver, um espírito muito pragmático, mesmo no plano ideativo. Dir-se-á que pôs o V Império ao serviço de uma visão cristocêntica do ser e do tempo. Poder-se-á, contudo, também dizer o contrário: que pôs a mundividência cristocêntrica do seu tempo ao serviço da “sua” ideia de V Império.

4. O mesmo exercício especulativo se pode fazer com Pessoa. Se ele tivesse nascido em 1608, decerto teria sido bem mais cristocêntico. Talvez até mais do que Vieira…

5. Num ponto, decerto, eles divergem, e aqui entra o Agostinho, e o seu grande ponto de ruptura em relação ao Pessoa. Para Pessoa, tudo se passa, sobretudo, num plano interior, ou, para ser mais cáustico, num plano lúdico-literário*. Para Vieira, como depois para Agostinho, o V Império (também não gosto da expressão, mas adiante) tem que ter uma tradução política, social e económica. Decerto, também interior, ou “espiritual”. Mas não apenas…

6. E, por isso, estando no plano ideativo mais próximo de Pessoa (vide a sua obra “Um Fernando Pessoa”), no plano da praxis, Agostinho é um vieirino, tanto quanto se pode ser vieirino neste nosso tempo. Mas sobre isso, sobre a construção práxica do V Império no século XXI, mais notas escreverei adiante**.


* Como se, para Pessoa, tudo fosse um mero jogo, uma mera construção literária. Nessa medida, tanto poderia ter escrito sobre o V Império como sobre a União Soviética (é o que pensam, ainda que não o digam, muitos dos ditos “pessoanos”). Não é, de todo, o que eu penso: acho que há um Pessoa genuíno para além de todo o jogo literário, mesmo para além de todos os seus heterónimos. E não considero que seja uma questão de fé. Ele está lá, para quem o quiser ver…

** Convocando também o Clavis, que tem igualmente procurado fazer esse exercício.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Ao Arnaldo Norton, reflexão sobre o Império e a Estratégia Imperial (I)


Caro Arnaldo Norton, impensada e solitariamente levantei a luva da sua importantíssima provocação, e eis-me agora com um mundo de coisas para treplicar. Tantas, na verdade, que tenho de começar por picar os pontos essenciais da pergunta (múltipla) que lançou e, descendo dos princípios para a confusa realidade quotidiana, responder hierarquizando as questões.

Partamos assim do Império, que sendo o Fim é o melhor lugar do Princípio.

Eu não disse que Pessoa não estimasse e admirasse Vieira; não acrescentei - mas digo-o agora - que duvido de que Vieira estimasse as ideias de Pessoa, se as pudesse ter conhecido (vou manter arredada por ora a Terceira Pessoa da nossa profética trindade, o Agostinho). E a razão funda desta desestima é a de que Vieira era católico, enquanto Pessoa - conforme o último livro que ia lendo - era ou fazia-se (nunca o saberemos) teosofista, neo-pagão, admirador de Crowley, pseudo-templário ou invocador de diversas serpentes; coisas perdoáveis ou estimáveis num artista (e num génio) mas tudo coisas a ver com cautela (porque há caminhos que não têm regresso) se entrarmos nas vias de conhecimento, gnose ou revelação (que não são já as da teologia e da metafísica, racionais ainda) mas as do profetismo, do esoterismo, do ocultismo ou do misticismo (deixo a cada leitor a sua escolha pessoal).

Ora para Vieira o V Império há-de ser a culminação da História na redenção da humanidade (e da Criação), e portanto há-de ser obra divina; o fim da cisão, da falha, do abismo que duram desde a fundação do mundo. É, em termos cristãos, o mistério do Oitavo Dia: coroação da tripartida Obra de Deus na Criação do Pai, na Redenção do Filho, na Consolação Nupcial e Final do Espírito Santo.

Já para Pessoa, o V Império há-de ser uma coisa inteiramente outra: não consegue ele conceber, perdido sempre nos seus "caminhos da serpente", outra coisa que não a auto-iluminação pessoal, a auto-elevação pessoal de cada homem a uma condição "angélica", uma vez que Deus não falará nunca, não mostrará nunca a Sua face (não porque o não queira, mas porque a não tem: "o Cristo não é mentira, mas (...) é da essência do Cristo não poder ser encontrado"). O Império será, naturalmente, a morada - ou a alma colectiva - dos homens tornados plenamente conscientes de que, para serem como Deus (ou para prescindirem da sua insuportável ausência) hão-de ser tão múltiplos que uma só Face também já não tenham.

