A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

Albufeira, Alcáçovas, Alcochete, Alcoutim, Alhos Vedros, Aljezur, Aljustrel, Allariz (Galiza), Almada, Almodôvar, Alverca, Amadora, Amarante, Angra do Heroísmo, Arraiolos, Assomada (Cabo Verde), Aveiro, Azeitão, Baía (Brasil), Bairro Português de Malaca (Malásia), Barcelos, Batalha, Beja, Belmonte, Belo Horizonte (Brasil), Bissau (Guiné), Bombarral, Braga, Bragança, Brasília (Brasil), Cacém, Caldas da Rainha, Caneças, Campinas (Brasil), Carnide, Cascais, Castro Marim, Castro Verde, Chaves, Cidade Velha (Cabo Verde), Coimbra, Coruche, Díli (Timor), Elvas, Ericeira, Espinho, Estremoz, Évora, Faial, Famalicão, Faro, Felgueiras, Figueira da Foz, Freixo de Espada à Cinta, Fortaleza (Brasil), Guarda, Guimarães, Idanha-a-Nova, João Pessoa (Brasil), Juiz de Fora (Brasil), Lagoa, Lagos, Leiria, Lisboa, Loulé, Loures, Luanda (Angola), Mafra, Mangualde, Marco de Canavezes, Mem Martins, Messines, Mindelo (Cabo Verde), Mira, Mirandela, Montargil, Montijo, Murtosa, Nazaré, Nova Iorque (EUA), Odivelas, Oeiras, Olhão, Ourense (Galiza), Ovar, Pangim (Goa), Pinhel, Pisa (Itália), Ponte de Sor, Pontevedra (Galiza), Portalegre, Portimão, Porto, Praia (Cabo Verde), Queluz, Recife (Brasil), Redondo, Régua, Rio de Janeiro (Brasil), Rio Maior, Sabugal, Sacavém, Sagres, Santarém, Santiago de Compostela (Galiza), São Brás de Alportel, São João da Madeira, São João d’El Rei (Brasil), São Paulo (Brasil), Seixal, Sesimbra, Setúbal, Silves, Sintra, Tavira, Teresina (Brasil), Tomar, Torres Novas, Torres Vedras, Trofa, Turim (Itália), Viana do Castelo, Vigo (Galiza), Vila do Bispo, Vila Meã, Vila Nova de Cerveira, Vila Nova de Foz Côa, Vila Nova de São Bento, Vila Real, Vila Real de Santo António e Vila Viçosa.
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domingo, 11 de janeiro de 2009

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Vidas Portuguesas: Paulo Borges (1959)



“Toda a história, cultura e civilização humanas e divinas não valem um coração grávido de infinito”.
“Quando deixamos o mundo e, súbito, nos encontramos (n)o fundo um do outro, Deus, por sua graça, des-aparece e deixa-nos a sós com (o) Nada. Abençoado seja!”.

“Não há Terra nem Céu. Somos Salto. Acrobatas dos Últimos Dias”.
“Entre-somos nos intervalos que entreabrimos no absoluto”.
“Vens de antes de Deus e de tudo. A cada instante”.
“Não nasças. Estanca o fluxo da mente. Desliga o interruptor da morte”.
“Em cada instante se condensa todo o tempo. Mal nasces tens toda a idade do mundo”.
Paulo Borges, A cada instante estamos a tempo de nunca haver nascido, pp. 13, 25, 42, 50, 57 e 58

Apontamento Biográfico
Paulo Alexandre Esteves Borges nasceu em Lisboa, na freguesia da Penha de França, no dia 5 de Outubro de 1959. Comemorou, portanto, 49 anos de idade. Completou o ensino secundário no Liceu Gil Vicente e estudou Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Nesses tempos, dedicou-se ainda à música, quer como vocalista de bandas punk (ainda que pouco soubesse cantar), quer como letrista. Depois de ter concluído a licenciatura, em 1981, leccionou Filosofia no ensino secundário durante três anos e, pouco depois, tornou-se professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no qual permanece até hoje.
Tem-se dedicado, principalmente, ao estudo do pensamento português (as suas teses de mestrado e doutoramento versaram, respectivamente, sobre os seguintes temas: A Plenificação da História em Padre António Vieira - estudo sobre a ideia de “Quinto Império” na “Defesa perante o Tribunal do Santo Ofício” (1989) e Princípio e Manifestação no Pensamento Português Contemporâneo. Metafísica e Teologia da Origem em Teixeira de Pascoaes (2000)) e da filosofia das religiões, ao mesmo tempo que se tem debruçado sobre o romance, a tradução e a dramaturgia.
Actualmente, para além de ser presidente da Associação Agostinho da Silva e da União Budista Portuguesa, é também co-director da revista Nova Águia, no entanto, sobre si próprio diz que é “um punk romântico e saudoso, um terrorista espiritual, um fundamentalista (do) sem fundo, um radical sem raiz. Um deus demoníaco. Um iluminado ignorante. E tudo o mais. Todo o Mundo-Ninguém” (A cada instante estamos a tempo de nunca haver nascido, p. 99).

Apontamento Crítico
Apresentarmos um resumo geral da obra de Paulo Borges implica necessariamente termos em conta um conjunto de categorias que, nos últimos dois séculos, em Portugal, se tem realçado e manifestado frequentemente nas filosofias dos nossos autores, a saber, o saudosismo, o providencialismo, o ecumenismo e ainda a reflexão sobre o sentido da existência humana (que se distingue, todavia, de um existencialismo mais convencional, tão próprio de Vergílio Ferreira (1916-1996) ou de Eduardo Lourenço (1923)) e da religiosidade. Mas não só. Além dessas categorias, Paulo Borges tem versado outras, dando-lhe, na maioria dos casos, uma interpretação original própria de quem, como ele, se auto-define como “português e atlântico. Nómada da saudade. Por isso Portugal não me basta. Nem a terra. Nem o céu. Nem o universo. Nem Deus. Nem Nada” (A cada instante estamos a tempo de nunca haver nascido, p. 116). Entre elas, estão as noções de infinito, de Deus, de Nada, de Tudo, de Homem, de absoluto, de espírito, de ser, de não-ser, de criação, de mundo, de saudade, de Portugal, de política, de ética, de mística, de metafísica, de poesia, de filosofia, de amor, de desejo, de renúncia, de apego, de reencarnação, de vazio, de compaixão, de distância, de regresso, de tempo, de instante, de eternidade, de apocalipse, de princípio, de fim, de nascimento e de morte.
Numa das suas obras mais recentes, A cada instante estamos a tempo de nunca haver nascido (2008), grande parte dos seus interesses conceptuais, metafísicos, religiosos e éticos são tratados, ainda que aforisticamente, de um modo imediato, certeiro, decidido, sintetizando noções que estão esparsas e dispersas nos seus outros escritos ensaísticos. Deste modo, nesta sua obra aforística, Paulo Borges alude a um tempo (talvez não-tempo) primordial, infinito, antecessor da criação, no qual todos os seres já existiam plenamente e não eram senão outra coisa do que deuses (ou até o próprio Deus: “Somos Deus, o fundo sem fundo de tudo” (p.73)), princípio e fim, o Nada.
O que o nosso autor constata, nestes aforismos, é que com o advento da Criação (cisão absoluta), os homens sucumbiram ao desejo, ao apego e à cíclica roda da auto e hetero-destruição, esquecendo-se da sua condição essencial e da sua irmandade em relação a todos os outros seres e a todo o Universo. Em A cada instante estamos a tempo de nunca haver nascido, Paulo Borges relembra-nos que uma das soluções para a atenuação dessa falha é a auto-renúncia, é a vontade de libertação e infinitude, é o querer regressar ao tempo e ao instante antes do nascimento do Mundo, de nós próprios. Neste sentido, é uma obra tanto de cariz genesíaco como apocalíptico, na medida em que fala do princípio e do fim como vectores similares. No fundo, o nascimento e a morte são a mesma coisa.
Pode parecer que a maioria dos aforismos deste livro tem uma orientação budista, já que apela para categorias como renúncia, apego, desejo, libertação, reencarnação, vacuidade e até porque, algumas vezes, se refere explicitamente a Buda. Mas não cremos que necessariamente assim seja. A linha que norteia o eixo aforístico de Paulo Borges é apenas convencionalmente metafísica e mística, simultaneamente tão ocidental como oriental. Se menciona Buda e o Vazio, igualmente se refere a Deus e à Criação, ao Génesis e ao Apocalipse. A cada instante estamos a tempo de nunca haver nascido evoca um regresso ao proto-paraíso, ao tempo e ao lugar onde não há distinções e distanciações, onde tudo é a mesma coisa, ao fim e ao cabo, onde só há (e se é) Deus, onde só há (e se é) Nada.
Aquilo que tem reflectido, ao longo de mais de vinte anos, acerca de Portugal enquanto país messiânico e providencialista, é sintetizado, neste livro de aforismos, sob a seguinte forma: “O sentido de Portugal é ser para além de ser e dar exemplo disso: um messianismo da divina transfiguração” (p. 18). Significa isto, portanto, que o futuro de Portugal passa por se assumir como “pátria alternativa planetária” (p. 19), isto é, “despertar a consciência de ser mundo e não Europa, África, América e Oceânia; (...) especializada em pontes, diálogos, mediações, especializada no universal” (p. 19). Na sua concepção, Portugal dever-se-á cumprir no seio de uma união lusófona, como “espaço mundial de encontro de línguas e culturas na promoção de uma consciência inter e transcultural, holística e solidária” (p. 19). Deste modo, este entendimento é o resultado de uma consciencialização muito apurada que remonta aos finais do anos ’80. Nesta época, sobretudo num texto que publica, em 1989, na revista Leonardo – “Portugal: entre a nação e a pátria” –, Paulo Borges concebia já Portugal como “nação universo”. Mas se Portugal se deve pensar no seio da lusofonia, não se pode ignorar, de igual forma, os seus “arquétipos mítico-simbólicos do extremo-ocidente peninsular e finistérrico”, tal como escreve o nosso autor, em 1997, na revista V. Ou seja, as suas raízes enquanto país da Península, da Ibéria, da Finisterra Ocidental que lhe permitiram, em grande medida, erigir-se como país atlântico e universalista. De qualquer maneira, sem se esquecer os seus fundamentos, Portugal deverá equacionar-se enquanto país lusófono, no meio de todos os outros países lusófonos. Todavia, pelas características que desde há muito evidenciou (anseio de universalidade, de paz, de espiritualidade,...), poderá ter um papel importante na edificação da tão almejada constelação lusófona. Cremos que é nesse sentido que Paulo Borges antevê Portugal como “pátria alternativa planetária”.
Discípulo directo de Francisco da Gama Caeiro (1928-1994), de António Quadros (1923-1993) e de Agostinho da Silva (1906-1994), Paulo Alexandre Esteves Borges cedo começou por invocar os ideais do grupo da filosofia portuguesa (e, nesse sentido, acabou por se tornar um dos mais exímios representantes na sua geração) mas, mais tarde, haveria de ampliar o seu universo temático para lá daquele que é típico da filosofia portuguesa, enriquecendo, deste modo, a sua hermenêutica filosófica e a sua obra conceptual.

