A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

Albufeira, Alcáçovas, Alcochete, Alcoutim, Alhos Vedros, Aljezur, Aljustrel, Allariz (Galiza), Almada, Almodôvar, Alverca, Amadora, Amarante, Angra do Heroísmo, Arraiolos, Assomada (Cabo Verde), Aveiro, Azeitão, Baía (Brasil), Bairro Português de Malaca (Malásia), Barcelos, Batalha, Beja, Belmonte, Belo Horizonte (Brasil), Bissau (Guiné), Bombarral, Braga, Bragança, Brasília (Brasil), Cacém, Caldas da Rainha, Caneças, Campinas (Brasil), Carnide, Cascais, Castro Marim, Castro Verde, Chaves, Cidade Velha (Cabo Verde), Coimbra, Coruche, Díli (Timor), Elvas, Ericeira, Espinho, Estremoz, Évora, Faial, Famalicão, Faro, Felgueiras, Figueira da Foz, Freixo de Espada à Cinta, Fortaleza (Brasil), Guarda, Guimarães, Idanha-a-Nova, João Pessoa (Brasil), Juiz de Fora (Brasil), Lagoa, Lagos, Leiria, Lisboa, Loulé, Loures, Luanda (Angola), Mafra, Mangualde, Marco de Canavezes, Mem Martins, Messines, Mindelo (Cabo Verde), Mira, Mirandela, Montargil, Montijo, Murtosa, Nazaré, Nova Iorque (EUA), Odivelas, Oeiras, Olhão, Ourense (Galiza), Ovar, Pangim (Goa), Pinhel, Pisa (Itália), Ponte de Sor, Pontevedra (Galiza), Portalegre, Portimão, Porto, Praia (Cabo Verde), Queluz, Recife (Brasil), Redondo, Régua, Rio de Janeiro (Brasil), Rio Maior, Sabugal, Sacavém, Sagres, Santarém, Santiago de Compostela (Galiza), São Brás de Alportel, São João da Madeira, São João d’El Rei (Brasil), São Paulo (Brasil), Seixal, Sesimbra, Setúbal, Silves, Sintra, Tavira, Teresina (Brasil), Tomar, Torres Novas, Torres Vedras, Trofa, Turim (Itália), Viana do Castelo, Vigo (Galiza), Vila do Bispo, Vila Meã, Vila Nova de Cerveira, Vila Nova de Foz Côa, Vila Nova de São Bento, Vila Real, Vila Real de Santo António e Vila Viçosa.
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terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Romance histórico, iniciático e espiritualista.

A base do tema que materializa a acção do romance - " Operação: 5º. Império", tem o seu início a partir do ano de 1910, no Brasil, onde um grupo de Portugueses ali radicados, tomam a decisão de fundar um movimento espiritualista que fosse ao encontro das grandes questões da vida espiritual do ser humano. Naquela época, sucediam-se grandes embates ideológicos, não só a nível político, mas numa perspectiva religiosa - nomeadamente, na área do Espiritismo que fora liderado e codificado por Allan Kardec - 1804 -1869).

Em 1910, surge então um movimento dissidente no campo das actividades espíritas. O referido movimento embora mantendo as suas raízes provenientes do Espiritismo considerava-se racional e científico, cortando qualquer possível ligação com aspectos religiosos e místicos. A esse movimento foi dado o nome de Espiritismo Racional e Científico .
Em 1950, o neto do fundador do Espiritismo Racional e Científico, Marco Aurélio Matos Chaves, Presidente do Instituto Superior de Estudos Histórico-Científicos, Estatística e Investigação Científica, mais conhecido pela sigla - I.S.E., com sede na Vila de Oeiras, Concelho do mesmo nome do Distrito de Lisboa, era um emérito cientista e professor catedrático, sendo portador de altos graus da Maçonaria Universal, tratava-se efectivamente de um Maçom-Templário e simultaneamente um Mestre Zoísta e Grão-Mestre da Ordem de Cristo Guardiã, instituição iniciática fundada no Século XIV, durante o reinado de D. Dinis e fundada por ele próprio em simultâneo com a outra Ordem de Cristo, precursora das " Descobertas e Expansão Marítimas dos Portugueses ".
A Ordem de Cristo Guardiã, irmã da outra Ordem do mesmo nome teve a sua origem devido ao facto de os Cavaleiros Templários Franceses quando em fuga de França devido às perseguições feitas pelo Rei Francês, Filipe, o Belo, conseguiram fugir por mar e alcançado a costa portuguesa, sendo recolhidos pelo Rei D. Dinis e por si protegidos. Na sua fuga, os Templários Franceses, transportaram consigo parte do tesouro que a Ordem detinha, incluindo prata, ouro, documentos diversos, cartas naúticas muito importantes, relíquias e artefactos diversos, mas de entre esses artefactos destacava-se especialmente um - a " Arca da Aliança de Moisés " - o Artefacto de Deus !!!
Portanto, D. Dinis, foi o Primeiro Guardião da Arca" em Portugal !!!
O I.S.E., o instituto a que o Professor Marco Aurélio, presidia, além de ser uma instituição científica de renome internacional era secretamente uma Ordem Iniciática Científica que detinha avançados conhecimentos, nomeadamente no que se referia às " VIAGENS NO TEMPO ".
O facto é que é descoberta a aproximação do Sistema Solar de um grande planeta - o planeta Marduk, o planeta-deus dos Babilónios e dos Sumérios. O filho pródigo do Sistema Solar que dispondo de uma órbita extremamente alongada, projectava-se nos abismos do espaço sideral, afastando-se profundamente e só voltando ao interior do sistema planetário donde era originário depois de mais 8000 anos passados ! Sendo Marduk o causador de vários dilúvios ocorridos na Terra !
Devido à acção dos " Navegadores do Tempo " - os TEMPONAUTAS, os Cavaleiros da Ordem de Cristo do Século XXI, que conforme as previsões do Poeta Esotérito FERNANDO PESSOA, tinham por missão realizar e cumprir a 3ª. e última MISSÃO de Portugal no mundo - a realização do QUINTO IMPÉRIO DO ESPÍRITO E DA ESPIRITUALIDADE, defendido pelo Padre António Vieira, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva.
No desenvolvimento do romance - a "Arca da Aliança de Moisés", tem uma ligação directa com um planeta que existiu entre Marte e Júpiter a que os Sumérios chamaram de Tiamat e que foi destruído devido à passagem do planeta gigante Marduk - os Sumérios na sua História Épica - designada por: " Guerra dos Deuses ", dão uma explicação racional sobre os então sucedidos acontecimentos cósmicos cerca de 100.000 anos antes de Cristo !
Trata-se de um grupo de cientistas portugueses e Cavaleiros da Ordem de Cristo Guardiã na sua luta para salvar o planeta da sua destruição global, pois além do planeta Marduk que se aproximava ameaçadoramente da Terra - outros corpos siderais igualmente se aproximavam - os asteróides !!!
Perante tão terríveis e assombrosos acontecimentos, a Humanidade teria que reconsiderar o seu posicionamento espiritual, político, económico, ecológico e ideológico e para fazer frente à ameaça total teria que alterar radicalmente a sua postura moral e material . .
Este novo Movimento por si só não representava qualquer tipo de situação classificado de "dissidente, contrário ou opositor" a qualquer outro movimento ou doutrina já existentes, pelo contrário, representava sim, a passagem imediata a um patamar superior do conhecimento humano !
Grandes, dramáticos e estranhos acontecimentos irão suceder até ano de 2015 - ano em que o planeta Terra irá ser destruído ?!! . .
Jacinto Alves - Membro do Círculo de Estudos Eclécticos e Acção Cultural Maria de Oliveira (em organização)

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Procuram-se autores lusófonos

A Antagonista Editora está a preparar uma colecção de novelas literárias de Ficção Científica e de Terror Fantástico para lançamento no primeiro semestre de 2010, estamos a aceitar manuscritos originais em formatos compatíveis com o Word (ou em formato .pdf), num mínimo de 34 páginas em formato A4, letra tamanho 10.

Daremos resposta (negativa, ou positiva tendo em vista o início das negociações do contrato de edição) a todos os escritores que nos submeterem os seus manuscritos.