Compare-se isto com a visão católica de Vieira: a desvairada multidão de Povos que Portugal ajuntou, na "globalização" das Descobertas (ante-anunciada no Índio que uma pintura manuelina apresenta como um dos Reis Magos) é, essencialmente, a re-união do Único Povo (disperso na História) sob a égide do rei do mundo, delegado terreno da Única Fonte (que é o Amor infinito, divina forma do Nada de onde brota todo o Ser).

Vale a pena, a meu ver, pensar nisto (pensar aqui, quero eu dizer) porque aquilo que seja para nós o Império condiciona aquilo que veremos como o caminho para o atingir: quer do ponto de vista do caminho pessoal para a santidade ou a iniciação (esse, não nos ocupa aqui), quer do ponto de vista do caminho colectivo: aquilo a que chamarei (para a distinguir das pequenas tácticas da guerrilha política) a Estratégia Imperial.

E a Estratégia Imperial (por ser diferente o lugar que nela a nossa alma tem) não é a mesma, diria mesmo que é a oposta, conforme entendamos que sejam caminhos do Império tudo o que contribua para a infinita difracção de cada alma no prisma infinito dos caminhos da possibilidade ("Sermos tudo", como dizia Pessoa, sermos "Como os deuses que conhecem o bem e o mal", como dizia a velhíssima Serpente bíblica...) ou que sejam esses caminhos tudo o que contribua para o combate e a contenção da parte material (terrena, se preferirmos), do Manto de Trevas que recobre o mundo em que estamos (e que, por isso mesmo, nos recobre a nós também).

Dito de outra forma: há uma determinada Estratégia Imperial quando o objectivo é o da libertação, à imagem do Nada, da infinita aparência das coisas, e há uma outra Estratégia Imperial quando o objectivo é o da libertação, à imagem da Vitória, da infinita apetência das coisas (não há nada mais ávido do que os demónios...).

No fundo, o que esta escolha pressupõe é saber se o nosso Ser é como o Oceano, informe e idêntico a si mesmo num imenso infinito sonho, ou se é como o Reino, hierárquico e polarizado num Rei e num Centro ou Eixo (simbolizado pela Cruz para um cristão e num Pólo, numa Árvore Sagrada ou numa Montanha em outras espiritualidades).

Para que não nos percamos (ainda estamos longe da CPLP mas, oh Arnaldo Norton, você é que despejou o cesto em cima da mesa...), poder-se-á começar a entender porque é que há duas leituras possíveis (mas, inconciliáveis?) do significado dos tempos de "paz e espiritualidade" antevistos pelo profeta Daniel...

Para uma ocasião seguinte, porque isto vai longuíssimo já, ficarão a globalização, o capitalismo e uma certa "moderna Europa" como os rostos visíveis do nosso actual adversário e, por isso mesmo, como as maiores armadilhas para Portugal, nesta fase histórica do seu destino...

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

RESPOSTA DE ARNALDO NORTON AOS COMENTÁRIOS que Casimiro Ceivães e Klatuu fizeram ao seu texto publicado em 27 de Agosto de 2008


Visto Klatuu o embuçado ter tomado a iniciativa de publicar no blogue o comentário que Casimiro Ceivães teve a amabilidade de fazer ao meu texto “ O 5º Império e a CPLP”, seguindo o seu conselho e, partindo do princípio que nada há contra, embora não saiba se este meu texto tem substância suficiente para isso, usarei o mesmo meio para fazer uso do meu direito de resposta.
Antes de começar, deixem-me dizer que o convite com que terminei o meu texto, era, sem dúvida, provocatório e tinha somente a finalidade de despertar os participantes no blogue que, me parece, anda um pouco distante da CPLP.
Consegui que dois companheiros voltassem ao tema o que já se pode considerar muito bom.
Porque é, também, na divulgação da CPLP que estamos interessados, não é ?...

(O Casimiro não optou por esta forma de destaque, mas fi-lo eu – e de novo aconselho a mesma aos colaboradores deste Blogue para os comentários de substância.)

Casimiro Ceivães disse...