Bibliografia Indicativa
Trespasse (poesia), 1984
Capital (poesia), 1988
Ronda da Folia Adamantina (poesia), 1992
A Plenificação da História em Padre António Vieira - estudo sobre a ideia de “Quinto Império” na “Defesa perante o Tribunal do Santo Ofício”, 1995
Do Finistérreo Pensar, 2001
Pensamento Atlântico. Estudos e ensaios de pensamento luso-brasileiro, 2002
Tempos de Ser Deus. A Espiritualidade Ecuménica de Agostinho da Silva, 2006
Línguas de Fogo. Paixão, Morte e Iluminação de Agostinho da Silva (romance), 2006
Folia. Mistério de uma Noite de Pentecostes (teatro), 2007
A cada instante estamos a tempo de nunca haver nascido (aforismos), 2008
Princípio e Manifestação – Metafísica e Teologia da Origem em Teixeira de Pascoaes (2 vols.), 2008
Da Saudade como via de libertação, 2008
A Pedra, a Estátua e a Montanha – O V Império no Padre António Vieira, 2008

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Vidas Portuguesas: António José de Brito.

Brito (António José de) — Pensador e professor português (n. Porto, 22.11.1927). Aluno de Cabral de Moncada, concluiu licen­ciatura em Direito e o Curso Complementar de Ciências Jurídicas em Coimbra (1954), tendo sido, ainda estudante, chefe de redacção do quinzenário Mensagem (1946-1950) e colabo­rador do jornal A Nação. Nomeado secretário-geral da Universidade do Porto, continuou a desen­volver frequente actividade na crítica filosófica e na filosofia política, orientando cursos de Filosofia de Direito no Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Porto e colaborando em diversas publicações (Tempo Presente, Gil Vicente, Studium Generale, Nomos, Revista Portuguesa de Filosofia, etc.). Fundou e dirigiu o semanário portuense Praça Nova (1961), colaborou em obras colectivas, como a Enci­clopédia Logos, tendo integrado (1962 e 1963) a delegação portuguesa aos I e II Encontros Romanos de Cultura. Doutorou-se em Filosofia (1979) na Universidade de Montpellier com uma tese sobre o ponto de partida do conhecimento filosófico. Professor catedrático da Universidade Portu­calense e professor associado com agregação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, depois de ter prestado provas públicas e ser aprovado por unanimidade (1987). Em 1993 ficou em 1.° lugar no concurso para professor associado da mesma Faculdade, tomando posse em 30 de Junho do mesmo ano. Exegeta do nacionalismo e do nacionalismo português em especial (deu nova interpretação ao «Integralismo Lusitano», suscitando polémica com os integralistas históri­cos), a axiologia política do pensador, baseada numa ética fundamental objectiva, envolve um totalitarismo comunitário, condicionante da rea­lidade da pessoa, que não existe fora da comu­nidade. Este pensamento é corolário para as exigências dialécticas da sua filosofia, que, in­fluenciada pelo hegelianismo idealista ao modo de G. Gentile, toma como ponto de partida a ideia de insuperável: a síntese apriorística de onde todo o conhecimento se desenvolve, em sucessivas distinções, que incluem os contrários e os contraditórios, logicamente necessários uns aos outros. O insuperável é a primeira ideia, garante do discurso lógico e dialéctico.

PINHARANDA GOMES, in Enciclopédia Verbo.

Nota: No início de 2009, publicar-se-á, na colecção NOVA ÁGUIA, um volume de estudos sobre o pensamento filosófico de António José de Brito ("Harmonias e Dissonâncias").

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Vidas Portuguesas: António Sérgio (1883-1969) 125 Anos



“(...) o que eu peço todos os dias aos meus mais jovens compatriotas, não é que abandonem as suas ‘ideias’ (os seus credos, partidos, fés): é, sim, que busquem ser inteligentemente (civilizadamente, europeiamente) aquilo mesmo que dizem ser. § Sei (ou julgo sabê-lo) como se barbarizou esta Nação, e que haveria a fazer para a tirar de bárbara; e repito que a reforma mais importante – condição preliminar de todas as outras – é sempre A REFORMA DA MENTALIDADE; e que a disciplina mais necessária para termos a ordem a que todos visamos, não é a disciplina que provém da espada, da ditadura, da realeza ou da polícia, - mas a ordem, a honestidade e a disciplina intelectuais”.
António Sérgio, Explicações ao Ex.mo Sr. Professor Martinho Nobre de Melo sobre as Doutrinas Morais dos meus Ensaios

“Numerosas pessoas que nestes últimos tempos se têm dado a repetir a minha divisa: ‘reforma da mentalidade’, lhe atribuem um significado não só diverso, mas até contrário, ao que por essas palavras eu tentei exprimir. O que elas chamam ‘reforma da mentalidade’ é uma substituição no conteúdo das convicções; é deixar de acreditar em certos dogmas políticos para acreditar nos dogmas que lhe são opostos. Ora, o que eu quis significar por aquela máxima não é uma modificação no conteúdo das crenças, e sim na forma do pensamento dos homens, isto é, a passagem da mentalidade catecismal e dogmática (que se encontra igualmente nos dois campos opostos, entre homens da direita e entre homens da esquerda, entre vermelhos e azuis) para a atitude de espírito indagadora e crítica, - para a do livre exame, para a da correcção incessante, para a da discussão aberta, para a da investigação contínua”.
António Sérgio, Introdução Geográfica-Sociológica à História de Portugal



Apontamento Biográfico
António Sérgio de Sousa Júnior, mais conhecido como António Sérgio, nasceu na cidade de Damão, na antiga Índia portuguesa, no dia 3 de Setembro de 1883.
Descendente de uma linhagem de oficiais da Marinha, passará a infância na Índia e no Congo devido às funções de Governador que o seu pai exercia nesses lugares. Só no fim da sua meninice é que se fixa em Lisboa. Nesta cidade, estuda no Colégio Militar, na antiga Escola Politécnica e, devido à influência que a vocação familiar exerce na sua vida, envereda, tal como o seu pai e os seus avós, pela carreira de Oficial da Marinha. Deste modo, entre os anos de 1903 e 1904, frequenta a Escola Naval. É lá, curiosamente, que conhece Leonardo Coimbra (1883-1936) – do qual foi professor de remo. No entanto, logo depois da Implantação da República, António Sérgio abandona a carreira militar e passa a dedicar-se a um trabalho de cariz mais intelectual e, por vezes, itinerante.
Assim, em 1912, depois de passar por Londres, viaja para o Rio de Janeiro, cidade na qual vive por cerca de um ano. Para além de se dedicar aos seus estudos e aos seus trabalhos, ajuda também no negócio do pai da sua mulher – Luísa Estefânia Gershey da Silva (1879-1960) –, com a qual se tinha casado há pouco tempo. No início de 1914, deixa a cidade brasileira e ruma para o continente europeu: detém-se por alguns meses em Nice e Genebra. Voltará a esta última, entre 1915/1916, para frequentar a Escola de Educação do Instituto Jean-Jacques Rousseau. Regressa a Lisboa mas, em 1919, volta novamente ao Rio de Janeiro, onde se demora por mais de dois anos.
Em 1922, depois de deixar a América do Sul, passa por Paris, pela Suiça (onde se cura de uma crise psíquica ganha à custa de muito trabalho e do excessivo calor que o atormentava na cidade do Rio) e pela Alemanha. Em 1923, já plenamente assentado em Lisboa, começa a dedicar-se à Seara Nova (revista que havia sido criada em 1921 e, para a qual, desde o seu início, Raul Proença (1884-1941) o havia convidado para colaborar). O ideólogo dos Ensaios nela permanecerá até 1939, afastando-se apenas porque não concordava com a administração danosa de Luís da Câmara Reys (1885-1961). No fim do ano de 1923, e por curtíssimo tempo, exercerá funções de Ministro da Instrução.
Perseguido pela Ditadura Militar, António Sérgio vê-se obrigado a exilar-se, em França, durante seis anos. Em 1926, depois de uma curta estada em Madrid, fixa-se em Paris. Só regressará a Lisboa em 1933, depois de um período como leitorado na Universidade de Santiago de Compostela. Voltará ao exílio madrileno entre 1935 e 1936.
A partir desta altura, e, em certa medida, como já vinha a acontecer desde a sua demissão da Marinha, António Sérgio terá sempre uma vida finaceira um pouco periclitante. Eram as edições e as organizações de livros, as traduções, o trabalho na Paramount, e algumas aulas que dava, que lhe permitiam viver e dedicar-se à sua obra intelectual. Uma obra imensa que, ainda hoje, só uma parte é que está disponível ao grande público.
Depois da morte da mulher (verdadeiro baluarte da sua vida), em 1960, António Sérgio sofrerá grandes depressões e não produzirá muito mais, acabando por falecer, em Lisboa, no dia 24 de Janeiro de 1969, com 85 anos.

Apontamento Crítico
Os críticos mais efusivos e os discípulos mais dilectos de António Sérgio já caracterizaram a sua figura, a sua vida e a sua obra das maneiras mais variadas possíveis. De filósofo a historiador, de pedagogo a político, de polemista a racionalista inveterado, de matemático a economista, de poeta a tradutor. Cremos, contudo, que os epítetos de filósofo e ensaísta são os que melhor lhe assentam.
Embora se interesse pela Filosofia, já no fim da adolescência, quando lê pela primeira vez a Ética de Espinosa, a sua vida intelectual ficará incontornavelmente ligada ao ensaio filosófico. É por meio dele, através do seu método e da sua linguagem, que Sérgio se exprimirá quase sempre, mesmo quando trata de literatura ou de história, por exemplo. O seu viés platónico, espinosista e neo-kantiano acaba por estar presente em praticamente tudo aquilo que escreve.
Racionalista convicto, chega até a dizer que, se antes dele, não tivessem existido racionalistas, ele seria o primeiro, António Sérgio questiona a inexistência de um cariz estritamente filosófico e racionalista nos pensadores portugueses, na sua generalidade, e propõe uma reforma da mentalidade portuguesa. Se, a posteriori, tal transformação é de natureza cultural, educativa, política e social, a priori, ela é de natureza filosófica. Para o autor dos Ensaios, à semelhança de Platão, a Filosofia é a base da sociedade. Ora, é por este motivo que se empenha numa reestruturação das mentalidades dos portugueses, e, de igual modo, que critica o posicionamento intelectual que os saudosistas propunham. Ora, é na altura da fundação do movimento da Renascença Portuguesa, portanto, que António Sérgio polemiza com Joaquim Teixeira de Pascoaes (1877-1952) e com todos aqueles que se insurgem a favor de um neo-lusismo. O ensaísta, por sua vez, propõe um racionalismo crítico (e místico), uma ideia de progresso, uma evolução da ciência que, na sua concepção, não era compatível com os ideais que o saudosismo defendia. Nesta perspectiva, aproveita ainda para questionar os contornos que a História de Portugal acabou por assumir ao longo do tempo, sobretudo a decadência em que o país mergulhou depois de Alcácer-Quibir e a relevância que os movimentos sebastianistas assumiram na construção do estado psicológico do país. Segundo aquilo que pensa, um país que se pretende novo, progressista, futurista, científico e filosófico, não pode relevar os erros do passado nem pode carpir mágoas e saudades. Deve, antes, olhar para o Futuro. Para tal, é necessário preparar-se o presente e valorizar-se, em certa medida, aquilo que de melhor Portugal foi e produziu durante o seu período medieval.
Quando se fala do racionalismo crítico que está subjacente a toda a obra sergiana, dever-se-á ter em conta um conjunto de noções que, em alguma medida, o sustentam e promovem: a saber, cultura, espírito, liberdade e cristianismo ético. Sem estes conceitos, não se consegue compreender a verdadeira dimensão da proposta crítica que António Sérgio faz durante quase cinquenta anos e que, muitas vezes, tem sido interpretada erroneamente: ou porque lhe é atribuído um racionalismo puro, sem contactos ou mediações com outras interpretações gnosiológicas (esquecendo-se que o racionalismo sergiano também é místico e se integra num humanismo integral); ou porque se sobrevaloriza a sua vertente polemista em detrimento da sua vertente filosófica. Se, de facto, a polémica é um matiz, relativamente forte da sua obra e até da sua personalidade (em certa carta escrita ao seu amigo José Régio (1901-1969), Sérgio afirma que a polémica se tornou numa maneira de ser da sua própria vida espiritual porque nasceu com uma conformação intelectual contrária à moda do seu tempo), não se deverá permitir que ele camufle tudo o resto. E a divulgação e a compreensão da obra de António Sérgio, mais do que a de Raul Proença (que também foi um polemista, por exemplo), sofreu preconceitos que ainda hoje duram porque a sua veia polemicante se destacou.
Numa altura em que se passam 125 anos do nascimento de António Sérgio convém relembrar que, mais do que um cruzado da Razão, como lhe chamou Eduardo Lourenço (1923), e do que um detractor do pensamento lusíada, como o definiram (e definem ainda hoje!) os seus inimigos intelectuais, o ilustre seareiro foi um dos homens que, na primeira metade do século XX, mais se empenhou em reformular o modo de pensar da sociedade portuguesa.