Aceitamos submissões de todos os países lusófonos e ainda da Galiza, de Goa e de Macau. O nosso contacto: antagonistaeditora@gmail.com.

sábado, 23 de maio de 2009

Próximo programa "Câmara Clara"

O tema do próximo "Câmara Clara", na RTP 2 às 22h e 30m, é, como outros possíveis, muito interessante:

24 DE Maio, 2009
O MEDO
CONVIDADOS: CLARA SARAIVA E JOSÉ LUÍS PIO ABREU

Incapacitante ou propulsor de criação, o medo condiciona parte importante das nossas vidas. O medo da Gripe A, do desemprego, dos atentados ou assaltos violentos, o medo da solidão, o medo pelo futuro dos nossos filhos. E, omnipresente, o medo de morrer. Como tirar partido da consciência de que a morte é inevitável? A antropóloga Clara Saraiva, que estudou os ritos funerários nos EUA, na Guiné e em Portugal; e o médico psiquiatra José Luís Pio Abreu, autor de livros de promoção de saúde mental e especialista em perturbações de ansiedade, vão dar-nos algumas chaves para lidarmos melhor com os nossos medos. Os escritores Mário Cláudio, de Portugal, Bernardo Carvalho, do Brasil, e Rawi Hage, do Líbano, partilham connosco medos seus; Rui Morisson diz-nos Al Berto, o poeta de O Medo. E entre outras novidades dos espectáculos, dos filmes, das exposições e dos concertos, María Berasarte, a espanhola que canta fado em castelhano, vai surpreendê-lo.

sábado, 28 de março de 2009

Retornados, O Adeus a África, de António Trabulo

No auditório do Hospital dos Capuchos, a 27 de Março de 2009

CUMPRIU-SE O MAR
E O IMPÉRIO SE DESFEZ

A História magoa. A independência das colónias forçou meio milhão de portugueses a regressar a Lisboa.
Quem vinha, trazia amargura na bagagem e teve de se adaptar a uma terra que, em muitos casos, não conhecia.
Este romance fala de retornados.
Foi escrito a pensar em homens e mulheres que ainda revisitam África nos sonhos



O Autor

António Trabulo nasceu em Almendra (Foz Côa) em 1943.
Fez a instrução primária e secundária em Sá da Bandeira (Angola) estudou Medicina em Coimbra.
É Neurocirurgião.
Publicou:
Mulemba, Contos de África - 2003
No tempo do caparandanda - 2004
O Diário de Salazar - 2004
Eu, Camilo - 2006
Os Colonos - 2007
A Última Profecia - 2007

A mesa que apresentou a obra

O Autor, sua filha Cláudia Trabulo, o Director do Hospital dos Capuchos, Dr. Gomes da Silva e o Engenheiro Segadães Tavares, que apresentou este romance


Dr. Gomes da Silva, no uso da palavra


Engenheiro Segadães Tavares apresentando este romance


Parte da assistência

Nota: editado por "Editorial Cristo Negro", Europress, Lisboa 2009
ISBN: 978-989-96136-0-7
Depósito Legal: 290329/09

domingo, 22 de março de 2009

Nada se deve dizer uma só vez. Nem nada. Onde está a luz?

De Platão a Marx tem-se reflectido sobre quem deve estar à frente do presente e do futuro de um povo, de uma nação: se os melhores ou o melhor dos melhores, mas nunca os outros...

O conhecimento da história, que não tem significado aprendizagem, tão-só conhecimento, pois a natureza humana vive em conflito e na intemporal condição da conquista e do recuo, é, todavia, importante se analisado criticamente e não passivamente. Importa saber ler e não somente ler.

Rosseau dizia que "o homem é naturalmente bom". Esqueceu-se de dizer que também é naturalmente ridículo, pois o homem do progresso também é o homem do atavismo; o homem da solidariedade como única forma de dignidade humana, como dizia Kafka, é também o homem do relativismo inconsequente (e não me refiro a Kant ou ao criticismo).

De facto, a arte, os poetas e os filósofos nunca estiveram convenientemente à frente, segurando os cornos da corrente decisória, ressalvando algumas épocas em que o saber, como o defendo, foi um oceano influente e sem costa.

Compreendo que por vezes os poetas e os filósofos não saibam para onde vão. Contudo, sabem por onde não devem ir, sendo este porventura também uma premissa pascoalina: da importância do princípio.

Na utopia do lugar do impossível, isto porque assim como todo o homem é um excepção, também todos os povos são uma excepção, um corpo de vontades, prevejo sem impaciência o futuro, tendo saudades dele, como dizia Pessoa.

Assim, sempre digo sobre o meu pessimismo no presente: que seja um redondo erro e uma plena frustração futura.

Há uma música dos Flaming Lips que diz "Where is the light that you have shining all around you?"

P.S. O que queria Miguel de Cervantes dizer, na parte 1, capítulo 20 do Dom Quixote... com "Só há duas famílias no mundo, como a minha avó costumava dizer: os que têm e os que não têm."?

Têm o quê? Só se for as suas "almas desertas e grandes", como disse Pessoa - condição de cada um, mas também de todos, pois "o mundo inteiro é uma só alma, todos fazemos parte dela", regista um poema ameríndeo.

É óbvio que tudo tem a ver com tudo e que são caros os estados de entorpecimento e dramáticos os registos dos incautos.

domingo, 1 de março de 2009

Embaixada de Portugal no Brasil: a literatura como integração

Fonte (texto e imagem): Embaixada de Portugal no Brasil

"Protecionismos à parte, a União Europeia é um exemplo de integração regional bem-sucedida, na verdade, a única experiência em nosso mundo que deu certo, e a terra de Camões disso se beneficiou muito" - escreve na edição de hoje do jornal Correio Braziliense, o escritor e colunista brasileiro Moacyr Scliar, dando conta de como Portugal mudou para melhor, nas últimas décadas, após a sua entrada na União Europeia.
Scliar participou na 10ª Edição do Encontro "Correntes d'Escritas" que recentemente teve lugar na Póvoa de Varzim, " que já se consagra como um marco da cultura lusófona nos tempos actuais."

Confessando-se agradavelmente surpreso com o que viu, o escritor sublinha a importância deste tipo de encontros para reforçar os laços entre os países de Língua Portuguesa:

"Para os escritores é uma experiência importante. Num mundo globalizado, é preciso que as culturas nacionais e regionais lutem por manter suas características, mas, de outra parte, é preciso evitar o isolamento. Um encontro como o de Póvoa do Varzim permite que a gente fortaleça os laços literários com outros países, ao mesmo tempo em que afirmamos nossa identidade nacional".
E conclui:

"A história de Portugal, e a história dos países que Portugal ajudou a criar, é uma história de luta, de resistência, e disso a literatura dá testemunha. Daí a importância das Correntes D'Escritas. Elas mostram que nossas vidas podem ser, como a literatura, uma narrativa coerente, uma narrativa que até pode ter um final feliz."


Leia mais no Correio Braziliense

domingo, 4 de janeiro de 2009

Conversa com MIA COUTO

Por Fábio Zanini*

Mia Couto é um dos mais conhecidos escritores africanos da actualidade. Moçambicano da Beira, 53 anos, filho de portugueses (branco, portanto), já foi comparado a Guimarães Rosa e aparece frequentemente na lista de possíveis vencedores do Nobel de Literatura (provavelmente não para breve, no entanto, já que Mia ainda é relativamente jovem e a língua portuguesa ganhou recentemente o prémio com José Saramago).Ele me recebeu em seu escritório no centro de Maputo, há duas semanas. Na verdade, peguei uma boleia com meu amigo Leonencio Nossa, repórter de O Estado de S. Paulo, que havia marcado a entrevista e me convidou para acompanhá-lo. Eu confesso que não conheço nada da obra desse sujeito baixinho e franzino, piadista e hiperactivo, que já tem 20 livros publicados, todos tentando decifrar a alma moçambicana.

Sobre a importância da banda desenhada...

Nota prévia: este meu texto foi publicado pela primeira vez no dia 17 de Abril de Junho de 2007 na extinta "VoxBlogs Magazine ". Infelizmente creio que mantém a sua actualidade: as crianças portuguesas hoje em dia nada têm que as apegue à leitura, o resultado evidente? Adultos que, embora não sendo analfabetos, demonstram uma gigantesca falta de cultura e nenhum gosto pela leitura. Num país de 10 milhões de habitantes a tiragem total dos jornais e revistas (inclusive as de mexericos e os de futebol) não atinge um milhão...

