Uns dizem que os meus versos são tristes,
outros que são abstractos.
Mas eu não tenho culpa que a carne da inteligência
seja triste, e inteligente.
Adolfo Casais Monteiro, O Estrangeiro Definitivo
Apontamento Biográfico
Adolfo Victor Casais Monteiro nasceu, na cidade do Porto, no dia 4 de Julho de 1908. Estudou Ciências Histórico-Filosóficas na antiga Faculdade de Letras do Porto e obteve uma licenciatura pedagógica na Escola Normal Superior de Coimbra, em 1933. No ano seguinte, começou a leccionar no Liceu Rodrigues de Freitas, na sua cidade natal. Antes disto, contudo, Casais Monteiro já se havia estreado nas lides poético-literárias (Confusão em 1929), bem como, ao lado de Leonardo Coimbra (1884-1936) e de José Sant’Anna Dionísio (1902-1991), dirigia já a segunda série de A Águia. Em 1931, assumia também a direcção da revista Presença (nesta ocasião estreita relações com Fernando Pessoa (1888-1935)).
Devido às escolhas políticas que fazia (embora nunca se tenha assumido comunista, integrava o movimento Renovação Democrática), Adolfo Casais Monteiro, no fim da década de 1930, acabou por ser demitido do ensino, perseguido e preso por algumas vezes, estando a sua subsistência económica dependente exclusivamente de trabalhos de edição e de tradução. Por este motivo, em 1954, aproveitando o convite para participar no Congresso Internacional de Escritores, em São Paulo, parte rumo ao Brasil e nele se fixa. Aí dedica-se ao ensino (sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo, embora passe também por Salvador e por Santa Catarina), à criação poética mas também à crítica e à teoria literária. No fim da vida ainda leccionou nos Estados Unidos, em Wisconsin.
Apesar de ter tido uma formação filosófica muito acentuada, Casais Monteiro acabará por se dedicar à poesia e à literatura de uma forma muito mais intensa, de qualquer modo, a filosofia nunca se alheou totalmente das suas reflexões. Poder-se-á dizer que flutuou entre a metafísica e a literatura.
Embora tivesse muitas saudades do seu país (Agostinho da Silva (1906-1994), na sua Alguma Nota sobre Casais, a propósito deste seu amigo, escreveu que ele “não suportaria Portugal e lhe era difícil viver sem Portugal”), não voltou a ele nunca mais, acabando por morrer no dia 24 de Julho de 1972, no Estado de São Paulo.
Apontamento Crítico
É ainda enquanto estudante da Faculdade de Letras do Porto que Adolfo Casais Monteiro se apresenta na cena intelectual portuguesa. Fá-lo, primeiramente, como poeta. Só mais tarde é que se tornará professor e crítico literário. As crónicas de alguns condiscípulos seus dizem que, já nessa altura, Casais estudava muito na Biblioteca Municipal do Porto.
Neste sentido, as primeiras produções poéticas de Monteiro revelam uma profunda admiração pelo primeiro modernismo português fundado por aquele que haveria de ser um dos seus grandes mestres: Fernando Pessoa. Depois disto enquadrar-se-á, pelo menos tematicamente, numa corrente poética muito típica dos meados do século passado, cujas exaltações naturais se prendiam com os factos histórico-sociais da época: a falta de liberdade política e cultural, os erros da 1.ª Grande Guerra e, consequentemente, aqueles que advieram da 2.ª, entre outros. No contexto intelectual e político português, a poesia de Casais Monteiro poder-se-á situar, então, num limiar ou numa passagem entre o modernismo e o neo-realismo (apesar de nunca se ter assumido comunista ou marxista); entre os primeiros anos da 1.ª República e aqueles que vieram depois com as duas ditaduras.
Foram as consequências nefastas de tais ditaduras, sobretudo a ausência de liberdade e a imposição da ortodoxia, que conduziram Casais Monteiro ao exílio brasileiro. Afinal, aos seus olhos, mas também aos de muitos outros (como Jaime Cortesão (1884-1960), Agostinho da Silva, Jorge de Sena (1919-1978), Joaquim Barradas de Carvalho (1920-1980), Eduardo Lourenço (1923), ...), o Brasil era um país no qual se poderia não só viver livremente, mas também praticar a heterodoxia. Deste modo, quando se mudou para lá, Casais Monteiro não só pôde viver como realmente lhe convinha e explicitar aquilo em que acreditava (embora o polvo da PIDE tivesse braços para averiguar o que se passava do outro lado do Atlântico), como contribuir para o desenvolvimento científico das universidades brasileiras. Nesta altura, dá-se aquilo a que o professor brasileiro Antonio Cândido (1918) chama de uma missão portuguesa, ainda que não planeada, resultado da política ditatorial de António de Oliveira Salazar (1889-1970), que infestará os quadros universitários de quase todo o Brasil e contribuirá para um progresso do ensino superior no país.