Bibliografia Indicativa
Rimas (1908)
Notas sobre os Sonetos e as Tendências Gerais da Filosofia de Antero de Quental (1909)
Da Natureza da Afecção (1913)
Educação Cívica (1915)
Ensaios I (1920)
O Desejado. Depoimentos de contemporâneos de D. Sebastião sobre este mesmo rei e sua jornada de África (1924)
Sobre a Política de Camões (1924)
Tréplica a Carlos Malheiro Dias Sobre a Questão do Desejado (1925)
Ensaios II (1929)
História de Portugal (1929)
Método Científico, História, Política e Tradição (1929)
Ensaios III (1932)
Diálogos de Doutrina Democrática (1933)
Democracia (1934)
Cartas despretenciosas a um anti-intelectualista bergsoniano (1934)
Esclarecimentos e interrogações de um idealista (1934)
Ensaios IV (1934)
Ensaios V (1936)
Cartesianismo ideal e cartesianismo real (1937)
Um problema anteriano (1943)
Ensaios VI (1946)
Alocução aos Socialistas (1947)
Confissões de um cooperativista (1948)
Cartas de Problemática dirigidas a um grupo de jovens amigos, alunas e alunos da Faculdade de Ciências (1952-1955)
Cartas do Terceiro Homem (1953-1957)
Ensaios VII (1954)
Ensaios VIII (1958)
Correspondência para Raul Proença (1987)
Correspondência para Castelo Branco Chaves (1989)
Correspondência para José Régio (1933-1958) (1994)

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Vidas Portuguesas: António Braz Teixeira (1936)



“Para a generalidade dos intérpretes, exegetas ou hermeneutas do pensamento português dos dois últimos séculos constitui clara e indisputada evidência que o problema ou interrogação em torno do qual aquele se desenvolve é o respeitante à ideia de Deus, no qual se encontra indissociavelmente implicada a essencial ou crucial relação entre razão e fé, pensamento e crença, filosofia e religião, em regra considerada, analisada ou discutida no horizonte do cristianismo e seus dogmas, quando não também, através da decisiva importância atribuída ao problema ou mistério do mal, da ética que deles decorre”.
António Braz Teixeira, Ética, Filosofia e Religião. Estudos sobre o Pensamento Português, Galego e Brasileiro

Apontamento Biográfico
António Manuel de Assunção Braz Teixeira nasceu, em Lisboa, no dia 21 de Julho de 1936. Faz hoje 72 anos.
Licenciou-se em Direito pela Universidade de Lisboa, em 1958, e desempenhou ainda funções de assistente na mesma instituição entre os anos de 1977 a 1991.Contudo, começou a sua carreira profissional como Técnico da Inspecção Superior do Plano de Fomento (1959-1961). Desde aí tem-se dedicado quase sempre a cargos administrativos, tais como Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (1980-1981), Secretário de Estado da Cultura (1981), Director do Teatro Nacional D. Maria II (1982-1985), Vice-Presidente do Conselho de Gerência da RTP (1985-1992) e Presidente do Conselho de Administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda (1992-2008). Durante todos esses anos, e muitas vezes em paralelo, foi professor na Universidade Autónoma, na Universidade Internacional, na Universidade de Évora e na Universidade Lusófona. Dirigiu, entre 1986 e 1989, a revista Nomos – Revista Portuguesa de Filosofia do Direito e do Estado.
Além de todas estas funções, António Braz Teixeira é ainda membro efectivo da Academia das Ciências de Lisboa, sócio-fundador do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, sócio honorário da Academia Portuguesa da História, membro correspondente da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Filosofia,...
Acima de todos os outros interesses que, ao longo da sua vida profissional e intelectual, lhe foram naturalmente surgindo, tem-se dedicado, com ênfase maior, ao estudo da Filosofia do Direito e do pensamento português dos séculos XIX e XX.

Apontamento Crítico
Se António Braz Teixeira, pelo simples motivo de se ter formado em Direito, começou muito cedo a interessar-se pelas questões jurídicas e pela Filosofia do Direito (primeiro a portuguesa e depois a brasileira), também é verdade que a história da cultura portuguesa desde sempre o motivou. Membro do grupo da Filosofia Portuguesa e discípulo do seu fundador - Álvaro Ribeiro (1905-1981) -, Braz Teixeira reflecte sobre as questões que animaram (e animam) os filósofos e os literatos portugueses (sobretudo os dos últimos dois séculos) há muito tempo. Mas não só. A obra deste autor constitui-se ela própria como projecto cultural. Afinal, os dois propósitos que orientam a sua especulação (mas também a sua acção) prendem-se, em primeiro lugar, com a discussão da originalidade / especificidade do pensamento filosófico português e, em segundo lugar, com a reflexão acerca das relações entre Portugal e o Brasil no que diz respeito às concepções jurídicas e filosóficas.
Dizemos que se trata de um projecto pela simples razão de que, inspirado pelos postulados do seu mestre Álvaro Ribeiro e dos seus amigos António Quadros (1923-1993) e Afonso Botelho (1919-1996), António Braz Teixeira tem estudado a evolução do pensamento português, ao longo dos séculos, com o objectivo de compreender o viés que ele acabou por assumir com mais veemência. Neste sentido, preocupou-se em analisar as correntes filosóficas que dominavam na Europa e os ecos que delas chegavam a Portugal, com o intuito de traçar os perfis filosóficos dominantes no país. É, pois, um projecto porque, no fim de contas, visa uma historiografia das ideias. Deste modo, Braz Teixeira chega à conclusão de que a proposta criacionista de Leonardo Coimbra (1883-1936), por mais que, antes dele, a obra de Sampaio Bruno (1857-1915) seja inovadora e inquietante, inicia um novo ciclo no pensamento filosófico em Portugal e contribuirá para o adensamento do tal viés que acima mencionámos. Historiografia das ideias é também o trabalho que tem vindo a desenvolver no âmbito dos seus estudos dos pensadores brasileiros. Ainda assim, tem tentado estabelecer relações, nesse domínio, entre Portugal e Brasil, sugerindo um conceito de Razão Atlântica.
António Braz Teixeira discute ainda a especificidade do pensamento português num contexto de uma filosofia da saudade. Ou seja, para o autor, desde há muito, que portugueses e galegos se deixam fascinar pela saudade enquanto sentimento e sentido de uma origem primordial, detendo-se antropológica e ontologicamente sobre ela. Nesse sentido, para além de se ater à apreciação historiográfica do conceito de saudade, em Portugal e na Galiza, e àquilo que os autores sobre ela pensaram, questiona, de igual modo, a intransigência de muitos em lhe negarem um estatuto ontológico. A bem da verdade, se é possível concedê-lo à angústia, ao amor, ao desespero, à esperança e ao sentimento trágico, como fazem muitos dos grandes pensadores europeus, porque não reconhecê-lo à saudade? É tendo esta interrogação em mente, mas não valorizando-a em demasia, já que, em si, a saudade tem uma subsistência metafísica e ontológica incontestável, que Braz Teixeira problematiza a reflexão sobre o sentimento saudoso em Portugal. Contudo, o autor vai mais longe, no seu livro mais recente sobre tal temática - A Filosofia da Saudade (2006) -, não se limita a analisar a expressão da saudade na finisterra ibérica, apresenta ainda estudos sobre a acentuação que ganhou no Brasil (especificamente em Miguel Reale (1910-2006)), na poesia angolana e no pensamento de Ortega y Gasset (1883-1955). Ora, tais reflexões não deixam de ser uma novidade no contexto actual dos estudos sobre a saudade, em Portugal e no Brasil.

Bibliografia Indicativa
A Guerra Justa em Portugal (1955)
A Filosofia Jurídica Portuguesa Actual (1959)
O Pensamento Filosófico-Jurídico Português (1983)
Filosofia da Saudade (org. com Afonso Botelho, 1986)
Caminhos e Figuras da Filosofia do Direito Luso-Brasileiro (1991)
Deus, o Mal e a Saudade: Estudos Sobre o Pensamento Português e Luso-Brasileiro Contemporâneo (1993)
O Pensamento Filosófico de Gonçalves de Magalhães (1994)
Espelho da Razão: Estudos Sobre o Pensamento Filosófico Brasileiro (1997)
Ética, Filosofia e Religião. Estudos sobre o Pensamento Português, Galego e Brasileiro (1997)
Formas e Percursos da Razão Atlântica. Estudos de Filosofia Luso-Brasileira (2001)
História da Filosofia do Direito Portuguesa (2005)
A Filosofia da Saudade (2006)
Diálogos e Perfis (2006)
Conceito e Formas de Democracia em Portugal e Outros Estudos de Historia das Ideias (2008)

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Vidas Portuguesas: Jesué Pinharanda Gomes (1939)


“A cultura estabelecida parece minorar a filosofia. Ainda bem. Importa que a filosofia viva à margem. Dentro do “establishment”, a filosofia corre o risco de morrer asfixiada. Em derradeira instância, os filósofos precisam da filosofia, mas a filosofia passa muito bem sem os filósofos e, melhor ainda, sem os professores dela”.
Pinharanda Gomes, in Expresso, Janeiro de 2004

Apontamento Biográfico
Jesué Pinharanda Gomes nasceu em Quadrazais, concelho do Sabugal, no dia 16 de Julho de 1939. Faz hoje 69 anos.
Cresceu na cidade da Guarda e aí estudou na Escola dos Gaiatos e no Colégio de São José. Ainda na adolescência, conjuntamente com outros colegas, criou, no semanário Correio da Beira, a página “Voz dos Novos”. Por essa altura passou também a produzir programas na Rádio Altitude. Uns tempos depois, muda-se para Lisboa e, apesar de passar por dificuldades de vária ordem, com a ajuda de algumas pessoas, acabou por escrever no Diário de Notícias e n’O Debate. Uma vez em Lisboa, frequenta, no Liceu Francês, aulas de grego e de latim e, autodidactamente, dedica-se ao estudo da filosofia clássica, em particular, e da história da filosofia, em geral. O seu lugar de estudo passa a ser, então, a Biblioteca Nacional (hábito que ainda hoje preserva). Nela pesquisará não só filosofia e religião mas também história, antropologia, literatura, línguas, arte, pensamento português,... Nas tertúlias e nos cafés lisboetas, ao lado de outros discípulos de Leonardo Coimbra (1883-1936) e de Álvaro Ribeiro (1901-1981), Pinharanda Gomes inicia-se filosoficamente, longe das sebentas e da Academia.
Membro da Academia Luso-Brasileira de Filosofia, do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira (do qual é sócio-fundador) e da Sociedade de Língua Portuguesa, Pinharanda Gomes é autor de uma vastíssima obra. Ainda assim, continua a definir-se enquanto “mendigo a bater à porta da sabedoria”.