Optei por dedicar esta crónica a um problema que tenho notado mas que, talvez por embaraço próprio, tenho evitado abordar... ainda ninguém notou que as revistas de banda desenhada desapareceram quase por completo das bancas portuguesas?

Juro! É verdade, nem o Tio Patinhas e o Pato Donald escaparam. Desapareceu tudo... o que se vai encontrando ainda, a preços promocionais de 1 euro, são reedições de números que já datam de 2005 ou 2006 e ainda se inclui no seu interior o apelo à assinatura das revistas (mas assinar o quê, se elas já não existem?).

Eu, não sendo muito velho - apesar de já ter alguns pelos brancos no cabelo e na barba - ainda sou do tempo em que se encontravam dezenas (sim, DEZENAS) de revistas de banda desenhada nas tabacarias e bancas, fossem estas de edição nacional ou importadas do Brasil: dezenas de revistas existiam para a pequenada.

Durante anos não almocei (ui se a minha mãe cá vem ler isto) para utilizar o dinheiro dos almoços para comprar as revistinhas da Abril Jovem e da Abril Morumbi, e reuni milhares destas revistinhas na minha colecção, que não raras vezes eram queimadas em fogueiras no quintal quando a minha mãe entrava no frenesim das limpezas... e as dezenas (ou mesmo centenas) que emprestei a colegas de escola e liceu e que nunca mas devolveram (eu sei quem vocês são, não perdem pela demora, patifes)... mesmo assim na minha casa materna ainda existe uma pequena sala em que se amontoam milhares delas, sobreviventes das purgas maternas.

A lista era enorme mas vou tentar nomear algumas: "DC 2000", "Homem Aranha", "Mônica", "Cebolinha", "Tio Patinhas", "Margarida", "Pato Donald", "Super-Homem", "Super-Boy", "Liga da Justiça", "Batman", "Cascão", "Tex", "Tex Coleção", "Zagor", "Martin Mystere", "O Fantasma", "Mandrake", "Mad", "Hiper Disney", "Disney Especial", "Conan, o Bárbaro", "A Espada Selvagem de Conan", enfim... dezenas de revistinhas que ocupavam uma secção completa na tabacaria onde eu as ia comprar (onde até o funcionário que ainda hoje me cumprimenta efusivamente na rua quando vou à illha, já reformado e quase irreconhecível).

O meu irmão mais novo (mas que sabe ele, lá porque gravou uma curta-metragem que ganhou um primeiro prémio...) acredita que foi este tipo de leitura que lançou as fundações do meu idealismo actual, sabiam que uma mistura bombástica de "Tex" com "Conan" e mesmo um cheirinho de "Groo" com umas pitadas de "Demolidor", "Justiceiro" e "Vigilante" criam o idealista perfeito?

Sendo Portugal um país muito mal visto no que diz respeito ao analfabetismo (nem vou falar de inteligência... mas olhem que conheci muitos analfabetos na universidade) creio que isto é sintomático: a malta jovem ocupa-se com os computadores, com a televisão por cabo, com as consolas, com os dvd's, a MTV e os "Morangos com Açúcar" e pronto, não lê, não cria gosto à leitura e não desenvolve o cérebro...

Estamos a criar uma geração de imbecis, de analfabetos, já leram as revistas de "teenagers" que por aí abundam? Não passam de banalidades, não ensinam nada e algumas nem bom português sabem escrever (desculpem bater nesta tecla, mas uma vez estudante de Letras...) e não chegam aos calcanhares das aventuras do "Mickey" no espaço, as buscas incessantes do "Tio Patinhas" na África negra, Ásia, América do Sul ou no fundo do mar à procura dos tesouros da Atlântida, dos Maias, Aztecas ou alguma civilização africana tão desconhecida que nem nome tem...

Outra condicionante dessas dezenas de revistas que existiam era o preço: eram baratas. Actualmente a única editora que publica banda desenhada pontulmente só a publica para adultos ou para adolescentes burgueses, edições de luxo são muito bonitas mas até eu deixei de as comprar tão proibitivo é o seu preço...

Quem diria, os "Tio Patinhas" e o "Pato Donald" já não se vendem... quando era puto se imaginasse tal coisa ficaria doente e deprimido... quem diria, os "Tio Patinhas" e "Pato Donald" que alegraram as vidas de milhões de crianças durante gerações desapareceram... que destino espera a juventude actual? Só me vem à mente o filme "Idiocracy" que vi há semanas...

VoxBlogs Magazine, 17 de Junho de 2007




domingo, 31 de agosto de 2008

Sobre Aquilino Ribeiro


Opiniões Críticas



“Aquilino Ribeiro é um beirão da alta Beira Alta, das comarcas do Paiva – Terras do Demo (como diz um dos seus títulos de livro) – tributárias de uma região mais vasta e historicamente mais profunda – a terra lamecense, fronteira de Trás-os-Montes e das Beiras, do Portugal ameno e fácil dos vales atlânticos e do Portugal Montesinho e duro dos contrafortes continentais.

A obra de Aquilino exprime vigorosamente a condição humana nessas zonas alpestres em que nada é fácil. As aldeias endurecem-se nos seus alicerces seculares, acumulando a experiência do Inverno da neve e do lobo, e do Verão da trovoada e da canícula. O instinto, raiz da vida, dita uma conduta empírica, primária, em que os sentimentos afloram com violência e frescura. (…)

É uma concepção épica da terra e do homem que leva Aquilino à dimensão épica do livro e ao surto épico do estilo. A sua arte de narrar situa-se entre o Decameron e a novela picaresca. Do conto e do romance realistas aproveitará apenas lineamentos, virtuosidades de composição e de estilo. A peripécia envolvente e atmosférica do romance psicológico não é a peripécia de Aquilino, muito mais próximo parente do Flaubert de Salambô, de Eça de Queirós da Relíquia ou do Anatole France de Thaís do que dos romances ingleses.

A sua galeria de tipos, o retomado e sempre novo painel que nos dá da Serra da Estrela e dos vales beirões, a força e fecundidade da sua prosa castiça, que fala portuguesmente de tudo o que é português, impõem-no como um dos nossos maiores escritores e dos mais bem situados nas nossas estantes clássicas, de Gil Vicente e Fernão Lopes a Vieira e Camilo. (1)

“O autor de “Jardim das Tormentas”, de “Terras do Demo”, de “O Derradeiro Fauno”, de “O Malhadinhas”, de “Aventura Maravilhosa”, de “A Via Sinuosa”, de “Quando ao Gavião cai a Pena”, de “Cinco Réis de Gente”, de “S. Banaboião”, do prefácio e da tradução audaciosa de “A Retirada dos Dez Mil”, o animador admirável da “Raposa Salta-Pocinhas” (essa grande personagem da breve galeria da ficção portuguesa que animou de malícia e de incorrigível liberdade a infância de gerações inteiras) não necessita em verdade de homenagens: nunca foi um autor menor que convém engrandecer, nem é um autor que se sobreviva e convenha, pois, dar por vivo ao público desprevenido. O público conhece-o bem, e estima-lhe com justiça as limitações e as qualidades, porque das suas páginas irrompe uma lição de amor pela vida – aquela lição impede “O Malhadinhas” de ser lido sem os olhos rasos da comovida água da aceitação humana. A irreverência salutar do seu estilo e da sua maneira de narrar, o esplendor da presença cósmica do mundo físico nas suas páginas, a articulação encantatória das suas frases e de certas descrições que revelam da pura poesia, tudo isso faz de Aquilino Ribeiro uma simbólica figura de encruzilhada cultural, onde se encontram o primitivismo ruralista, o amor gratuito da erudição livresca, uma certa fascinação cosmopolita, o jogo mais da fantasia que da imaginação, uma liberdade de composição que desconcerta os críticos formalistas, uma subtileza psicológica mais confiada à alusão estilística que à introspecção discursiva, um cepticismo sonhador, um sentimentalismo recatado de homem das serranias, enfim, aquelas características que, de uma maneira ou de outra, e com as mais diversas limitações, propiciaram as obras que há primas da literatura portuguesa.” (2)

.

