Se te incomoda ouvir falar da elevação no império posso antes mostrar-te o jardim, e o constrangimento que o jardineiro impõe às ervas. E adivinho já o teu fastio: vais dizer-me que te aborrecem os caminhos programados do Palácio, a disposição geométrica das rosas, a igualitária decapitação das sebes; vais dizer-me que está cheio de tabuletas com proibições e que os teus pés descalços dançam melhor no prado das fadas. E como posso eu não te dar razão? Não tenho culpa do cansaço e da frieza dos príncipes. Ah, mas não é ao jardim deles que te quero levar: não perco tempo a propor-te bailes de máscaras.
Por isso te mostro o jardim, e por ele entendo o que nos espera se deixarmos para trás o Palácio e as ruas arrogantes dos mercadores e generais: aqui a horta humilde que abastece os mercados, mais além a floresta dos lobos, no meio dela o teu prado das fadas; deste lado a montanha coberta de carvalhos e faias, por ali o caminho que conduz ao mar. Em qualquer lugar tu situas-te: apetece-te a solitária companhia das dunas e sabes que cortas à esquerda a seguir ao moinho de água; mas se tens saudades da roda das fadas sabes que tens primeiro que atravessar a encosta dos abetos. E se te perdes na noite de Outono sabes em que direcção vai a lua nascer.
Ainda sentes o constrangimento? Na verdade, os carvalhos não progrediram além da linha da areia, aqui no prado das fadas não ocorreu ao hortelão plantar as suas cebolas. Olha para estes ramos despidos: não é ainda o tempo das maçãs. Em vão procurarias aqui a orquídea dos trópicos, e elas enchem no entanto a orgulhosa estufa dos príncipes. É essa a duríssima lei do jardineiro maior. E, vês? Não recorreu para isso a tabuletas nem a cães de guarda.
Mas as dunas, dirás tu que as dunas hão-de um dia ser morada de lobos e que o hortelão só ganharia se de manhã encontrasse orquídeas em vez de cebolas e que acabas de reparar que então há direcções onde nunca vemos a lua nascer? As dunas, dirás tu que lhes falta a liberdade de ser tudo, dirás que é injusto as fadas elegerem o prado verde para dançar e que serias mais feliz se a partir do moinho de água pudesses escolher qualquer caminho e todos descessem ao mar? Aí, onde irias quando ansiasses pela solidão? Onde, quando o teu coração quisesse dançar?
Entendes porque te afastei dos caminhos geométricos do Palácio? Não há neles sequer a sombra de um jardim, e por isso todos eles vão dar à varanda dos príncipes cansados. E para os construir foi preciso derrubar a cabana e a fonte, e por isso aqueles guardas carrancudos que te ficaram na memória como guardiães do império. Impostores. Não te esqueças de que essa história foi escrita para agradar aos generais, foi paga pelos mercadores que dependem do luxo dos príncipes. Mas tu escapavas-lhes de noite, e saltavas a muralha para brincar com as crias do lobo.
Na verdade, a tua liberdade é constrangimento das ervas: se elas se dispersarem, não terás um prado para dançar. E o teu constrangimento é a liberdade das árvores: que será delas se derrubares quem se interpõe entre ti e o mar? Mas ambos se fundam no jardim, que a tudo situa em hierarquia e poema.
E em ti, quem eu quero fundar é o jardineiro.
1 comentário:
Casimiro!...
Como essas palavras compensam todas as outras aqui escritas e que me doem na alma! Como tudo ali em baixo deixou já de existir! Se é que existiu... Com todo o respeito que sinto aos autores. Mas a minha alma nasceu apenas a reconhecer-se nestas palavras doces e humanas. Simples e sentidas.
Casimiro, eu Cei-que-tu-vães também... comigo ali onde o sonho é Nosso, onde a Vida mora deveras...
Não estou certa de haver entendido completamente a tua mensagem, mas seguirei por onde o mar do amor me me chamar, o mesmo que em ti vive.
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