Apontamento Crítico
De Jesué Pinharanda Gomes podemos dizer que, para além de ensaísta, tradutor, crítico, pesquisador da cultura portuguesa, é, acima de tudo, um amante da sabedoria e um mestre. Um mestre no sentido clássico e socrático do termo. Interessa-lhe, portanto, o diálogo, a conversa e a troca de saberes e experiências. Uma postura altiva e unilateral não combina com a concepção que defende da Filosofia enquanto ascese espiritual, nem com o seu modo de se relacionar com as pessoas.
Se apresentarmos uma panorâmica geral da obra de Pinharanda Gomes, chegamos à conclusão de que o autor balança entre duas doutrinas fundamentais da história da Filosofia: o idealismo platónico e o formalismo aristotélico. Se calhar, mais do que balançar, o nosso pensador tende a reunir essas duas propostas. Essa tendência é, ao fim e ao cabo, muito natural. Em primeiro, porque Pinharanda Gomes se interessou muito cedo pelas filosofias de Platão e de Aristóteles. Em segundo, porque elas eram profundamente revitalizadas nas obras de dois dos seus principais mestres: José Marinho (1904-1975) e Álvaro Ribeiro. Se é possível considerarmos Pinharanda um dos herdeiros da escola formal alvarina, por outro lado, não podemos ignorar a sua forte veia platónica, a sua densa intuição socrática. Igualmente, a herança católica e cristã é também uma presença incontestável na formação do seu corpus filosófico e crítico. Senão bastasse a sua crença num catolicismo redentor, enunciaríamos ainda os inúmeros artigos que dedicou às doutrinas de Cristo e da Igreja e o seu real interesse por Santo Agostinho (354-430) e por Teresa de Ávila (1515-1582), por exemplo.
Enquanto pesquisador da cultura portuguesa, enquanto discípulo de Pascoaes (1877-1952), de Coimbra e de Ribeiro, Jesué Pinharanda Gomes não poderia deixar de ser um saudosista, não poderia deixar de reflectir acerca da Saudade. O autor revela, deste modo, que o Homem, enquanto ser caído, sente saudades de Deus, ou seja, a partir do momento em que houve a expulsão do Paraíso, o Homem entrou em queda e nunca mais conseguiu reconquistar a imagem e a semelhança que partilhava com o criador. A queda, todavia, continua em descida vertiginosa, não estagnou na descensão simbólica de Adão e Eva. Até porque não existe apenas um pecado original, existe também um pecado actual, vivido pelos homens no seu dia-a-dia. Contudo, Pinharanda Gomes acredita na regeneração humana, crê, bem ao modo das teses defendidas pelos membros do grupo da Filosofia Portuguesa, que ainda é possível reencontrar-se o paradigma inicial.

Bibliografia Indicativa
Exercício da Morte (1964)
Peregrinação do Absoluto (1965)
Liberdade de Pensamento e Autonomia de Portugal (1971)
O Pensamento Filosófico de Silvestre de Morais (1972)
Teoria do Pão e da Palavra (1973)
Filosofia Grega Pré-Socrática (compilação e tradução) (1973)
Pensamento e Movimento: Prolegómenos a uma Ascese Filosófica (1974)
Cunha Seixas (1975)
Teodiceia Portuguesa Contemporânea (1975)
Pensamento Português (1979)
História da Filosofia Portuguesa, 3 vols. (1981-1983-1991)
Caminhos Portugueses de Teresa de Ávila (1983)
A Teologia de Leonardo Coimbra (1985)
Dedução Cronológica ao Início do Tomismo em Portugal (1986)
Piedade Eclesial, Piedade Popular (1986)
Dicionário de Filosofia Portuguesa (1987)
A Guarda Ilustrada: Breve panorama dos escritores do distrito da Guarda (1988)
Os Tojais e a Casa do Gaiato: Monografia Histórica (1990)
Os Conimbricenses (1992)
Entre Filosofia e Teologia (1992)
A Cidade Nova. Reflexões sobre Religião e Sociedade (1999)
Meditações lusíadas (2001)
A Escola Portuense: Uma introdução histórico-filosófica (2005)

terça-feira, 15 de julho de 2008

Um português chamado António Vieira: Introdução

Com este texto inauguramos uma série de curtos artigos sobre esse grande vulto da língua e cultura portuguesa que foi o padre António Vieira e é o nosso muito modesto contributo para as comemorações do “Ano Vieirino” que agora decorrem em vários locais e instituições do país.

Como nota introdutório adicional… Este textos foram convertidos para a nova grafia do Acordo Ortográfico de 1990 pelo programa Acordium… Ver AQUI.

Estes textos foram escritos tendo várias fontes, mas sobre os dois livros absolutamente essenciais sobre Vieira que são:

J. Lúcio de Azevedo, “História de António Vieira – Primeiro Período, o Religioso”

António Lopes SJ, “Vieira o Encoberto”, Principia

Introdução

O Padre António Vieira representa - como outros grandes vultos da portugalidade – aquilo que melhor caracteriza os portugueses: mestiçagem, sangue judeu e… emigrante, de Portugal para o Brasil já que o pai de Vieira, Cristóvão Ravasco era escrivão “das devassas dos pecados públicos da cidade de Lisboa”, profissão que exerceu até 1609, ano em que embarcou para o Brasil, tendo regressado em 1614 para levar a sua mulher e o filho António Vieira, então com apenas seis anos para a Baía. Mais tarde, Vieira embarcaria de volta para o Reino, na missão que o Brasil enviaria a Lisboa para saudar o novo rei Dom João IV, o qual, pouco depois haveria de enviar o padre pela Europa fora em busca da defesa dos interesses de Portugal em missões diplomáticas ou em missões mais ou menos secretas.

António Vieira enquadrava em si mesmo o próprio espírito da mestiçagem que embora muitos acreditem ter sido inventado por Afonso de Albuquerque em Goa, existia de facto desde há muito, gravado bem fundo nas matrizes daquilo que haveria ainda de dar origem a “Portugal”, algures entre o momento em que o primeiro celta misturou o seu sangue com os cónios do sul e com os turdulos do centro. Com efeito, como tantos portugueses de hoje e de ontem, Vieira era um mestiço.

Efectivamente, o pai de António Vieira, Cristóvão Vieira Ravasco, nascido em Moura, no Alentejo, tinha tido por mãe uma mulher “de cor”, isto é, alguém que não era de origem europeia (caucasiana) e que podendo ter sido uma índia ou moura, seria, mais provavelmente uma africana ou descendente directa de africanos. Na época – finais do século XVI – havia muitos escravos africanos trabalhando nas herdades alentejanas e quase nenhuns índios (os quais aliás, nem mesmo no Brasil se conseguiam adaptar às lides agrícolas) e os últimos mouros já tinham sido absorvidos na população alentejana. Restam assim os africanos que desde que as primeiras caravelas henriquinas tinham feito as primeiras capturas nas costas a sul de Marrocos estavam a povoar em números crescentes os campos do sul de Portugal.

Esta herança africana é aliás bem patente no mais fiel retrato do jesuíta, o retrato de gravura, feito algures em Roma, a partir do seu próprio cadáver, antes de inumado, como relata o cronista André de Barros.

Alguém já escreveu que em todo o português corria alguma parte de sangue judio, sendo a sua mãe - Maria de Azevedo - a hipotética fonte desse sangue que os seus adversários no Maranhão lhe encontravam (o “baptizado em pé” mencionado por Lúcio de Azevedo). Mais tarde, a Inquisição quando o teve preso nas suas garras, recordaria essas acusações feitas décadas antes no Brasil e as mesmas suspeitas estiveram na base do fundamento para a rejeição da admissão do seu irmão Bernardo Vieira Ravasco na Ordem de Cristo em 1663.

OS D’«A ÁGUIA» – ANTÓNIO PATRÍCIO



SAUDADE DO TEU CORPO

Tenho saudades do teu corpo: ouviste
correr-te toda a carne e toda a alma
o meu desejo – como um anjo triste
que enlaça nuvens pela noite calma?…

Anda a saudade do teu corpo (sentes?…)
sempre comigo: deita-se ao meu lado,
dizendo e redizendo que não mentes
quando me escreves: «vem, meu todo amado…»

É o teu corpo em sombra esta saudade…
Beijo-lhe as mãos, os pés, os seios-sombra:
a luz do seu olhar é escuridade…

Fecho os olhos ao sol p'ra estar contigo.
É de noite este corpo que me assombra…
Vês?! A saudade é um escultor antigo.


António Patrício
.In
«A Águia», Nº 10, 1ª série, Porto, 1911



A baía de Hong Kong (1939), Ferreira de Castro & Elena Muriel, in A Volta ao Mundo, Empresa Nacional de Publicidade, Lisboa, 1939



PEQUENA NOTA BIOGRÁFICA
ANTÓNIO PATRÍCIO nasceu na cidade do Porto a 7 de Março de 1878 e faleceu em Macau a 4 de Junho de 1930. Na cidade invicta cursou três anos de Matemática, tendo depois frequentado a Escola Naval em Lisboa, mas acabou por regressar ao Porto, onde concluiu licenciatura na Escola Médica em 1908. A conselho de Guerra Junqueiro, seu grande amigo, acaba por optar pela carreira diplomática, que exerce até à morte, muito prestigiando Portugal, com o seu zelo, fidelidade, inteligência, educação e cultura. Representou Portugal em Cantão, Manaus, Brema (onde ficou em prisão domiciliária três anos durante a I Grande Guerra), Atenas, Istambul, Caracas, Londres, tendo ainda desempenhado missão secreta na Corunha, relacionada com as incursões monárquicas de Paiva Couceiro, que ameaçavam a jovem República. Chegou a Ministro Plenipotenciário e, ao deslocar-se para Pequim, sua última nomeação, em 1930, faleceu a caminho do seu destino, durante a sua estadia em Macau.
Homem cordato, não o podemos igualar ao «embaraço» chamado Fernando Pessoa, mas é também uma singularidade, pela sua poética liberta dos códigos do Romantismo tardio comuns no panorama dos colaboradores d’«A Águia»: reinventa as técnicas do Simbolismo numa fala pessoal, bem como, ao longo da sua obra, incorpora diversas influência modernas, pelo contacto com a cultura europeia de vanguarda, e atmosferas icónicas e paisagísticas de várias paragens, do Norte da Europa ao Brasil e à Ásia, deambulação existencial que lhe foi proporcionada pela sua carreira de diplomata. O gosto pelo Decadentismo, pelo Ultra-romantismo e pelos processos narrativos e poéticos do Gótico literário do século XVIII são recorrentes na sua obra, fundidos numa contemporaneidade repleta de símbolos da morte, do amor e da melancolia. Um dos grandes poetas e dramaturgos Portugueses do século XX, injustamente quase esquecido.