“Era uma vez um beirão que veio para as Letras com uns sentidos limpos, de pilha-ninhos e caçador das brenhas. Veio na altura em que todas as tábuas de valores ideológicos e sociais se desfaziam mais do que se refaziam, de modo que o seu estilo admirável contraiu o jeito de esfumar-se e enfadar-se quando se trata de fazer pensar o próximo. A tese da sua obra é sempre a mesma, e simples: a exaltação do belo animal humano, uno e duplo, homem e mulher, como uma concha bivalve. O estilo dir-se-ia assentar na miúda reticulação das fibras que conjuga um mundo recôndito de coisas vindas das retinas, dos tímpanos, das papilas sensitivas à flor da pele e das mucosas, coisas que não costumam subir, do nível bulbar ou cerebeloso, ao nível da consciência cerebral falante. (…)

Levantam-se muitas objecções ao estilo de Aquilino Ribeiro. Primeiro, que só se pode ler compreensivelmente com o dicionário ao lado. Há, é verdade, nele, a fuga ao termo e ao giro frásico já muito impressos; mas a sinédoque, a perífrase, as estranhezas escusadas só ressaltam como tais dos livros e páginas em que o assunto não prende muito o autor. Com Aquilino at his best a fraseologia e o vocabulário são correntios, falados e quase sempre populares, e, mesmo quando ainda não ouvidos, medimos-lhe bem o alcance se não estivermos divorciados do povo rural.” (3)



(1) NEMÉSIO, Vitorino, Portugal, a Terra e o Homem., Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª Edição, Lisboa, 1978, pp. 211 a 213

(2) SENA, Jorge de, Estudos de Literatura Portuguesa – «Em louvor de um Grande Escritor» Edições 70, 1982, p. 198

(3) LOPES, Óscar, Modo de Ler – Crítica e Interpretação Literária, Editorial Inova, Porto, 1972, pp. 317 e 320/21

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

REVISITAR AQUILINO


«Uma vez, um homem traçou do bordão e partiu a correr as sete partidas do mundo; andou, andou até que foi dar a comarca cujos naturais comiam calhaus e ladravam como cães». É assim que Aquilino Ribeiro apresenta a região onde nasceu, a seu dilecto amigo Malheiro Dias, no prefácio do livro a que deu o nome de «Terras do Demo».

Aquilino Ribeiro nasceu em 1885, em Carregal da Tabosa, concelho de Sernancelhe, indo viver com seus pais, ainda menino, para Soutosa, Moimenta da Beira. Aí faz o seu exame de instrução primária, seguindo depois para Lamego e mais tarde para Viseu, de onde transita para o Seminário de Beja a frequentar o curso teológico. Mas em breve regressa a Soutosa, expulso por ter reagido mal aos critérios disciplinares vigentes nesse estabelecimento. Decide então ir para Lisboa, onde viveu uma longa fase agitada, com todo o ambiente revolucionário do estertor da Monarquia e a instabilidade que se lhe seguiu durante a I República. Foi um opositor incondicional da ditadura iniciada em 1926 e, antes e depois desta, conheceu por mais de uma vez a prisão e o exílio.

Em Paris conviveu com grandes mestres da Filosofia e Sociologia quando frequentava a Sorbonne, onde conheceu aquela que viria a ser a sua primeira mulher. Sendo esta alemã de nacionalidade, reside na Alemanha algum tempo, casa e vai morar em Paris, donde regressa a Portugal com a eclosão da primeira Grande Guerra. Trabalha como professor no Liceu Camões e mais tarde, a convite de Raul Proença, como bibliotecário na Biblioteca Municipal de Lisboa. Aqui se forma o grupo de intelectuais que está na origem da “Seara Nova”.

Da sua obra constam cerca de sessenta títulos, desde romances, novelas e contos, a numerosos volumes de crónicas, estudos, traduções e histórias para crianças que foi escrevendo ao longo dos anos, mais afincadamente nas últimas décadas da sua vida. Faleceu em 1963, cinquenta anos após a publicação do seu primeiro trabalho, o livro de contos “O Jardim das Tormentas”.

Aquilino Ribeiro foi um observador das realidades da natureza humana, dos contrastes da sociedade, o narrador irreverente do viver das gentes mais rudes com quem conviveu e de quem fez um retrato preciso, opondo a rudeza do gesto à pureza de sentimentos, aplicando imagens, comparações, provérbios, numa inexcedível riqueza de palavras que o colocaram para sempre entre os mais talentosos obreiros a nossa língua.

Revisitar páginas de Aquilino «é picar na nascente, renovar o veio da língua viciado por outras línguas, corrompido pela gíria das cidades»:

«...Escurentava agora o luar a pontos de a neve parecer ao largo cinza e mais cinza que caía. Mas, diante dos olhos, os flocos faiscavam e batiam-nos nas ventas rijos como areia.
O lobo, quando chegámos ao cabeço distante uma centena de passos do sítio em que nos aparecera, calou a serenata. E rompemos adiante, como se não déssemos conta de sentinela tão mal intencionada. Ele mudo e quedo como um penedo.
- Hum – maluquei com os meus botões – estás à espera dos colegas...
E, se bem o pensei, melhor assucedeu. Obra de cinco minutos adiante, saem-nos quatro lobos pela ilharga, mas que velhacos! Muito mansarrões, passo descosido, focinho por terra, como pessoas não-te-rales que vão ao seu destino. Quatro feras de vulto para espotejar um vitelo meio touro e ficar com fome.
(...) Quando anoiteceu de todo, os maganos, sempre leva-que-leva à nossa mão, chegaram-se mais para perto. Todo o meu zelo era não os perder de vista que já se me afigurava tolherem-se não sei por que resto de cobardia de nos saltar. O frade vinha atrás de mim a bater os queixais de medo e, acreditem Vossorias se quiserem, tão forte batiam que os engenhos que se armam nos milhos contra os gaios não fariam maior estreloiçada.
- Passe para a minha banda – disse-lhe eu, que já me parecera ver um dos moinantes, o mais alentado, esticar os jarretes, com mentes de pular à garupa do burrico.
O frade lá se ajeitou à esquerda, tão cosido contra mim que cheguei a supor que animal e frade queriam montar no machito. Ouvi-lhe gemer:
- É hoje o nosso último dia!
- Vossa Paternidade não traz nada... navalha, ferro, pau que seja?
- Nada.
- Mas que é isso que há um bocado vinha a tilintar nos alforges?
- É um turíbulo; é o turíbulo da igreja das Arnas, que trago para consertar.
- Dê-mo cá...
- Hem?
- Dê-mo cá... Depressa, homem!
O frade passou-me o turíbulo para as mãos, atravessei a faca nos dentes, e aí me pus a tocar ferrinhos, a bimbalhar, a fazer uma matinada que nem cambalheiras arrastadas por um cavalo! E, querem Vossorias saber, os lobos meteram o rabo entre as pernas e desarvoraram. Certo, assim Deus me salve!
Ouvimo-los ainda uivar para a cernelha do morro, mas não lhes tornámos a pôr a vista em cima, nem as bestas deram sinal de que nos fossem a acompanhar. O frade erguia graças a Deus e berrava:
- Milagre! Milagre!
»


RIBEIRO, Aquilino. O Malhadinhas. Livraria Bertrand, 1ª edição, Lisboa, 1958, p. 140 a 143

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Cadernos de Agostinho da Silva (excertos)


LITERATURA PORTUGUESA (V)

