Com este texto inauguramos uma série de curtos artigos sobre esse grande vulto da língua e cultura portuguesa que foi o padre António Vieira e é o nosso muito modesto contributo para as comemorações do “Ano Vieirino” que agora decorrem em vários locais e instituições do país.
Como nota introdutório adicional… Este textos foram convertidos para a nova grafia do Acordo Ortográfico de 1990 pelo programa Acordium… Ver AQUI.
Estes textos foram escritos tendo várias fontes, mas sobre os dois livros absolutamente essenciais sobre Vieira que são:
J. Lúcio de Azevedo, “História de António Vieira – Primeiro Período, o Religioso”
António Lopes SJ, “Vieira o Encoberto”, Principia
Introdução
O Padre António Vieira representa - como outros grandes vultos da portugalidade – aquilo que melhor caracteriza os portugueses: mestiçagem, sangue judeu e… emigrante, de Portugal para o Brasil já que o pai de Vieira, Cristóvão Ravasco era escrivão “das devassas dos pecados públicos da cidade de Lisboa”, profissão que exerceu até 1609, ano em que embarcou para o Brasil, tendo regressado em 1614 para levar a sua mulher e o filho António Vieira, então com apenas seis anos para a Baía. Mais tarde, Vieira embarcaria de volta para o Reino, na missão que o Brasil enviaria a Lisboa para saudar o novo rei Dom João IV, o qual, pouco depois haveria de enviar o padre pela Europa fora em busca da defesa dos interesses de Portugal em missões diplomáticas ou em missões mais ou menos secretas.
António Vieira enquadrava em si mesmo o próprio espírito da mestiçagem que embora muitos acreditem ter sido inventado por Afonso de Albuquerque em Goa, existia de facto desde há muito, gravado bem fundo nas matrizes daquilo que haveria ainda de dar origem a “Portugal”, algures entre o momento em que o primeiro celta misturou o seu sangue com os cónios do sul e com os turdulos do centro. Com efeito, como tantos portugueses de hoje e de ontem, Vieira era um mestiço.
Efectivamente, o pai de António Vieira, Cristóvão Vieira Ravasco, nascido em Moura, no Alentejo, tinha tido por mãe uma mulher “de cor”, isto é, alguém que não era de origem europeia (caucasiana) e que podendo ter sido uma índia ou moura, seria, mais provavelmente uma africana ou descendente directa de africanos. Na época – finais do século XVI – havia muitos escravos africanos trabalhando nas herdades alentejanas e quase nenhuns índios (os quais aliás, nem mesmo no Brasil se conseguiam adaptar às lides agrícolas) e os últimos mouros já tinham sido absorvidos na população alentejana. Restam assim os africanos que desde que as primeiras caravelas henriquinas tinham feito as primeiras capturas nas costas a sul de Marrocos estavam a povoar em números crescentes os campos do sul de Portugal.
Esta herança africana é aliás bem patente no mais fiel retrato do jesuíta, o retrato de gravura, feito algures em Roma, a partir do seu próprio cadáver, antes de inumado, como relata o cronista André de Barros.
Alguém já escreveu que em todo o português corria alguma parte de sangue judio, sendo a sua mãe - Maria de Azevedo - a hipotética fonte desse sangue que os seus adversários no Maranhão lhe encontravam (o “baptizado em pé” mencionado por Lúcio de Azevedo). Mais tarde, a Inquisição quando o teve preso nas suas garras, recordaria essas acusações feitas décadas antes no Brasil e as mesmas suspeitas estiveram na base do fundamento para a rejeição da admissão do seu irmão Bernardo Vieira Ravasco na Ordem de Cristo em 1663.
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