OBRA
Poesia: Oceano (1905), – postumamente – Poesias (1942), Poesias Completas (1980).
Teatro: O Fim (1909), Pedro, o Cru (1913), Dinis e Isabel (1919), D. João e a Máscara (1924).
Ficção: Serão Inquieto, contos (1910).
Colaboração dispersa: «A Águia», «Atlântida», «Límia», «Gente Lusa» e outros.
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Klatuu Niktos

Vidas Portuguesas: António Quadros (1923-1993)


“Se a Nação é a comunidade natural dos nascidos ou oriundos do mesmo território e se o Estado é a expressão política desta comunidade natural, ainda precária, a Pátria é a relação viva, profunda, substancial de um povo, não só com uma tradição contínua, transmitida de pais para filhos e articulada por laços culturais, políticos e jurídicos, mas também com um projecto teleológico original. § Por outras palavras, a Pátria, até etimologicamente, não é só a relação de cada um com a terra em que nasceu, é mais do que isso, é a relação com a terra dos Pais, com a comunidade dos antepassados, é uma vinculação antes humana e familiar do que telúrica ou territorial, implicando, por isso mesmo, desde que assumido dinamicamente o conceito, a prospectividade de um movimento para o futuro. Terra dos Pais, é necessariamente também a Terra dos Filhos e dos Irmãos. E, nesta transmissão amplificante, desenvolve-se um espírito personalizado, um projecto, uma teleologia nacional”.
António Quadros, Portugal – Razão e Mistério, Livro II

Apontamento Biográfico
António Gabriel de Quadros Ferro nasceu na cidade de Lisboa no dia 14 de Julho de 1923. Se fosse vivo faria 85 anos.
Filho dos escritores António Ferro (1895-1956) e Fernanda de Castro (1900-1994), António Quadros licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e dedicou-se, durante toda a sua vida, à filosofia, à literatura e à arte de uma forma geral. Por esse motivo, fundou, entre outras instituições, a Associação Portuguesa de Escritores e o Instituto de Arte, Decoração e Design (IADE). Na sua actividade profissional fundou e dirigiu alguns dos periódicos mais importantes do seu tempo, a saber, Acto, 57 e Espiral.
Discípulo de Álvaro Ribeiro (1905-1981), foi um dos membros mais activos do grupo da Filosofia Portuguesa.
Morreu no dia 21 de Março de 1993, com apenas 69 anos.

Apontamento Crítico
A filosofia da cultura portuguesa que António Quadros defende está associada ao projecto áureo e universal destinado aos portugueses, cujos pressupostos se baseiam na paideia dionisíaca, essencialmente no Culto do Espírito Santo. Esta apologia propõe uma visão ecuménica para o cristianismo e para o catolicismo. O autor crê que, num tempo futuro, todas as grandes religiões se fundirão entre si por meio da Nova Aliança e estabelecerão uma nova Era - a do Espírito Santo. Tal Idade promover-se-á em direcção a um movimento universal e ecuménico e realizará a Profecia que está revelada no Apocalipse de São João: o re-estabelecimento da Nova Jerusalém. Este Tempo ou Idade do Espírito Santo que o autor propõe é inspirado na hermenêutica joaquimita das Três Idades que Jaime Cortesão (1884-1960) e Agostinho da Silva (1906-1994) discutem nas suas obras. Deste modo, à semelhança destes dois autores, António Quadros apresenta uma leitura muito mais fiel àquela que foi veiculada pela tradição do franciscanismo espiritual do que à interpretação deixada pelo próprio Joaquim de Fiore. Tal reflexão conduzirá Quadros a um questionamento acerca da ideia de Deus e da ideia de Pátria.
O pensamento de António Quadros acerca de Deus poder-se-á enquadrar, de um ponto de vista estrito, no seio daquilo que se convencionou chamar movimento da filosofia portuguesa e, genericamente, no contexto da tradição cristã e agostiniana que, desde Paulo Orósio (385-420), vigora em Portugal. Tal reflexão desenvolve-se, portanto, no enquadramento de um conjunto de postulados que são caros aos pensadores da filosofia portuguesa. O que António Quadros parece defender é que, à semelhança do povo de Israel, Portugal é também um povo eleito por Deus. Embora todas as nações, em si, sejam, plurais, diversas e diferentes, parece que Portugal é mais plural, mais diversa e mais diferente do que todas as outras. E só o é porque Deus assim o quis, porque a ele confiou um projecto maior, a saber, purificar a razão humana por meio do Espírito Santo. Independentemente de os portugueses terem sido eleitos por Deus ou, como preferia Agostinho da Silva, se terem auto-eleito para a edificação de uma empresa universal, o que importa realçar é a característica dessa demanda. Quadros sintetiza-a, à maneira camoneana e pessoana, enquanto epopeia de Deus através do homem português, como aventura de Deus na terra.
Todos os aspectos que António Quadros trata na sua obra relativamente à ideia de Deus e à noção de Pátria estão intimamente relacionados com a crítica que, desde o século XVII, se faz a uma suposta estrutura psicológica e cultural do ser português e que ganhou mais evidência através do polemismo que António Sérgio (1883-1969) lhe empregou. Desta forma, a análise da polémica que António Sérgio erige em torno do sebastianismo torna-se fundamental por variados motivos. Em primeiro lugar porque o autor de Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista concede demasiada importância aos polemismos sergianos, ou seja, tende a qualificá-los como redutores e ameaçadores da sobrevivência da lusitanidade; em segundo porque considera que o sebastianismo abarca a essência do ser português; e em terceiro porque o ideólogo dos Ensaios permite-nos questionar acerca daquilo que está para cá da dimensão mitológica e imaginária do movimento sebástico e que, ao contrário do que supõe António Quadros, não é algo unicamente historicista, sociológico, reducionista e menor. Uma leitura entrecruzada da polémica sergiana com o projecto áureo português proposto por Quadros conduzir-nos-á a uma reflexão mais apurada sobre a conceptualização de uma filosofia da cultura portuguesa.
Reconstituamos a polémica e analisemos, com isenção, os argumentos de cada lado. É a partir da sua colaboração n’ A Águia, logo após a implantação da República em Portugal, que António Sérgio se manifesta contra os princípios que orientam, em certa medida, a edição dessa revista por Teixeira de Pascoaes (1877-1952). A bem da verdade, António Sérgio não conseguiu distinguir o D. Sebastião histórico do movimento mítico-saudosista que se fundou a seguir ao seu desaparecimento no deserto marroquino e, nesse ponto específico, António Quadros tem razão. No entanto, este último relevou todos os aspectos negativos que conduziram a tomada do Norte de África, por parte do Rei Desejado, ao fracasso e à perda da independência portuguesa. Para o autor de Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista, à semelhança de Pascoaes, o abismo em que Portugal caiu (o Portugal real e histórico), constituiu-se enquanto catarse e permitiu que o país se elevasse para uma dimensão superior, espiritual, mítica que transcende qualquer queda histórica, objectiva e factual. Ao menosprezar esta vertente a favor de uma outra que enaltece apenas a poesia, o romantismo, a mitologia, Quadros também errou e, em certa medida, cometeu o mesmo pecado que Sérgio cometera: confundir dimensões que, a priori, não podem sequer tocar-se, quanto mais reunir-se. Uma coisa é filosofar a propósito daquilo que é misterioso, simbólico, enigmático, arquetipal, inefável, essencial, mitológico, outra é confundir ou misturar dimensões, como se cada uma pudesse influir categorialmente na outra. Tanto António Sérgio como António Quadros não conseguiram distinguir os erros do D. Sebastião histórico do romantismo do D. Sebastião mitológico, por exemplo. Ora, o âmago da polémica reside precisamente aqui. Sérgio, e outros como ele que defendem o racionalismo e o idealismo crítico, denunciam os malefícios que foram impregnados à educação dos portugueses por via de uma exaltação messiânica, profética, romântica e saudosista da historiografia lusitana e que, no seu entender, conduziram Portugal para a inércia, para o atraso social e cultural, para o conservadorismo, para a pequenez mental. Por sua vez, António Quadros, e todo o movimento da filosofia portuguesa, consideram que Portugal é detentor de um projecto áureo, universal e congregador para toda a humanidade e que, por esses motivos, não poderá ater-se somente àquilo que é temporal, contemporâneo, progressista, mas, acima de tudo, àquilo que extrapola este patamar e se ocupa do mito, dos símbolos, dos arquétipos e das formas.

(adaptação livre de PINHO, Romana Valente, Deus na tradição do pensamento português contemporâneo: a contribuição de António Quadros, In: A Questão de Deus: História e Crítica)

Bibliografia Indicativa
Ensaio
Introdução a uma estética existencial (1954)
A angústia do nosso tempo e a crise da universidade (1956)
A existência literária: Ensaios (1959)
O Movimento do Homem (1963)
Crítica e Verdade (1964)
O espírito da cultura portuguesa (1967)
Ficção e Espírito (1971)
Portugal, entre ontem e amanhã (1976)
A arte de continuar português (1978)
Fernando Pessoa. Vida, Personalidade e Génio (1981)
Introdução à filosofia da história (1982)
Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista, 2 vols (1982-1983)
Fernando Pessoa. Obra Poética e em Prosa (organização), 3 vols. (1986)
Portugal. Razão e Mistério, 2 vols. (1986-1987)
A Ideia de Portugal na Literatura Portuguesa dos últimos cem anos (1989)
O Primeiro Modernismo Português - Vanguarda e Tradição (1989)
Estruturas Simbólicas do Imaginário na Literatura Portuguesa (1992)
Memórias das Origens. Saudades do Futuro. Valores, mito, arquétipos, ideias (1992)
Poesia
Além da Noite (1949)
Viagem desconhecida (1952)
Imitação do Homem (1966)
Ficção
Anjo branco, anjo negro (1960)
Histórias do tempo de Deus (1965)
Pedro e o Mágico (1973)

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Um português chamado António Vieira: O Apocalipse em António Vieira

Não encontramos, nos escritos de Vieira, nada de semelhante a um catastrófico Armagedeão. O jesuía alude sempre a uma suave transição para “novos céus e uma nova terra” quando os Homens estiveram interiormente preparados para esse novo estádio de existência. Para tal seria preciso que fosse eliminada da alma de todo e de cada Homem todo o egoísmo e que cada forma de violência fosse substituída por Amor e entrega pelo Outro. No texto intulado “Defesa perante o Tribunal do Santo Ofício”, o jesuíta defende que mesmo aqueles homens e mulheres que nasceram antes da Revelação, recorrendo para tal a Santo Agostinho e às cinco formas por este delineadas… Sendo que entre estas, a primeira é a Iluminação a partir do interior da própria alma, pela via da centelha de Deus deixada em cada alma humana após a Criação e que é conhecida como “Espírito Santo”, o primeiro motor para a transformação do mundo e da vida do Homem sobre o mundo num verdadeiro “Reino do Amor”.

Com efeito, na “Clavis Prophetarum”, Vieira identifica o “Quinto Império” como o “Império do Amor”. no capítulo VII do Livro II onde afirma que o Reino de Cristo será universal e a suprema expressão do “poder da mansidão, da humildade e do amor”, sendo que no capítulo IX torna a sublinhar a importância do Espírito Santo para essa conversão universal onde usa a imagem bíblica das “flores e do canto da rola” como alegoria aos dons do Espírito Santo, que Vieira acredita que seria o responsável pela transmutação da Igreja dos Últimos Dias naquela comunhão universal do Espírito Santo que descreveria o antecipado “Império do Amor” de António Vieira.

domingo, 13 de julho de 2008

Vidas Portuguesas: António Cândido Franco (1956)


“O poeta é um viajante, que está sempre de partida. Alguém lhe pergunta: partir sim, mas para onde? Ao que ele, como Baudelaire, responde: Anywhere out of the world. Quer dizer, não importa para onde, contanto que seja para fora deste mundo. O outro mundo não existe? Então é necessário criá-lo”.