A partir de 1865 dá-se uma reacção contra o ultra-romantismo de Castilho e dos seus discípulos, mas ao movimento não cabe a designação de realista que lhe tem sido dada; o fundo de toda a actividade poética ou de prosa, filosófica ou política, de crítica ou de ficção continua a ser a exaltação lírica dos românticos. Antero de Quental (1842-1891) aparece como chefe da escola, mas tem a independência suficiente para se des­prender muito depressa de tudo o que o poderia limi­tar. O seu espírito, muito mais largo do que o de qualquer dos seus companheiros, não se submete a fórmulas e Antero explora com intensidade emotiva e com firmeza crítica os recantos mais sombrios, mais mal definidos do espírito humano e interroga a vida com uma amplitude que nenhum outro igualou; há nele ao mesmo tempo a angústia do grande artista e a serenidade do filósofo, o amor da contemplação e a embriaguez do agir, a aspiração de que a existência se aniquile e a aspiração de que a existência se afirme como bem. Nos Sonetos, em algumas Odes Modernas, nos opúsculos filosóficos e políticos, Antero, com todas as suas contradições, nunca deixa de prosseguir na busca ansiosa e sincera da verdade, na tentativa de resolver o que é porventura insolúvel; e tem sido este esforço, este sacrifício de uma felicidade a urna inquie­tação, que, mais do que qualquer das suas sugestões teóricas ou práticas, tem exercido influência nos me­lhores de várias gerações.
Dos seus contemporâneos, o que mais perto chega de Antero, embora ainda a grande distância, é Oliveira Martins (1845-1894), que também nunca resolveu as suas numerosas contradições, mas se mantém sempre num tom de superioridade, que vinha sobretudo da falta de consciência do que lhe faltava; dotado de uma extraordinária capacidade de trabalho e de qualidades vigorosas de um grande artista descritivo, Oliveira Martins acumulou os seus livros (História da Civili­zação Ibérica, História de Portugal, Portugal Contem­porâneo, História da República Romana, Vida de Nun'Alvares), mas não teve a imaginação intelectual suficiente, nem a humildade ante a vida, nem as facul­dades de análise e de síntese necessárias para lhes dar uma base ideológica segura.
Eça de Queirós (1845-1900), que tanto apreciou Oliveira Martins e tinha por Antero a veneração que se revela no seu artigo para o In Memoriam (Um gé­nio que era um santo, in Notas Contemporâneas), não possuía nem uma vasta inteligência, nem uma forte personalidade artística ; sendo um lírico, deixou-se des­viar pelas leituras de Zola e de Flaubert, tentou-se com o romance de costumes que de nenhum modo lhe con­vinha e só raras vezes se pôde libertar do que não era Ele próprio (Prosas bárbaras, parte da Ilustre Casa de Ramires, O Mandarim, a Cidade e as Serras, Vidas dos Santos); por outro lado, nos romances de costumes e de crítica social (O Primo Basílio, O Crime do Padre Amaro, A Relíquia, Os Maias), Eça não passou de uma camada muito superficial da sociedade portu­guesa ; o essencial escapa-lhe; hábil em surpreender o ridículo, era impotente perante o mais profundo e trágico; e um falso conceito da elegância prejudicou uma grande parte da sua obra, mesmo no domínio do estilo, em que se revelou tão cuidadoso, tão fino, tão delicado artista. De resto, o melhor Eça encontra-se talvez nos livros de ensaios — Notas contemporâneas, Cartas de Inglaterra, Cartas Familiares.
Com Eça de Queirós trabalhou algum tempo nas Farpas Ramalho Ortigão (1835-1915), que depois as continuou sozinho; com uma erudição muito superfi­cial, mas muito proclamada, com um estilo vigoroso, sonoro, Ramalho Ortigão fustigou durante alguns anos a sociedade portuguesa, sem que, no entanto, a tivesse compreendido bem; como Eça, também dela viu principalmente o que era menos importante. O mesmo defeito se poderá apontar nos Gatos de Fia­lho de Almeida (1857-1915), mas há noutras obras deste escritor (Contos, O País das Uvas) uma pene­tração psicológica que não tiveram nem Eça, nem Ramalho, embora qualquer dêles seja muito mais equili­brado e sólido do que Fialho de Almeida.
Guerra Junqueiro (1850-1923), de um magnífico poder verbal, poeta de batalhas (A Velhice do Padre Eterno, A morte de D. João, A Pátria) ou de um li­rismo que hesita entre o quadro bucólico (Os simples) a filosofia (Orações) é bastante inferior no que se re­fere ao pensamento e aos dons poéticos de construção de sentido musical. Gomes Leal (1849-1921), quando se não deixa tentar pelo desequilíbrio, é muito melhor poeta do que Junqueiro (Claridades do Sul, História de Jesus). A qualquer dêles vence, com a sua obra res­trita, Cesário Verde (1885-1886), cujos poemas, impregnados de melancolia e de luz, de profunda nostalgia de aspirações de força e de heroismo, de apaixonadas vibrações de amor e de ódio, deram, pela novidade do assunto e do ritmo, o grande impulso para a renova­ção da poesia.
A partir de 1890, e sobretudo pela influência de eruditos como Teófilo Braga (1863-1924), autor de es­tudos numerosos de história literária, embora seja ine­gável a importância de Garrett para o movimento, desenha-se uma literatura de reacção às tendências internacionalistas e críticas da geração de Antero. An­tónio Nobre (1867-1900), lança no Só os modelos poé­ticos, com a sua sensibilidade doentia, o seu apartado regionalismo, mas também com a compreensão de muito do que tinham desprezado os escritores da geração an­tecedente e a tentativa de ritmos novos, de formas de expressão que melhor se adaptavam ao hesitante pen­samento do autor. Silva Gaio (1860-1934) tenta uma doutrinação, com o seu neo-lusitanismo, mas apesar de todas as qualidades reveladas nas Canções do Mon­dego, nos Torturados não havia nele o fundo real de um grande poeta ou de um grande pensador. Depois, o nacionalismo cinde-se e dá por um lado o saudo­sismo da Águia, órgão do movimento A Renascença Portuguesa, por outro lado, o Integralismo de Antó­nio Sardinha (1887-1925).
Fora de todas estas escolas, porventura mais apa­rentadas à política do que à literatura, aparecem poe­tas como João Penha (1839-1919), notável pela perfei­ção da forma, e como Gonçalves Crespo (1846-1883), cujos Nocturnos e Miniaturas encerram poesias que, se são fracas pelos temas, são de grande valor formal; dramaturgos como D. João da Câmara (1852-1908) re­gionalista e sentimental (Os Velhos) ou como Marcelino de Mesquita (1856-1919), autor de dramas históricos (O Regente, Pedro o Cru); finalmente, e com muito mais valor, prosadores como Raul Brandão (1876-1930) e Teixeira Gomes (1862-1942); o primeiro, em Os Po­bres, Húmus, O Gebo e a Sombra, Os Pescadores, sen­tiu como nenhum outro prosador o trágico da vida, a presença angustiante da morte; exprimiu-se a grandes pinceladas, com uma forte emoção lírica, mas não hesitou, quando se tornava necessário, em recorrer a quadros feitos, a fórmulas em que já se fixara; Tei­xeira Gomes, no Agosto Azul, no Inventário de Junho, em Gente Singular, nas Cartas sem moral nenhuma, em Maria Adelaide, revelou todo o seu temperamento de artista, todo o sensualismo da sua natureza, mas ao mesmo tempo o seguro gosto crítico, a inteligência disposta à reflexão e à ironia.
Modernamente, a literatura portuguesa não parece com tendência a fixar-se em correntes nítidas, embora pudessem concorrer para essa fixação circunstâncias várias, na sua maior parte alheias à literatura; cada artista procura acima de tudo exprimir-se, sem grande atenção a qualquer espécie de fórmulas que apenas poderiam limitá-lo.

Cadernos de Agostinho da Silva (excertos)


LITERATURA PORTUGUESA (IV)