Caro Arnaldo Norton, tanta coisa...
Tentando ser sucinto:


– A "Globalização" não tem nada, mas mesmo nada, que ver com o V Império, quer na forma própria deste (a formulada por Vieira) quer nas suas formas menores sugeridas ou sonhadas por Pessoa e Agostinho. Como não tem nada que ver com a política, digamos assim, "portuguesa" que Portugal apesar de tudo foi de vez em quando seguindo até 1968. Direi até que, mais do que não ter nada – tem o facto de ser a globalização o obstáculo maior, ou o adversário maior, senão do Império, pelo menos da política portuguesa (deveria agora dizer "lusófona"? mas chamemos os bois pelos nomes) como ela ainda poderia ser entendida e cumprida.

Aqui, permita que lhe diga, acho que o seu comentário peca por confundir globalização com capitalismo, o que podemos considerar uma consequência indesejável e não um fim a atingir. A Globalização é a interacção dos povos de todo o Mundo comandada pela ideia, aceito que utópica, de se conseguir a uniformidade das condições de vida.
Não consigo ver como seria possível o Quinto Império sem a globalização!

Ao segundo parágrafo (que acho desnecessário transcrever), aplica-se também a resposta anterior.

Sobre o terceiro parágrafo nada há a dizer, a não ser que fico lisongeado por concordar comigo.

– A CPLP, de momento, é um nada que não aspira sequer a ser coisa alguma por falta evidente de direcção política (ou metapolítica).– A "força" da comunidade Lusófona tem contra ela o facto de Angola, a sua segunda maior região, ser neste momento simplesmente terra ocupada "manu militari", e tem contra ela o facto de o Brasil ser ainda uma espécie de Nau Catrineta planetária (que os meus amigos brasileiros me perdoem a comparação). É, em número de habitantes, significativa; mas a quantidade não se transmuta em qualidade (pelo contrário...), nem mesmo quando nos convémNão é pela quantidade que o Império se fará, ou o Império será, inevitavelmente, pura e duramente chinês.

Respeito a sua opinião, embora não possa concordar com ela. Basta vermos qual o País que mais tem feito pela Comunidade. Além disso, não consegui que respondesse a todos os quesitos que apresentei.

– Apesar de Pessoa ter tido uma muito peculiar ideia de Império (sendo paradoxal e perigosa a tentação do seu emparelhamento a Vieira), não creio que se possa dizer que se distinguisse pela "cultura, paz e bom entendimento entre povos". Não é que isso seja um mau objectivo: é, apenas, um enunciado insuficiente.

Aqui é que estamos francamente em desacordo!

Sobre Pessoa, sobre o perigo de o relacionar com Vieira e o Quinto Império, não irei utilizar palavras minhas para que não veja nelas qualquer resquício de acinte; socorrer-me-ei de vários autores que, espero, considere fidedignos.
Passo a citar :

“Pessoa considerava o Padre António Vieira o maior artista da nossa terra, indiscutivelmente, o mais insígne teólogo do Quinto Império.”
(Manuel J Gandra, in” Sebastianismo”).

“AntónioVieira a quem Pessoa designou o“imperador da Língua portuguesa”

“É preciso lembrar que Pessoa fala do “Quinto Império” como dos novos tempos anunciados na profecia de Daniel, que o padre António Vieira anunciou para breve.”
(Mestre Lima de Freitas, in “O Esoterismo na Arte Portuguesa”)

Sobre a afirmação de que Pessoa não tinha uma ideia de Quinto Império que se distinguisse pela “cultura, paz e bom entendimento entre povos”, creio que basta transcrever o seguinte:

“A profecia de Daniel (tão grata ao Padre Vieira) fazia o anúncio de um Quinto Império de paz, liberdade, amor fraternal e de espiritualidade suprema.
(Mestre Lima de Freitas, in “O Esoterismo na Arte Portuguesa”)

Para finalizar, e um pouco dentro do espírito do último parágrafo do seu comentário, posso dizer-lhe que estou convencido que a nossa única saída é mais uma vez o Atlântico, e que compensará apostar fortemente nessa solução. Acho que ainda vamos a tempo de começar pelo princípio e concentrarmos toda a nossa energia na instrução e educação da juventude com programas de ensino onde se faça a divulgação dos povos da CPLP. Não é continuando a remar de costas voltadas que se conseguirá atingir o objectivo. Além disso, seria necessária uma reforma profunda dos meios de comunicação social de todos os Países da CPLP, reformando métodos e, principalmente, mentalidades.

Obrigado pela mensagem de boas-vindas e aceite os meus cumprimentos.