Se a obra crítico-teórica de Adolfo Casais Monteiro se revela exemplar no que diz respeito sobretudo à análise da literatura portuguesa e da literatura brasileira (interesse que já era anterior à sua ida para o Brasil), teremos que dizer o mesmo relativamente à produção poética deste autor. Se, por vezes, parece existir uma luta travada no seio do próprio poema entre uma linguagem de cariz mais poético e outra de índole mais científica (reflexo típico de quem é, ao mesmo tempo, crítico e poeta), o que é certo é que a poesia de Monteiro asculta os segredos que todos os poetas ascultam e se defronta com as mesmas interrogações de todos os outros, a saber, a angústia, o amor, a saudade, a condição humana, o exílio... Em O Estrangeiro Definitivo, por exemplo, Adolfo Casais Monteiro mostra-se um homem inquieto, amargurado, saudoso, desterrado, exilado, um estrangeiro definitivo dentro de si, dentro do país onde vivia, se calhar estrangeiro até na sua própria vida. Como Agostinho da Silva comentou, dois anos após a morte do amigo, “Há quem morra antes de ter vivido e quem viva depois de ter morrido; houve em Casais as duas coisas: não creio que tivesse estado na América plenamente vivo; e estou seguro de que viverá mais e mais à medida que Portugal se despoje de seus falsos ouropéis de poderoso Estado e renasça no Espírito que o fez grande antes do absolutismo real, do capitalismo italiano e alemão e da opressão religiosa, isto é, na liberdade republicana, numa austera solidariedade económica e na inteira fantasia de pensar Deus, ou de O não pensar; mais precisamente, de O pensar e de, simultaneamente, O não pensar”.
Bibliografia Indicativa
Poesia
Confusão (1929)
Poemas do Tempo Incerto (1934)
Sempre e sem Fim (1937)
Canto da nossa Agonia (1942)
Noite Aberta aos Quatro Ventos (1943)
Versos (1944)
Europa (1946)
Simples Canções da Terra (1949)
Voo sem Pássaro Dentro (1954)
O Estrangeiro Definitivo (1969)
Ensaio
Considerações Pessoais (1933)
Sobre o Romance Contemporâneo (1940)
De pés fincados na terra (1940)
O Romance e os Seus Problemas (1950)
Fernando Pessoa, o Insincero Verídico (1954)
Estudos sobre a Poesia de Fernando Pessoa (1958)
A Moderna Poesia Brasileira (1956)
O Romance (Teoria e Crítica) (1964)
Romance
Adolescentes (1945)
outros que são abstractos.
Mas eu não tenho culpa que a carne da inteligência
seja triste, e inteligente.
Adolfo Casais Monteiro, O Estrangeiro Definitivo
Apontamento Biográfico
Adolfo Victor Casais Monteiro nasceu, na cidade do Porto, no dia 4 de Julho de 1908. Estudou Ciências Histórico-Filosóficas na antiga Faculdade de Letras do Porto e obteve uma licenciatura pedagógica na Escola Normal Superior de Coimbra, em 1933. No ano seguinte, começou a leccionar no Liceu Rodrigues de Freitas, na sua cidade natal. Antes disto, contudo, Casais Monteiro já se havia estreado nas lides poético-literárias (Confusão em 1929), bem como, ao lado de Leonardo Coimbra (1884-1936) e de José Sant’Anna Dionísio (1902-1991), dirigia já a segunda série de A Águia. Em 1931, assumia também a direcção da revista Presença (nesta ocasião estreita relações com Fernando Pessoa (1888-1935)).
Devido às escolhas políticas que fazia (embora nunca se tenha assumido comunista, integrava o movimento Renovação Democrática), Adolfo Casais Monteiro, no fim da década de 1930, acabou por ser demitido do ensino, perseguido e preso por algumas vezes, estando a sua subsistência económica dependente exclusivamente de trabalhos de edição e de tradução. Por este motivo, em 1954, aproveitando o convite para participar no Congresso Internacional de Escritores, em São Paulo, parte rumo ao Brasil e nele se fixa. Aí dedica-se ao ensino (sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo, embora passe também por Salvador e por Santa Catarina), à criação poética mas também à crítica e à teoria literária. No fim da vida ainda leccionou nos Estados Unidos, em Wisconsin.
Apesar de ter tido uma formação filosófica muito acentuada, Casais Monteiro acabará por se dedicar à poesia e à literatura de uma forma muito mais intensa, de qualquer modo, a filosofia nunca se alheou totalmente das suas reflexões. Poder-se-á dizer que flutuou entre a metafísica e a literatura.
Embora tivesse muitas saudades do seu país (Agostinho da Silva (1906-1994), na sua Alguma Nota sobre Casais, a propósito deste seu amigo, escreveu que ele “não suportaria Portugal e lhe era difícil viver sem Portugal”), não voltou a ele nunca mais, acabando por morrer no dia 24 de Julho de 1972, no Estado de São Paulo.