Certo é, porém, que apesar de todas as inegáveis qualidades dos escritores do século XVIII só o movi­mento romântico vem abrir horizontes novos à lite­ratura portuguesa. A emigração forçada que as lu­tas políticas provocaram colocou vários escritores em contacto com os centros literários estrangeiros, sobre­tudo os dos países anglo-saxónicos e da França e deu-lhes uma visão nova da missão do artista, acentuando e ampliando o trabalho dos pré-românticos. A exemplo do que se fazia no romantismo europeu, reclamou-se maior liberdade de expressão, defendeu-se a volta à tradição popular e à Idade-Média, conde­nou-se todo o classicismo de sobrevivência. O movimento romântico não teve, entre nós, a amplidão, a profundidade que atingiu em outros países, mas há nos primeiros românticos portugueses um equilíbrio, um bom senso que em vão se procuraria na maior parte dos seus modelos.
Herculano (1810-1877) cultiva a poesia filosófica e política e nela afirma, juntamente com a sua coerên­cia de pensador e o seu carácter apaixonado e recto, qualidades de artista que se não resigna ao fácil, ao que só é belo na aparência, mas procura, como convinha ao que pensava, o que pode ser duradouro e sem falha. Já no romance é muito fraco o seu sentido do romanesco, embora haja no Eurico, no Bobo, no Monge de Cister páginas de descrição que valem ao mesmo tempo pelo que revelam do historiador e do poeta; nas Lendas e Narrativas, colecção de novelas curtas em algumas das quais desenvolveu temas dos Livros de Linhagens, Herculano consegue no Bispo Negro, na Dama Pé de Cabra, em Arras por Foro de Espanha, maior movimentação do que nos romances. Noutro campo, a sua História de Portugal, que sus­pendeu a partir do IV volume, nem chegando a ter­minar a Idade Média, é uma obra perfeita de informação e pensamento crítico; aqui, é Herculano o continuador do espírito científico do século XVIII, e a sua História pode colocar-se a par de qualquer das grandes histórias de outras literaturas, apesar do pre­juízo que advém para a unidade da obra da junção da história das instituições com a história puramente narrativa. Mas são talvez os Opúsculos, em toda a sua variedade —, folhetos de história, de economia, de política, de jurisprudência,— que melhor exprimem a só­lida personalidade de Herculano, nas suas duas faces principais, a da paixão e a do espírito crítico.
Almeida Garrett, (1799-1854), é muito diferente de Herculano; enamorado da variedade da vida, aberto à finura poética, ao humorismo, capaz também de exal­tada sensibilidade, senhor de um estilo dúctil, mara­vilhosamente expressivo, requintado na construção e na escolha dos vocábulos, embora com uma aparência de perfeita naturalidade, Garrett consegue ser um excelente poeta lírico (Flores sem Fruto, Folhas Caí­das), um romancista com dons de observação, alguma imaginação psicológica, habilidade descritiva (O Arco de Sant'Ana), um dramaturgo com alguns grandes momentos (Primeiro Acto do Frei Luís de Sousa) e sempre com talento de homem de teatro (O Alfageme de Santarém, A Sobrinha do Marquês, Um auto de Gil Vicente). A sua obra mais representativa é talvez As Viagens na minha terra, diário de uma digressão ao Ribatejo, fino, diletantesco, irónico, sensível à pai­sagem e à arte, em que o autor conseguiu narrar com uma habilidade técnica notável o episódio de Joani­nha, em que também se revelou a sua sensibilidade quase feminina e o seu sentido do dramático.
Castilho (1800-1873), que se costuma incluir entre os românticos é, propriamente, um neo-classicista, em grande parte da sua obra, noutra, um ultra-romântico; pertence ao século XVIII pelo seu gosto da literatura grega e latina, pela limitação dos temas de grande número das suas poesias, pelo escrúpulo no trabalho da forma (Cartas de Eco a Narciso, A Primavera); é ultra-romântico quando, em obras como A noite do Castelo e Os Ciúmes do Bardo, dá do romantismo apenas o que é exagerado e ridículo. Embora se tenha esquematizado, quando se apresenta Castilho como um autor sem ideias, certo é que as não tinha nem muito profundas nem muito abundantes; o seu grande valor está no perfeito domínio da forma: Castilho é, neste campo, talvez o maior artista da poesia portu­guesa. A pobreza de poder criador no plano intelectual afectivo e o gosto do trabalho formal marcavam-lhe um destino — o de tradutor; e, de facto, as versões de Molière (O Tartufo, O médico à força, As sabichonas), de Vergílio, (As Geórgicas), de Anacreonte, de Ovídio (Os Factos) são as melhores das suas obras; já, porém, o Fausto de Goethe o excedeu. Os discípulos de Cas­tilho herdaram, sobretudo, os defeitos do mestre: nem João de Lemos (1819-1890), nem Bulhão Pato (1829-1912), nem Tomás Ribeiro (1831-1901) têm qualquer valor duradouro ; só deverá exceptuar-se Soares de Passos (1826-1860), com a Morte de Sócrates e O Firmamento.
Como escritores independentes de qualquer escola, embora de certo modo se ligando ao romantismo, figuram Júlio Dinis (1839-1871), Camilo (1826-1890) e João de Deus (1830-1896). Júlio Dinis muito prejudicado pela doença, pelo meio ambiente e pela curta experiência, pouco mais deixou do que promessas, mas em alguns dos seus livros (A Morgadinha dos Canaviais,Uma Família Inglesa) há verdadeiras qualidades de romancista, quer na expressão de ambiente, o que é o principal, quer na criação de personagens verdadeiramente representativas, quer na arte do diálogo. Em Camilo havia a matéria de um grande romancista, a possibilidade de um profundo conhecimento de almas de destinos humanos; faltou-lhe, porém, juntamente com o incitamento e a crítica e as facilidades materiais, gosto de análise, essencial no romancista e uma cul­tura humana e ampla; Camilo é irremediavelmente marcado pelo seu canto de província, pela falta de lar­gos contactos, pela apressada cedência ao entusiasmo, ou lírico ou sarcástico, pela subordinação a um gosto público inferior; não realizou nenhum dos grandes romances que poderia ter produzido; mas há em mui­tos dos seus livros o testemunho do que poderia ter feito (Novelas do Minho, Amor de Perdição, O Re­trato de Ricardina, A Brasileira de Prazins). João de Deus é um poeta, continuador da corrente das compo­sições camonianas em metros curtos e da Marilia de Dirceu; é o lírico dos sentimentos que se não anali­sam, do fluir de imagens que substitui a minúcia psi­cológica, do amor candidamente sensual, sem que lhe faltem, no entanto possibilidades de atingir uma ele­vação que o põem ao lado dos maiores poetas; mas, para se manter a esse nível, era necessária uma cultura que realmente não possuía, o que o prejudicou também na sua obra em prosa e na actividade pedagó­gica, tão notável pela generosidade, pelo amor aos humildes.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Cadernos de Agostinho da Silva (excertos)


LITERATURA PORTUGUESA (III)