Arnaldo Norton

COMENTÁRIO DE CASIMIRO CEIVÃES AO TEXTO DE ARNALDO NORTON «O 5º Império e a CPLP»

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(O Casimiro não optou por esta forma de destaque, mas fi-lo eu – e de novo aconselho a mesma aos colaboradores deste Blogue para os comentários de substância.)

Casimiro Ceivães disse...

Caro Arnaldo Norton, tanta coisa...

Tentando ser sucinto:

– A "Globalização" não tem nada, mas mesmo nada, que ver com o V Império, quer na forma própria deste (a formulada por Vieira) quer nas suas formas menores sugeridas ou sonhadas por Pessoa e Agostinho. Como não tem nada que ver com a política, digamos assim, "portuguesa" que Portugal apesar de tudo foi de vez em quando seguindo até 1968. Direi até que, mais do que não ter nada – tem o facto de ser a globalização o obstáculo maior, ou o adversário maior, senão do Império, pelo menos da política portuguesa (deveria agora dizer "lusófona"? mas chamemos os bois pelos nomes) como ela ainda poderia ser entendida e cumprida.

– Não me refiro à "alterglobalização de Porto Alegre" (essa requereria uma outra conversa) mas à globalização que temos e que é (veja-se um notável texto de Paulo Feitais aqui, julgo que de ontem) a dissolução de tudo nesse nada que é o dinheiro, nesse nada que é a correcção forçada da alma à brutalidade dos sistemas cegos. Uma globalização que, para continuar a pôr nomes nas coisas que um nome tenham, tem o rosto visível da língua inglesa e o corpo disforme dessa coisa que hoje comanda os Estados Unidos da América (muito para além do seu patético presidente) e que durante décadas comandou também a partir dessa inacreditável marioneta chamada União Soviética.

– Em qualquer caso, estou plenamente consigo em que "Império" é uma palavra a usar com cuidado, não se confundindo nunca com "imperialismo". Pelo contrário, onde existir este o Império estará ausente.

– A CPLP, de momento, é um nada que não aspira sequer a ser coisa alguma por falta evidente de direcção política (ou metapolítica).

– A "força" da comunidade Lusófona tem contra ela o facto de Angola, a sua segunda maior região, ser neste momento simplesmente terra ocupada "manu militari", e tem contra ela o facto de o Brasil ser ainda uma espécie de Nau Catrineta planetária (que os meus amigos brasileiros me perdoem a comparação). É, em número de habitantes, significativa; mas a quantidade não se transmuta em qualidade (pelo contrário...), nem mesmo quando nos convém. Não é pela quantidade que o Império se fará, ou o Império será, inevitavelmente, pura e duramente chinês.

– Apesar de Pessoa ter tido uma muito peculiar ideia de Império (sendo paradoxal e perigosa a tentação do seu emparelhamento a Vieira), não creio que se possa dizer que se distinguisse pela "cultura, paz e bom entendimento entre povos". Não é que isso seja um mau objectivo: é, apenas, um enunciado insuficiente.

– Não estando este ponto contido na sua pergunta, creio que vale a pena referi-lo: entre a CPLP que temos (imagem do anti-poder que nos governa) e o V Império que se não fará pela razão (ainda que o Renato Epifânio tenha hoje dito aqui que pouco mais há que nos guie...), há um imenso espaço aberto que é, se quiser, aquele que pode ser o do voo da águia: começando onde termina a baixa política e subindo – mas não penetrando – até às regiões que pertencem ao domínio do Sagrado, do Destino, ou dos Deuses, somos capazes de nos reencontrar, se nos procurarmos, ou melhor se nos procurarmos não a nós, mas àquilo que nos permite, colectivamente, ser.

Cumprimentos (e bem vindo a este lugar...)


Casimiro

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

LONGE DE MANAUS

Francisco José Viegas


No passado dia 5 de Junho, enviei a Francisco José Viegas um "e-mail", pedindo-lhe esclarecimentos sobre algumas afirmações contidas no seu livro "Longe de Manaus". Como não recebi qualquer resposta, enviei nova mensagem no dia 26 do mesmo mês.
Continuando sem receber resposta, enviei novo "e-mail", desta vez, para a Editora "Edições Asa" que, até hoje, também não respondeu.
Possívelmente, os endereços estão errados e essa é a razão da falta de respostas. Por isso, peço a quem ler esta mensagem e possa contactar com Francisco José Viegas, o favor de lhe pedir que contacte para o endereço
a.santosnorton@gmail.com.
Agradeço antecipadamente.


Arnaldo Norton