António Cândido Franco, Estâncias Reunidas


Apontamento Biográfico
António Cândido Valeriano Cabrita Franco, mais conhecido entre nós como António Cândido Franco, nasceu em Lisboa no dia 13 de Julho de 1956. Passou a infância, no bairro da Graça, rodeado pela mãe e pela a avó materna, já vez que ficou órfão de pai logo aos 5 anos de idade.
Estudou línguas e literaturas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, na qual obteve também, em 1987, um mestrado em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa dedicado ao tema “Simbologia telúrico-marítima na obra de Manuel Lopes: Exercício sobre o imaginário caboverdiano”. Dez anos mais tarde, no âmbito da literatura portuguesa, defendeu, na Universidade de Évora, a sua tese de doutoramento subordinada ao título “A Literatura de Teixeira de Pascoaes”.
Para além de poeta, ensaísta e romancista, António Cândido Franco é professor auxiliar com agregação (obtida em 2006) no Departamento de Linguística e Literaturas da Universidade de Évora, dedicando-se essencialmente à disciplina de Cultura Portuguesa.
Considerado um dos maiores pascoaesianos do nosso tempo, António Cândido é, à semelhança do seu herói-poeta, um saudosista nato: “Sou, por natureza íntima, não por imitação literária, um saudoso; vivi sempre, desde que me lembro, com a saudade à minha beira. A minha saudade é muito larga, muito antiga, mas depende muito mais da minha própria experiência de vida que de qualquer leitura ou de qualquer influência literária. Mesmo que nunca me tivessem ensinado a ler e a escrever, eu continuaria a ser um saudosista, porque a soidade foi a essência da minha vida de criança e tem sido a essência da minha vida de adulto”.

Apontamento Crítico
Se olharmos, em traços gerais, para a lista de obras publicadas por António Cândido Franco, chegamos à conclusão de que é um autor que se interessa essencialmente pela literatura portuguesa, embora tenha também algumas incursões pela literatura africana e pela brasileira; pela história; pelo pensamento português contemporâneo; e pela poesia.
No que respeita a esta última, já que se constitui enquanto parcela larga da sua obra, poder-se-á dizer que a sua criação poética resulta de uma exaltação da arte imaginativa. No seu ponto de vista, não há poesia sem imaginação, quer dizer, a poesia é a própria imaginação. Deste modo, o poeta é um revelador, um descobridor e um criador de outros mundos, inimagináveis a priori, mas desvelados pelos olhos e pelos sentidos do poeta. Este usa as palavras (“matéria da imaginação”; “garantia da permanência do invisível”) para melhor os definir e fazer chegar até nós. Ou seja, o poeta é um mensageiro, um ser da fronteira e do limiar, alguém que consegue ver e dizer o que do invisível e do indizível às vezes se entremostra.
Enquanto saudosista e pascoaesiano, António Cândido Franco detém, da obra de Teixeira de Pascoaes (1877-1952), uma interpretação exaustiva. Não é só a literatura e a hermenêutica do saudosismo que lhe interessam. A bem da verdade, para Cândido Franco, Pascoaes é um dos mentores culturais do início do século XX, em Portugal. Na sua visão, importava ao poeta de Amarante traçar um novo caminho para o seu país, depois da Implantação da República, em 1910, e das consequências, em certa medida desastrosas, que dela advieram. O movimento da Renascença Portuguesa, do qual é um dos principais ideólogos, constitui-se como uma das primeiras medidas tomadas para a edificação desse Portugal necessariamente novo. No entanto, isso não implicava, na concepção pascoaesiana, uma abertura aos modelos da Europa, nos quais a economia e a tecnologia são primados, mas um aperfeiçoamento ético e moral por parte de Portugal. De igual forma, Teixeira de Pascoaes incentivava uma aproximação às raízes e às tradições do país, isto é, à terra e à natureza. Se tal acontecesse, Portugal não seria mais um a imitar os paradigmas da Europa Central mas, inversamente, seria aquele que teria algo novo e diferente para ensinar aos europeus. A revitalização do país não poderia ser feita a partir de mimetismos. Como sabemos, são estas questões que entram em conflito com o ideário que, na mesma época, António Sérgio (1883-1969), também ele fundador da Renascença Portuguesa, expunha e que deram início à famosa polémica entre os dois pensadores portugueses e que, em certa medida, dura até hoje. Tal polémica nada mais é do que o reflexo de duas perspectivas contrárias, de duas heranças diversas, de dois modos diferentes de encarar Portugal e a relação deste com a Europa e o Mundo, no entanto, ambas são representativas do estado mental dos portugueses. Se, na altura, tal polémica foi vivida intensamente, diríamos até que foi exaltada de uma forma maniqueísta, e posteriormente exacerbada por muitos que se consideravam seguidores ou de Pascoaes ou de Sérgio, hoje é já altura de se propor uma leitura compreensiva - menos sentimental, portanto - de tal confronto, que, como nos relembra António Cândido Franco, é já ele próprio uma continuação das diferenças existentes entre Antero de Quental (1842-1891) e Sampaio Bruno (1857-1915). Deste modo, Cândido Franco alerta para o facto de, apesar das diferenças conceptuais entre os dois grandes pensadores do princípio do século serem contrastantes, ambos tinham o mesmo objectivo: criar “homens universais, que fossem capazes, com a sua capacidade criadora, de influenciar o mundo.(...) O que os separa, pelo menos entre 1911 e 1915, não é a reforma de mentalidades e a necessidade de educarem o País com vista a um novo grau de civilização universal, mas o modo de o fazer”. Compreender e superar tal polémica, passa, então, por assumir este pressuposto.
António Cândido Franco interessa-se ainda pela História, especificamente pela História do seu país. A esse propósito, tem-se dedicado essencialmente ao estudo das vidas de D. Pedro (1320-1367), de D. Inês (1320?-1355) e ainda de D. Sebastião (1554-1578) com o escopo de as reproduzir em forma de romance. Foi o que aconteceu com Memória de Inês de Castro, Vida de Sebastião – Rei de Portugal, A Rainha Morta e o Rei Saudade e A Saga do Rei Menino. O autor vê na personagem de Inês de Castro o símbolo do amor, da beleza, da inocência mas também do sacrifício. D. Pedro, por sua vez, é encarado como a força matriz da saudade, como a voz que perpetua a memória de D. Inês. Finalmente, Sebastião é visto por si como o eterno Rei Menino, o herói infantil, o cavaleiro do elmo de papelão.
No seu último romance histórico, A Saga do Rei Menino, editado no ano passado, António Cândido Franco propõe uma biografia de D. Sebastião como se fosse uma saga de ficção. Desse modo, o autor expressa as impressões e as convicções pessoais que tem acerca do Rei ou até mesmo do sebastianismo, sem, no entanto, atrapalhar o discurso da narrativa ou o desfecho do destino convencional / histórico do Rei Sebastião. De igual modo, Cândido Franco permite-se “inventar” quando não tem outras alternativas (fontes) para aprofundar o destino das suas personagens e tecer opiniões acerca das mesmas e de situações ocorridas. Neste romance, o autor distingue muito bem o que é de natureza histórica e o que não é, apesar de valorizar a tragédia de Alcácer Quibir enquanto acontecimento meta-histórico. Afinal, a realidade e a seriedade da vida dependem também (e talvez muito) de factores supra-visíveis e extra-sensoriais.

Bibliografia Indicativa
Murmúrios do Mar de Peniche (1977)
Na renúncia do coração: Poemas (1984)
Matéria Prima: Poesia Portuguesa (1986)
Arte Régia (1987)
Poesia, Liberdade e Aventura (1987)
O Mar e o Marão (1989)
Corpos Celestes (1990)
Memória de Inês de Castro (1990)
Teoria e Palavra (1991)
Vida de Sebastião – Rei de Portugal (1991)
Narrativa Histórica Portuguesa (1992)
Eleanor na Serra de Pascoaes (1992)
Teoria da Literatura na Obra de Álvaro Ribeiro (1993)
O Saudosismo de Teixeira de Pascoaes (1996)
Poesia Oculta: Estudos sobre a moderna lírica portuguesa (1996)
A Literatura de Teixeira de Pascoaes: Romance de uma obra (2000)
A Primeira Morte de Florbela Espanca (2000)
Os Descobrimentos Portugueses e a Demanda do Preste João (2001)
O Essencial sobre Guerra Junqueiro (2001)
Arte de Sonhar – 87 Sonhos com Teixeira de Pascoaes (2001)
A Rainha Morta e o Rei Saudade (2003)
Viagem a Pascoaes (2006)
O Essencial sobre Bernardim Ribeiro (2007)
A Saga do Rei Menino (2007)

Um português chamado António Vieira: A “Clavis Prophetarum” a Grande Obra de António Vieira

Entre 1659 e 1665 Vieira desenha a estrutura fundamental daquela que já então considerava que seria a sua grande obra, a “Clavis Prophetarum”. Nesses seis anos concebeu o plano para sete livros que deveriam contêr um total de 59 capítulos, respondendo um a cada pergunta que listara nesses anos. Dessa obra ciclópica, somente alguns escritos dispersos ficaram prontos, e destes alguns perderam-se para sempre… Consciente do gigantismo da montanha que tinha perante si, em 1663, somaria a esse plano uma obra introdutória, o “Livro Anteprimeiro da História do Futuro”, a qual, contudo, ficaria tão incompleta quanto a obra principal que devia anteceder. Não só as intensas actividades políticas e diplomáticas o afastaram desse desafio, como a própria actividade polémica de Vieira haveria de atrair a sempre indesejada atenção da Inquisição e logo, de desviar a atenção de Vieira sobre a Clavis, já que os esboços da obra continham vários pontos que íam contra o Dogma católico e poderiam inflamar ainda mais as suspeitas do Santo Ofício…

Para descobrir a chave “Clavis” para o Futuro de que discorreria nesta sua grande obra, Vieira recorre aquela fonte que elege como primeira não só em ordem como em importância: a palavra dos profetas do passado e daqueles que ao longo dos tempos os foram comentando.

Existe uma grande e fundamental diferença de tom entre a “Clavis Prophetarum” e a “História do Futuro”: Se a segunda trata fundamentalmente do futuro de Portugal e do destino deste na transformação do mundo, na “Clavis” estamos perante uma obra quase totalmente dedicada à evangelização futura do mundo. Nesta, o papel de Portugal nessa transformação é reduzido e das poucas referências, a primeira é uma alusão ao mítico “Milagre de Ourique” em que o primeiro rei português, Dom Afonso Henriques recebe um especial mandado de Deus.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Vidas Portuguesas: Adolfo Casais Monteiro (1908-1972) 100 Anos


Uns dizem que os meus versos são tristes,
outros que são abstractos.
Mas eu não tenho culpa que a carne da inteligência
seja triste, e inteligente.
Adolfo Casais Monteiro, O Estrangeiro Definitivo

Apontamento Biográfico
Adolfo Victor Casais Monteiro nasceu, na cidade do Porto, no dia 4 de Julho de 1908. Estudou Ciências Histórico-Filosóficas na antiga Faculdade de Letras do Porto e obteve uma licenciatura pedagógica na Escola Normal Superior de Coimbra, em 1933. No ano seguinte, começou a leccionar no Liceu Rodrigues de Freitas, na sua cidade natal. Antes disto, contudo, Casais Monteiro já se havia estreado nas lides poético-literárias (Confusão em 1929), bem como, ao lado de Leonardo Coimbra (1884-1936) e de José Sant’Anna Dionísio (1902-1991), dirigia já a segunda série de A Águia. Em 1931, assumia também a direcção da revista Presença (nesta ocasião estreita relações com Fernando Pessoa (1888-1935)).
Devido às escolhas políticas que fazia (embora nunca se tenha assumido comunista, integrava o movimento Renovação Democrática), Adolfo Casais Monteiro, no fim da década de 1930, acabou por ser demitido do ensino, perseguido e preso por algumas vezes, estando a sua subsistência económica dependente exclusivamente de trabalhos de edição e de tradução. Por este motivo, em 1954, aproveitando o convite para participar no Congresso Internacional de Escritores, em São Paulo, parte rumo ao Brasil e nele se fixa. Aí dedica-se ao ensino (sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo, embora passe também por Salvador e por Santa Catarina), à criação poética mas também à crítica e à teoria literária. No fim da vida ainda leccionou nos Estados Unidos, em Wisconsin.
Apesar de ter tido uma formação filosófica muito acentuada, Casais Monteiro acabará por se dedicar à poesia e à literatura de uma forma muito mais intensa, de qualquer modo, a filosofia nunca se alheou totalmente das suas reflexões. Poder-se-á dizer que flutuou entre a metafísica e a literatura.
Embora tivesse muitas saudades do seu país (Agostinho da Silva (1906-1994), na sua Alguma Nota sobre Casais, a propósito deste seu amigo, escreveu que ele “não suportaria Portugal e lhe era difícil viver sem Portugal”), não voltou a ele nunca mais, acabando por morrer no dia 24 de Julho de 1972, no Estado de São Paulo.