Com o século XVII, e por motivos que ainda não estão suficientemente dilucidados, visto que os apre­sentados até hoje mais podem aparecer como efeitos do que como causas, a literatura portuguesa apre­senta-se com certo aspecto de decadência. No verso, com uma pronunciada influência de Gôngora, aparece um mau gosto de que já não é responsável o poeta es­panhol; ora se procura expor um pensamento enre­dado e confuso, ora se entretêm os poetas em rebuscamentos de forma que têm um interesse puramente técnico, mas que não deixaram de exercer a sua in­fluência no desenvolvimento posterior da poesia por­tuguesa. As colecções de poesias do século XVII, muitas das quais inéditas, mas de que se publicaram A Fenix Renascida e o Postilhão de Apoio, não reve­lam nenhum grande poeta ; apenas merece citação Aparte pelo seu engenho e sentido de harmonia verbal Jerónimo Vahia (1623-1688). Os poetas de epopeias, que são numerosos e todos mais ou menos influencia­dos por Camões, nada valem; e as três poetisas reli­giosas, Maria do Céu, Violante do Céu, Madalena da Glória, não conseguem impor-se nem pelas concepções místicas, nem pelos talentos poéticos.
Os prosadores valem muito mais do que os (poetas, embora, se exceptuarmos Frei Luís de Sousa 1555-1632), que segue na corrente dos prosadores do século XVI, estejam, mesmo os melhores, sob a influên­cia dos defeitos literários do tempo. Frei Luís de Sousa, que escreveu a Vida do Arcebispo D. Frei Bartolomeu dos Mártires, a História de S. Domingos e os Anais de D. João III é um prosador cheio de ritmo, de sen­tido da beleza formal, de vigor descritivo. Frei Ma­nuel Bernardes (1644-1710), de nulo interesse quanto a ideias, tem na Nova Floresta páginas que se podem contar entre as mais perfeitas da nossa prosa. Rodri­gues Lobo (1580-1622), de preocupações intelectuais bastante limitadas, ensina regras de etiqueta na Corte na Aldeia e conta amores pastoris na Primavera, no Pastor Peregrino, no Desenganado; é poeta com algu­mas qualidades, mas de certo modo insensível à mono­tonia dos temas e das formas.
Os dois grandes prosadores do século são D. Fran­cisco Manuel de Melo (1608-1666) e o Padre António Vieira (1608-1697). D. Francisco Manuel, que pouco vale como poeta, é um historiador arguto e de grande talento narrativo nas Epanáforas e na História da Ca­talunha (em castelhano), um moralista bem desperto para a realidade e de aguda crítica nos Apólogos Dia­logais e na Carta de Guia de Casados, um comedió­grafo hábil na construção e no desenho das perso­nagens com o auto em verso O Fidalgo Aprendiz. Não há, no entanto, na sua obra, a discussão de nenhum problema de interesse essencial. Já o mesmo não acontece com o Padre António Vieira, cujo tem­peramento e cujas tendências intelectuais o arrasta­vam para a política de preferência à teologia; alguns dos seus sermões são de uma audácia extraordiná­ria, quer no tratamento dos temas de fé, quer so­bretudo na crítica ao governo do Brasil; o interesse humano posto na defesa dos índios, a energia da luta contra os que iam ao Brasil apenas para explorar quem por lá trabalhava, a clareza e a justeza de algu­mas das suas ideias económicas e sociais, dão ao Padre António Vieira uma superioridade que mais se acentua com o seu estilo riquíssimo, vigoroso, exacto, perfeitamente modelado. Se não escapou aos defeitos do tempo, manteve-se muito acima dele pela força da sua inteligência, a coragem da sua acção, a amplitude no tratamento de certo número de problemas.
A partir dos meados do século XVIII desenvol­ve-se uma reacção contra o que caracterizava a época anterior, quer no aspecto geral do pensamento, quer no domínio mais restrito da literatura. Alguns ho­mens em contacto com as correntes culturais europeias, por exemplo Verney, o autor do Novo Método de Es­tudar, e Ribeiro Sanches, que escreveu as Cartas sobre a Educação da Mocidade, pretendem reintegrar o país no espírito europeu, considerando que se tinha afastado dele logo que se encerrou a época dos descobrimentos; insistiram sobretudo, no que se referia à necessidade de progresso nos domínios das ciências exactas e das técnicas, mas, como não podia deixar de ser, influíram ou directa ou indirectamente numa renovação do gasto literário. O gongorismo é o apon­tado como uma traição à inteligência, sem que ne­nhum dos seus críticos tenha compreendido o que nele havia de apuramento estético; a atitude devia-se, por um lado, à inevitável esquematização de quem ataca, por outro lado, à falta de gosto artístico, de sen­sibilidade literária dos que se levantaram a criticar. O movimento, no campo da ciência e da técnica, vin­gou por algum tempo, embora, por motivos que não eram talvez de plano intelectual, não tivesse lançado raízes bastante profundas. Quanto à literatura, os re­sultados foram menos brilhantes.
Efectivamente, saiu-se da obscuridade do sé­culo XVII para cair numa clareza que vinha mais das limitações do que duma forte ordenação da inte­ligência. Os escritores deixam-se prender por um clas­sicismo estreito e artificial, que não tinha quase nada de um verdadeiro classicismo, exactamente porque não havia nenhuma forte paixão, nenhum pensamento pro­fundamente sentido ; faziam-se imitações formais de imitações formais, procurava-se o classicismo romano de preferência ao classicismo grego e os autores do século XVIII francês de preferência aos autores do século XVII. No entanto, como sempre acontece, os melhores de certo modo conseguiram escapar à influên­cia do tempo, pelo menos nalgumas das suas compo­sições.
O teórico do neo-classicismo foi Correia Garção (1724-1772) que proclamou a necessidade do estudo, a desconfiança da inspiração, o trabalho paciente sem­pre aconselhado por todos os autores de Artes literárias; mas são exactamente as obras em que menos se sente a aplicação dos princípios aquelas que nos apare­cem como realização artística de maior valor; às Odes, justamente esquecidas, antepõem-se os sonetos sabre pequenos episódios familiares; e na Cantata de Dido, que devia aparecer como o modelo de poesia do sé­culo XVIII, vale talvez mais o vago romantismo, as emoções novas, o sentido da cor, a admissão do apai­xonado movimento, do que a nitidez da linha meló­dica, do que a marmórea construção do verso. De Reis Quita (1728-1730), cujas tragédias são bastante inferiores, poder-se-iam citar, como não tendo perdido todo o interesse, algumas cenas de Inês de Castro e de Licore, sem que, no entanto, se conteste a harmonia e a limpidez do verso. Cruz e Silva (1731-1799) ficará somente por algum trecho do Hissope, embora ele se possa contar entre os melhores poemas herói-cómicos da literatura europeia; mas o próprio género vale pouco.
Tomás António Gonzaga (1764-1807), poeta luso­-brasileiro, afastando-se bastante da corrente neo-clas­sicista, atinge na Marília de Dirceu uma finura, uma graciosidade lírica em que toda a artificialidade se des­vanece, e não receia os temas em que se pode revelar oposição às fórmulas sociais do seu tempo ou aqueles que anunciam já o romantismo que se aproxima. E, no entanto, com Bocage (1765-1805), que este pré-roman­tismo se define melhor; o temperamento exaltado e doentio do poeta, o seu perfeito sentido da musicali­dade do verso, a facilidade da improvisação, dão-lhe entre os poetas do século XVIII, um lugar de ní­tida superioridade. Nem José Anastácio da Cunha (1744-1782), nem a Marquesa de Alorna (1750-1839), nem Filinto Elísio (1734-1819), podem, sequer de longe, competir com Bocage, a quem, no entanto, prejudicaram muito, quer os defeitos da sua personalidade, quer as pressões de vária ordem que sabre ele se exerceram.
Aparte do neo-classicistas ou arcádicos (das Arcá­dias ou academias em que se reuniam) e dos pré-ro­mânticos, situa-se Nicolau Tolentino (1741-1811), poeta satírico em que se reuniam dotes de observação, de crítica e de sensibilidade que o habilitaram a compor algumas das melhores sátiras portuguesas (O Bilhar, O passeio, A função, A guerra); Nicolau Tolentino é também um dos artistas mais perfeitos do verso, um dos poetas que têm mostrado maior finura no ajus­tamento vocabular.

Cadernos de Agostinho da Silva (excertos)


LITERATURA PORTUGUESA (II)