Apontamento Crítico
É ainda enquanto estudante da Faculdade de Letras do Porto que Adolfo Casais Monteiro se apresenta na cena intelectual portuguesa. Fá-lo, primeiramente, como poeta. Só mais tarde é que se tornará professor e crítico literário. As crónicas de alguns condiscípulos seus dizem que, já nessa altura, Casais estudava muito na Biblioteca Municipal do Porto.
Neste sentido, as primeiras produções poéticas de Monteiro revelam uma profunda admiração pelo primeiro modernismo português fundado por aquele que haveria de ser um dos seus grandes mestres: Fernando Pessoa. Depois disto enquadrar-se-á, pelo menos tematicamente, numa corrente poética muito típica dos meados do século passado, cujas exaltações naturais se prendiam com os factos histórico-sociais da época: a falta de liberdade política e cultural, os erros da 1.ª Grande Guerra e, consequentemente, aqueles que advieram da 2.ª, entre outros. No contexto intelectual e político português, a poesia de Casais Monteiro poder-se-á situar, então, num limiar ou numa passagem entre o modernismo e o neo-realismo (apesar de nunca se ter assumido comunista ou marxista); entre os primeiros anos da 1.ª República e aqueles que vieram depois com as duas ditaduras.
Foram as consequências nefastas de tais ditaduras, sobretudo a ausência de liberdade e a imposição da ortodoxia, que conduziram Casais Monteiro ao exílio brasileiro. Afinal, aos seus olhos, mas também aos de muitos outros (como Jaime Cortesão (1884-1960), Agostinho da Silva, Jorge de Sena (1919-1978), Joaquim Barradas de Carvalho (1920-1980), Eduardo Lourenço (1923), ...), o Brasil era um país no qual se poderia não só viver livremente, mas também praticar a heterodoxia. Deste modo, quando se mudou para lá, Casais Monteiro não só pôde viver como realmente lhe convinha e explicitar aquilo em que acreditava (embora o polvo da PIDE tivesse braços para averiguar o que se passava do outro lado do Atlântico), como contribuir para o desenvolvimento científico das universidades brasileiras. Nesta altura, dá-se aquilo a que o professor brasileiro Antonio Cândido (1918) chama de uma missão portuguesa, ainda que não planeada, resultado da política ditatorial de António de Oliveira Salazar (1889-1970), que infestará os quadros universitários de quase todo o Brasil e contribuirá para um progresso do ensino superior no país.
Se a obra crítico-teórica de Adolfo Casais Monteiro se revela exemplar no que diz respeito sobretudo à análise da literatura portuguesa e da literatura brasileira (interesse que já era anterior à sua ida para o Brasil), teremos que dizer o mesmo relativamente à produção poética deste autor. Se, por vezes, parece existir uma luta travada no seio do próprio poema entre uma linguagem de cariz mais poético e outra de índole mais científica (reflexo típico de quem é, ao mesmo tempo, crítico e poeta), o que é certo é que a poesia de Monteiro asculta os segredos que todos os poetas ascultam e se defronta com as mesmas interrogações de todos os outros, a saber, a angústia, o amor, a saudade, a condição humana, o exílio... Em O Estrangeiro Definitivo, por exemplo, Adolfo Casais Monteiro mostra-se um homem inquieto, amargurado, saudoso, desterrado, exilado, um estrangeiro definitivo dentro de si, dentro do país onde vivia, se calhar estrangeiro até na sua própria vida. Como Agostinho da Silva comentou, dois anos após a morte do amigo, “Há quem morra antes de ter vivido e quem viva depois de ter morrido; houve em Casais as duas coisas: não creio que tivesse estado na América plenamente vivo; e estou seguro de que viverá mais e mais à medida que Portugal se despoje de seus falsos ouropéis de poderoso Estado e renasça no Espírito que o fez grande antes do absolutismo real, do capitalismo italiano e alemão e da opressão religiosa, isto é, na liberdade republicana, numa austera solidariedade económica e na inteira fantasia de pensar Deus, ou de O não pensar; mais precisamente, de O pensar e de, simultaneamente, O não pensar”.
Bibliografia Indicativa
Poesia
Confusão (1929)
Poemas do Tempo Incerto (1934)
Sempre e sem Fim (1937)
Canto da nossa Agonia (1942)
Noite Aberta aos Quatro Ventos (1943)
Versos (1944)
Europa (1946)
Simples Canções da Terra (1949)
Voo sem Pássaro Dentro (1954)
O Estrangeiro Definitivo (1969)
Ensaio
Considerações Pessoais (1933)
Sobre o Romance Contemporâneo (1940)
De pés fincados na terra (1940)
O Romance e os Seus Problemas (1950)
Fernando Pessoa, o Insincero Verídico (1954)
Estudos sobre a Poesia de Fernando Pessoa (1958)
A Moderna Poesia Brasileira (1956)
O Romance (Teoria e Crítica) (1964)
Romance
Adolescentes (1945)
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