Apontamento Crítico
É ainda enquanto estudante da Faculdade de Letras do Porto que Adolfo Casais Monteiro se apresenta na cena intelectual portuguesa. Fá-lo, primeiramente, como poeta. Só mais tarde é que se tornará professor e crítico literário. As crónicas de alguns condiscípulos seus dizem que, já nessa altura, Casais estudava muito na Biblioteca Municipal do Porto.
Neste sentido, as primeiras produções poéticas de Monteiro revelam uma profunda admiração pelo primeiro modernismo português fundado por aquele que haveria de ser um dos seus grandes mestres: Fernando Pessoa. Depois disto enquadrar-se-á, pelo menos tematicamente, numa corrente poética muito típica dos meados do século passado, cujas exaltações naturais se prendiam com os factos histórico-sociais da época: a falta de liberdade política e cultural, os erros da 1.ª Grande Guerra e, consequentemente, aqueles que advieram da 2.ª, entre outros. No contexto intelectual e político português, a poesia de Casais Monteiro poder-se-á situar, então, num limiar ou numa passagem entre o modernismo e o neo-realismo (apesar de nunca se ter assumido comunista ou marxista); entre os primeiros anos da 1.ª República e aqueles que vieram depois com as duas ditaduras.
Foram as consequências nefastas de tais ditaduras, sobretudo a ausência de liberdade e a imposição da ortodoxia, que conduziram Casais Monteiro ao exílio brasileiro. Afinal, aos seus olhos, mas também aos de muitos outros (como Jaime Cortesão (1884-1960), Agostinho da Silva, Jorge de Sena (1919-1978), Joaquim Barradas de Carvalho (1920-1980), Eduardo Lourenço (1923), ...), o Brasil era um país no qual se poderia não só viver livremente, mas também praticar a heterodoxia. Deste modo, quando se mudou para lá, Casais Monteiro não só pôde viver como realmente lhe convinha e explicitar aquilo em que acreditava (embora o polvo da PIDE tivesse braços para averiguar o que se passava do outro lado do Atlântico), como contribuir para o desenvolvimento científico das universidades brasileiras. Nesta altura, dá-se aquilo a que o professor brasileiro Antonio Cândido (1918) chama de uma missão portuguesa, ainda que não planeada, resultado da política ditatorial de António de Oliveira Salazar (1889-1970), que infestará os quadros universitários de quase todo o Brasil e contribuirá para um progresso do ensino superior no país.
Se a obra crítico-teórica de Adolfo Casais Monteiro se revela exemplar no que diz respeito sobretudo à análise da literatura portuguesa e da literatura brasileira (interesse que já era anterior à sua ida para o Brasil), teremos que dizer o mesmo relativamente à produção poética deste autor. Se, por vezes, parece existir uma luta travada no seio do próprio poema entre uma linguagem de cariz mais poético e outra de índole mais científica (reflexo típico de quem é, ao mesmo tempo, crítico e poeta), o que é certo é que a poesia de Monteiro asculta os segredos que todos os poetas ascultam e se defronta com as mesmas interrogações de todos os outros, a saber, a angústia, o amor, a saudade, a condição humana, o exílio... Em O Estrangeiro Definitivo, por exemplo, Adolfo Casais Monteiro mostra-se um homem inquieto, amargurado, saudoso, desterrado, exilado, um estrangeiro definitivo dentro de si, dentro do país onde vivia, se calhar estrangeiro até na sua própria vida. Como Agostinho da Silva comentou, dois anos após a morte do amigo, “Há quem morra antes de ter vivido e quem viva depois de ter morrido; houve em Casais as duas coisas: não creio que tivesse estado na América plenamente vivo; e estou seguro de que viverá mais e mais à medida que Portugal se despoje de seus falsos ouropéis de poderoso Estado e renasça no Espírito que o fez grande antes do absolutismo real, do capitalismo italiano e alemão e da opressão religiosa, isto é, na liberdade republicana, numa austera solidariedade económica e na inteira fantasia de pensar Deus, ou de O não pensar; mais precisamente, de O pensar e de, simultaneamente, O não pensar”.

Bibliografia Indicativa
Poesia
Confusão (1929)
Poemas do Tempo Incerto (1934)
Sempre e sem Fim (1937)
Canto da nossa Agonia (1942)
Noite Aberta aos Quatro Ventos (1943)
Versos (1944)
Europa (1946)
Simples Canções da Terra (1949)
Voo sem Pássaro Dentro (1954)
O Estrangeiro Definitivo (1969)
Ensaio
Considerações Pessoais (1933)
Sobre o Romance Contemporâneo (1940)
De pés fincados na terra (1940)
O Romance e os Seus Problemas (1950)
Fernando Pessoa, o Insincero Verídico (1954)
Estudos sobre a Poesia de Fernando Pessoa (1958)
A Moderna Poesia Brasileira (1956)
O Romance (Teoria e Crítica) (1964)
Romance
Adolescentes (1945)

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Um português chamado António Vieira: Os “imperadores universais” de António Vieira, após… Dom João IV

A morte de Dom João IV, de quem Vieira esperava o cumprimento de tão altos feitos, haveria de gerar no espírito do jesuíta uma profunda crise interior. Numa primeira fase, Vieira, completamente convicto da veracidade e correcção das profecias de Bandarra e da sua personalização em Dom João IV passa a acreditar e a exprimir a sua plena convicção na ressurreição do monarca. Mas com o tempo, e na falta do esperado regresso dos mortos do monarca defunto, Vieira acaba por evoluir nesse caminho e por passar a defender em 1664: “Por cá não há coisa digna de relação mais que haver-se hoje dado princípio às mesas na sala dos nossos estudos, onde o mestre, que é o P. Francisco Guedes, tomou por problema dos futuros contingentes se havia de vir El-Rey D. Sebastião. E depois de o disputar com aplauso por uma e outra parte, resolveu que o verdadeiro Encoberto profetizado é El-Rey que Deus guarde: D. Affonso. Por sinal que, para eu crer e confessar assim, não foi necessário nenhum dos argumentos que ouvi, porque, depois que observei as felicidades em que assiste o céu a todas as suas acções, estou inteiramente persuadido a isso”. [Carta a Dom Rodrigo de Meneses de 3 de Março de 1664, citada em p. 133]

Mas Vieira não se fica por aqui... Depois de Dom Afonso VI, e como este também não se revelar ser o esperado “imperador universal”, António Vieira elege Dom Pedro II, em 1684, como aquele a que está destinada a “destruição total do Turco está reservada a um rei português e que todas as probabilidades apontam para Dom Pedro II”. Mas passados apenas quatro anos, em 1688, é agora o primogénito de Dom Pedro II esse prometido monarca: “Digo que este Príncipe fatal, tantos séculos antes profetizado, e em nossos dias nascido, não só há de ser Rey, senão Emperador”. Não cessa aqui a lista de “quintos imperadores” de Vieira... Com efeito, com o súbito falecimento do primogénito, é ao seu irmão que compete o trono ficando um “com a posse da púrpura no Céu, o outro com o ceptro na Terra.” Este “futuro imperador” seria... Dom João V, desta feita.

Todas estas hesitações e mudanças de percurso, vistas à perspectiva de trezentos anos lançam dúvidas sobre a personalidade de Vieira. Seriam provenientes de um excessivo prazer pela proximidade do Poder e dos seus favores um defeito que os seus inimigos julgavam reconhecer na personalidade do jesuíta? Vieira era um ser humano, e consequentemente um indivíduo não isento das fragilidades típicas dos mesmos e esse factor não deve ser descartado com leveza. É também possível que o jesuíta se tivesse embriagado pelo canto de sereia dos seus próprios discursos e - enredado dentro da sua própria teia discursiva - acabasse por uma questão de consistência interna do seu próprio pensamento e de refúgio de racionalidade pessoal em acreditar realmente que a figura profetizada do “futuro imperador” se transferia assim de príncipe em príncipe, sucessivamente. Além da tese panegírica dos seus adversários e do “cerco mental” imposto pelo seu próprio universo verbal, há pelo menos mais duas explicações para estas oscilações... Vieira era um grande e fervoroso cristão. Recordemo-nos de que no Brasil, enquanto jovem, fugira de casa dos seus pais para o seminário jesuíta e que durante a sua vida sempre colocou a sua actividade missionária em primeiro lugar, contra todos os poderes e adversidades. Seria assim possível que estas oscilações fossem justificadas por uma necessidade de manter elevada a influência jesuíta na corte portuguesa e, consequentemente, do catolicismo nesta? É uma tese provável, especialmente se fôr conjugada com a sincera convicção de que Bandarra e os profetas biblícos que citava de memória antecipavam correctamente para Portugal um “quinto imperador” e um “quinto império” e de que se António Vieira, humano e falível se enganara com Dom João IV e depois com a sua miraculosa ressurreição, com Dom Afonso VI, Pedro II e, por fim, com Dom João V. Assim, Vieira não oscilaria de “futuro imperador” em “futuro imperador”, oscilaria sim a sua interpretação quando a uma identificação da sua personalidade. Convicto da sua imperfeição, mas igualmente certo da certeza das profecias Vieira buscaria esse Imperador de Príncipe em Príncipe, sempre na absoluta certeza da sua existência futura.

sábado, 5 de julho de 2008

Um português chamado António Vieira: Da Esperada “Ressuscitação” de Dom João IV: um dos pontos mais estranhos do pensamento de António Vieira


Um dos pontos mais curiosos e estranhos do pensamento de Vieira é a sua crença – muito forte – de que Dom João IV haveria de renascer dos mortos para cumprir o seu destino, o de Portugal e o do mundo. Na sua defesa contra as acusações do Santo Ofício escreve este sumário das suas ideias neste ponto: “O Bandarra é profeta, o Bandarra profetizou que El-Rey Dom João o quarto há-de obrar muitas cousas, que ainda não obrou, nem pode obrar senão ressuscitando: logo El-Rey D. João o quarto há-de ressuscitar”. Vieira leva assim tão longe esta sua crença: não só o Rei vai ressuscitar, como terá que forçosamente de o fazer para que os gentios e descrentes heréticos, judeus e muçulmanos se convertam ao cristianismo e o adoptem como seu “monarca universal”, convencidos tão somente pelo espantoso milagre da sua ressuscitação… E Vieira acredita neste milagre, porque acredita (pelo menos a partir dos seus 51 anos) fielmente nas profecias de Bandarra: se este sapateiro de Trancoso profetizou correctamente para 1640 a Restauração do Reino e outros espantosos feitos para Dom João IV, como a tomada de Jerusalém ou a conquista do império dos turcos, e se morreu sem cumprir tais profecias, então, forçosamente, teria ressuscitar para completar essa derradeira, mas determinante parcela das profecias do Bandarra… Pois se uma profecia estava certa, então, forçosamente, igualmente certas também teriam que estar todas as demais.

Vieira acredita portanto na ressuscitação do Príncipe, mas não usa o título “Imperador do mundo”, ou mesmo “imperador do Quinto Império” (termo que curiosamente sobreviveria até hoje nas festas do Espírito Santo no Brasil e nos Açores). Vieira prefere temo de “Príncipe” e estabelece para o seu regresso milagroso um esboço programático que tem muito mais de religioso do que de laico ou temporal… “o fim da dita ressureição de nenhum modo o teve ele declarante por temporal, senão por muito espiritual, sobrenatural, e divino, qual é a conversão universal da Gentilidade, extirpação da heresia, redução dos judeus à Fé de Cristo, e ruína do Império Otomano”.Assim resumem os inquisidores esta parcela do pensamento do jesuíta… Repare-se como quase todos os pontos desta agenda são de índole religiosa, com excepção única do último ponto, necessário contudo por causa da possessão turca da Terra Santa e assim aqui presente, também ela, por causa das mesmas motivações religiosas… Ou seja, o “imperador do Quinto Império” (termo que Vieira evita), não o é,de facto, sendo essencialmente um “sumo-sacerdote” ou “papa temporal” do mundo convertido todo e monolíticamente às luzes do catolicismo.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Um português chamado António Vieira: Das Origens Vieirinas na Crença no “Quinto Império”

A crença de António Vieira no destino Quintano de Portugal e do mundo não acompanha o jesuíta desde o primeiro dia... é de facto até bastante tardia. Em 1641, quando parte para a metrópole, na embaixada brasileira ao novo rei Dom João IV, ainda não se lhe conhece nenhum escrito ou sermão sobre o tema. Aliás, o primeiro registo de abordagem de tal conceito ocorre apenas já numa fase relativamente tardia da sua vida, quando aos 51 anos redige a carta ao bispo do Japão, em 1659 onde aborda explicitamente o tema das “Trovas do Bandarra”.

Todos os textos que escreve na primeira fase formativa no Brasil, anterior a 1641, se concentram na “guerra holandesa” e na defesa daquilo que poderia levar à vitória nesta esforçada e difícil guerra contra uma das maiores potencias coloniais e navais da época. Nestes escritos não encontramos referência alguma a “Quinto Império”, “Bandarra”, “Rei ressuscitado”... apenas escassas (“Sermão do Dia de Reis”, em 1641) referências irónicas ao Sebastianismo e louvores ao regime Filipino.

É portanto curioso que só depois de regressado a Portugal o pensamento e a convicção no estabelecimento de um”Quinto Império” se torna evidente no pensamento e no verbo vierino... É como se a necessidade preemente de tal empreendimento só se tornasse evidente perante a perspectiva da fragilidade presente do estado de Portugal perante as ameaças cruzada de Espanha, no continente europeu, e da Holanda, no Brasil, em Angola e no Oriente. Perante as dificuldades aparentemente invencíveis, Vieira reconheceu que Portugal só poderia sobreviver se o seu presente perigoso e cinzento fosse polarizado para um destino universalista e global. Perdendo o foco da estrita e regional guerra luso-holandesa no Brasil, Vieira podia agora ver o Todo e compreender que os destinos de Portugal só poderiam ser cumpridos no mundo, pela conversão do mesmo aos ideais católicos que tanto acarinhava e dos quais esperava encontrar no restaurado rei português o mais importante agente, recorrendo como meio ao império português como forma de projecção desse império terrestre onde a Companhia de Jesus seria o maior instrumento de conversão.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Um português chamado António Vieira: O projecto de fuga para o Brasil e da independência do Brasil com… Dom João IV e o papel de António Vieira

Um dos episódios menos conhecidos da História portuguesa, envolve Vieira directamente, ou como criador do plano, ou pelo menos, como seu apoiante directo e explícito. Trata-se do projecto urdido por Dom João IV e no mesmo momento em que as negociações com França a propósito de uma aliança que sustentasse Portugal na sua luta desigual contra Espanha se goravam, altura em que o monarca português levanta a possibilidade de antecipar duzentos anos a fuga de Dom João VI para o Brasil de 1807.

Em meados do século XVII, o Brasil não é considerado como uma colónia como tantas outras que Portugal ainda mantinha um pouco por todo o mundo, mas como o derradeiro refúgio da portugalidade, o único local plausível para manter a monarquia e nela, alguma forma derradeira de independência perante as ameaças de invasão: sob Dom João VI, as divisões napoleónicas, e sob Dom João IV, dos tércios espanhóis.

O plano de Dom João IV parecia ser ainda mais ambicioso que o de Dom José, já que passava pela transformação da colónia brasileira num reino completamente autónomo, regido pelo monarca, enquanto que Portugal, deixado para trás e exposto à ameaça que o rei tinha por impossível de debelar se separava e ficava sob a regência do seu filho, Dom Teodósio que o rei procurava casar com uma princesa francesa como forma de lhe assegurar algumas condições de manter o reino independente perante Espanha.

O projecto foi levado a conselho junto dos mais próximos conselheiros do rei, entre os quais António Vieira, que tinha acabado de regressar dos Países Baixos e que juntava as suas preocupações às do Rei já que não conseguira ali assegurar uma paz com a República holandesa. Esta coincidência, e a ousadia costumeira das ideias de Vieira (não era ainda mais arrojado procurar abolir a designação de “Cristão-Novos”?) fazem crer que o projecto pode ter germinado na mente do jesuíta… Não era ele um “brasílico” de coração e formação? Não vinha Vieira desanimado da possibilidade de firmar a paz com a Holanda e receava acima de tudo uma coligação invencível entre os Países Baixos, atacando Portugal nas colónias e Espanha, invadindo as fronteiras raianas?

Tendo recebido do rei, o encargo de levar adiante o projecto, Vieira embarca para Paris e é recebido pelo embaixador português em Paris, Francisco de Sousa Coutinho, que acolhe a proposta com grande desconfiança e imensas reservas. Mas França não parecia muito inclinada a aceitar o projecto e hesitava quanto a enviar para Portugal o Duque de Orleães e propunha em seu lugar Luís de Condé, apenas numa manobra dilatória para atrasar o andamento do plano e descrente da capacidade do reino português – separado do Brasil – de resistir sozinho à potencia castelhana.

Embora alguns, como Oliveira Martins, encontrassem em Vieira o verdadeiro arquitecto deste plano, e nele também a mão da Companhia de Jesus que pretenderia desta forma constituir aquilo que na sua “História de Portugal” chama de “Quinto Império de Deus e dos Jesuítas” no Brasil onde Dom João IV seria a cabeça formal de um “Império Jesuítico nas Américas” que no século XVII alguns críticos quiseram encontrar no Paraguai. Nada indica , contudo, que houvesse tal intenção jesuítica ou que esta fosse a motivação secreta oculta sob as extensas manobras do Padre António Vieira neste sentido. De qualquer forma, o projecto de separação do Brasil de Portugal e da formação de dois reinos autónomos haveria de frustrar-se não só devido à oposição quase unânime dos conselheiros de Dom João IV, mas sobretudo pelas hesitações francesas em o apoiar, e, em primeiro lugar devido à inversão do andamento da guerra no Brasil onde os colonos que mantinham uma revolta contra os invasores holandeses começavam a ganhar ascendente sobre estes e colocavam agora em sério risco a aplicação prática deste arrojado plano.

Em suma, se não houve divisão entre Portugal e Brasil e se o segundo não logrou tornar-se o primeiro país colonial independente do mundo, tal deveu-se sobretudo à vontade dos seus autóctones e à daqueles que vindos de Portugal reconheciam nessa sua nova pátria virtudes e potencial bastante para que merecesse o estabelecimento e o mantimento de uma guerra que apesar de aparentemente perdida à partida, no final, seria ganha, saindo derrotado o invasor holandês e, com ele… Os planos daqueles que como Vieira se batiam pela separação dos dois reinos.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Um português chamado António Vieira: A Revolta do Pernambuco do jugo holandês e a hesitação de Vieira

Quando os colonos portugueses se revoltam contra o ocupante holandês, coadjuvados por escravos negros e índios cristianizados, Vieira estava na Holanda, procurando negociar a paz desta com Portugal restaurado, quando recebe as notícias da revolta. A sua primeira reacção é escrever para o rei e queixar-se dos “valentões de Portugal”, que não satisfeitos de estarem já metidos com a maior potencia da época, Espanha, agora queriam também bater-se contra a Holanda, com quem ele procurava tão esforçadamente fazer a paz, de forma a garantir a vitória contra a primeira: “Em todo o passado Castela e Portugal não puderam prevalecer assim no mar como na terra contra a Holanda; e como poderá agora Portugal, só, permanecer e conservar-se contra a Holanda e contra Castela?” (Cartas). Posteriormente, haveria de ser menos crítico dos revoltosos, já que conhecera de perto e pessoalmente as agruras da “guerra holandesa” e haveria de ora defender revoltosos, ora aqueles que defendiam a paz com a Holanda. Alguns, em Portugal, e em particular na corte de Dom João IV, defendiam que a paz com a Holanda devia ser assegurada a todo o custo sacrificando inclusivamente os revoltosos que no Brasil no Pernambuco se batiam contra os holandeses e com eles, abandonando qualquer reclamação ao Pernambuco. Outros, menos influentes em Portugal, mas crescendo em número entre o Povo e a Burguesia, e sobretudo entre os colonos brasileiros acreditavam que era preciso enviar reforços para apoiar a revolta e promover a final expulsão dos holandeses do Brasil.

Menos hesitante estivera o rei, que logo que recebera novas da revolta mandara carta ordenando que a coluna que entrara no Pernambuco vinda dos territórios portugueses e que a pedido do governo local e enviada para ajudar a Holanda a suprimir a revolta e que se virara muito compreensivelmente a seu favor voltasse à Baía. A coluna militar violara as suas ordens absurdas e maquiavelicamente calculistas emanadas a partir de Lisboa e combatia agora com os revoltosos e contra a Holanda no interior do Pernambuco. Já então o Brasil, pela composição das suas forças e pelo espírito de autonomia e de liberdade das suas gentes, começava a agir de forma autónoma e independente, animado pela distância da metrópole e do relativo desinteresse a que esta vota a sua distante colónia… Na revolta contra os europeus do norte estavam todos aqueles que os portugueses tinham trazido e encontrado na terra brasílica: aos portugueses, colonos e militares vindos da metrópole, juntavam-se e batiam-se lado a lado os índios comandados por Filipe Camarão, um índio tupi e os negros do liberto Henrique Dias. A esta congregação de gentes e raças, unidas pelo espírito da liberdade brasílica contra o opressor estrangeiro se juntava o coração de Vieira, criado desde os sete anos na Baía, mas se separava a inteligência do Jesuíta, mais prudente e avisadamente receosa da divisão dos escassos meios entre duas guerras contra duas das maiores potencias militares da época: Espanha e Holanda.

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