Com o século XVI e devido à empresa dos desco­brimentos e conquistas em que se tinham empenhado os portugueses, a literatura muda quase inteiramente de carácter. No entanto, há persistência das formas tradicionais e, mesmo, em certos casos, de pensamento medieval, no grupo de poetas a que se convencionou dar o nome de poetas da medida velha. No romance, aparece Bernardim Ribeiro (1482?-1552?), também au­tor de cinco Éclogas em que é evidente, quanto ao assunto, a influência de bucólicos estrangeiros; a sua obra mais importante é, contudo a Menina e Moça, de composição um pouco embaraçada, com elementos de romance pastoril, de romance sentimental e de ro­mance de cavalaria; o que mais importa, é, porven­tura, o tom que o escritor consegue manter em quase toda a obra, um tom elegíaco, de resignado sofrimento ante os desastres da vida, e o estilo, de qualidades quase femininas, pela delicadeza, a branda harmo­nia, o profundo repasse de tristeza, dado na própria qualidade musical das palavras. Cristóvão Falcão (1515?-1577), em que se tem pretendido por vezes ver apenas como que um pseudónimo de Bernardim, não lhe é inferior em emoção poética nem em concepção da vida que o autor, sem propriamente a exprimir, comunica através de todo o episódio que narra no Crisfal.
Gil Vicente (1465?-1537?) tem ligações mais direc­tas com os poetas satíricos dos cancioneiros provença­lescos e do Cancioneiro de Resende e a sua obra, pelo movimento geral, integra-se muito mais na Idade Mé­dia do que no Renascimento; as próprias alusões às empresas de além mar são ainda feitas sob o ponto de vista medieval. Os seus Autos, quase sempre satíricos, embora com trechos líricos de excelente qualidade, são simples apontamentos, esboços de obras que fica­ram por completar; a construção é bastante defeituosa, nenhum dos caracteres aparece explorado a fundo, ne­nhuma das situações aproveitada como o poderia ser; o talento de Gil Vicente dispersa-se em improvisos, sem dúvida notáveis, mas que não podem de modo algum competir com as grandes obras do teatro mun­dial. No entanto, não faltavam ao poeta nem a ima­ginação, nem a facilidade do verso, nem o sentido do teatro, nem a objectividade, nem até uma certa eleva­ção de pensamento; o meio que lhe permitiu escrever, a corte, prejudicou-o também pela futilidade, pelo ca­rácter breve de divertimento que exigia em tudo, e que não podia ter deixado de marcar Gil Vicente, apesar da sua relativa independência de juízos. Em todo o caso, alguns dos seus melhores trabalhos, o Auto da Índia, a Farsa de Inês Pereira, os Autos das Barcas, Quem tem farelos, Jubileu de Amores, Auto da Feira, o Velho da Horta, o Triunfo do Inverno, têm quali­dades inegáveis de força crítica, de inspiração e de originalidade.
A influência dos descobrimentos só aparece ple­namente com os historiadores, os viajantes e os sábios e os poetas épicos. João de Barros, o primeiro no tempo (1496?-1570), escreveu as Décadas da Ásia, fra­gmentos de uma história geral que não chegou a com­pletar, em que narra principalmente o descobrimento do caminho marítimo para a Índia e as lutas dos por­tugueses com os africanos e os índios. A obra assenta sobre uma documentação muito sólida, mas João de Barros concebia a história como uma epopeia: tinha de se exaltar a nação portuguesa, o que se obtinha tanto pela deformação de certos factos históricos, de resto de pequena importância, como pelo empolado do estilo, imitado do latim de Tito Lívio, com fraco sentido das possibilidades da prosa portuguesa da época. Mais realistas e, portanto, mais de acordo com o espírito prático e científico dos descobrimentos, são um Fernão Lopes de Castanheda (1500-1559), autor da História do descobrimento e conquista da Índia, ou um Gaspar Correia (1495-1565?), que escreveu as Lendas da Índia; ê possível, por vezes, pela comparação de passos das várias obras, verificar o trabalho de imaginação e de embelezamento que houve da parte de João de Barros. Diogo do Couto (1542-1616), embora tivesse conti­nuado as Décadas deste último historiador, teve a experiência pessoal da Índia e apresentou-se com um espírito bastante diferente do do seu predecessor; o diá­logo do Soldado Prático é mesmo uma obra violenta de crítica à administração pública na Índia. Damíão de Góis (1602-1574) é de carácter bastante diferente, o que é natural dado o seu contacto com as correntes do pensamento europeu mais influentes do seu tempo; é um homem culto, bastante erudito, e que procura acima de tudo apurar a verdade, tanto na Crónica do Príncipe D. João (D. João II), como na Crónica de D. Manuel.
Dos viajantes, o mais notável é Fernão Mendes Pinto (1510-1583), autor da Peregrinação, narrativa de aventuras extraordinárias por terras e mares da Índia, da China e do Japão; as duas características funda­mentais de Mendes Pinto, o espírito sinceramente religioso e o amor da aventura, levam-no tanto a afir­mações de carácter moralista e satírico como a empre­sas em que, segundo parece, nem sempre estava de acordo com os princípios que nobremente defendia. Ao lado da sua devem citar-se as obras de Duarte Barbosa, O Livro de Duarte Barbosa, de António Galvão (?-1557), Tratado dos Descobrimentos, de Frei João dos Santos, Etiópia Oriental, de António Tenreiro, Itinerário, de Duarte Pacheco Pereira, Esmeraldo de Situ Orbis, que não são mais do que algumas das muitas que nos aparecem neste século e no seguinte. Como documento realista, embora de nulo valor lite­rário, sobressaem as narrações de naufrágios compila­das na História trágico-marítima. Dos sábios directa­mente interessados nos trabalhos dos descobrimentos são os principais D. João de Castro (Roteiros), Pedro Nunes (Tratado da Esfera), Garcia da Orta (Coló­quio dos Simples e Drogas).
Os poetas épicos Corte Real (1533-1588), com o Segundo Cerco de Diu e o Naufrágio de Sepúlveda, Quevedo, com Afonso Africano, são nitidamente infe­riores, quanto a dotes artísticos e, muitas vezes, quanto a simples bom senso. Mais sentido de epopeia se en­contra, por exemplo, num João de Barros, num Gil Vicente ou num dos viajantes, e até, embora se possa estranhar o facto, num místico como Amador Arrais (Os Diálogos); é também caso isolado, porquanto nem Heitor Pinto, com a Imagem da Vida Cristã (se excep­tuarmos as suas alusões aos heróis da índia), nem Tomé de Jesus (Os Trabalhos de Jesus), dão grande importância aos acontecimentos do mundo profano, sem que por isso atinjam grandes profundidades místicas.
Paralelamente à corrente de escritores cuja obra se inspira directa ou indirectamente dos descobrimentos, surgem os poetas influenciados pelo humanismo e pela poesia quinhentista italiana; o chefe da escola é Sá de Miranda (1485-1558) que poucas vezes conseguiu ser poeta, embora sejam bastante numerosos os seus versos; dos sonetos só um ou dois (À morte da mulher), (A um retrato da mulher), se poderão mencionar como indo além do nível habitual e é nas Cartas em verso de sete sílabas que se tem de buscar o melhor de Sá de Miranda, mais ainda, porém, no que respeita a ca­rácter do que no que entra propriamente em campo literário; no entanto, na Canção a Nossa Senhora a forma corresponde quase perfeitamente à emoção do poeta. Vale talvez um pouco mais do que ele Antó­nio Ferreira (1528-1569), autor de Inês de Castro, tra­gédia à maneira grega, e de poesias várias em que frequentemente o poeta se deixa vencer pelo peso da erudição. Os melhores de todos os poetas do mesmo grupo são Diogo Bernardes (1530?-1595) e seu irmão, Frei Agostinho da Cruz (1540-1619); Diogo Bernardes (O Lima) é um poeta cheio de delicadeza e de sen­tido da harmonia do verso e, em algumas das suas composições, atinge uma grandeza suficiente para ter sido confundido com Luís de Camões; Frei Agostinho da Cruz, inferior a ele, é, no entanto, o autor de poe­sias religiosas sinceramente sentidas e muitas delas impregnadas da solidão, da majestade e da graça das paisagens da Arrábida.
É com Luís de Camões (1524?-1580) que se faz a síntese dos vários aspectos do século XVI, quer quanto à forma, quer quanto ao tema das suas poesias. Ca­mões é a um tempo o poeta medieval que defende a Fé, com todo o espírito da cruzada, e tem pela sua amada ideal o respeito do cavaleiro trovador, e o poeta do Renascimento italiano, apaixonado por Platão, so­bretudo no que se refere à concepção do amor. O seu génio criador permite-lhe uma junção harmoniosa de todos os elementos: no fundo, eles não são mais do que o objecto que permite a realização das múltiplas possibilidades do seu espírito, do que o excitante para que se exprima o que constitui o fundamento da sua força poética. Pela amplidão e variedade dos temas, pela eloquência magnífica dos melhores passos dos Lusíadas, pela suavidade e pureza incomparáveis da linguagem nas poesias líricas, Luís de Camões é um dos grandes poetas do mundo e talvez com Antero o único dos escritores da língua portuguesa que até hoje se elevou a planos verdadeiramente universais. E ainda, ao contrário do que geralmente se supõe, melhor poeta lírico do que épico, embora haja nos Lusíadas, alguns trechos (Batalha de Aljubarrota, Os Doze de Inglaterra, parte do Episódio do Adamastor) que suportam comparação com as grandes epopeias; mas, mesmo na epopeia se afirma o lírico (episódio de Inês de Castro, história amorosa do Adamastor, epi­sódio da Ilha dos Amores); é, no entanto, nos sonetos, nas oitavas, nas canções, na paráfrase do salmo Super Flumina (Sôbolos rios), que Luís de Camões dá toda a medida das suas possibilidades como pensador e como poeta; o amor da realidade em nada contendeu com as suas tendências platonistas, pelo contrário lhes deu mais vigoroso impulso de ascensão; por outro lado, o gosto da evasão, ou pela acção ou pela filosofia, não atenuaram em nada o sentido trágico da vida sem o qual é difícil, senão impossível, a existência de um poeta de autêntico valor.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Cadernos de Agostinho da Silva (excertos)


LITERATURA PORTUGUESA (I)

Na faixa ocidental da Península, onde se falava o galaico-português, desenvolveu-se desde data impossí­vel de precisar uma poesia lírica cuja característica principal, quanto à forma, é o paralelismo, tão frequente nas poesias populares; nada sabemos de posi­tivo quanto à sua origem podendo hesitar-se entre uma tese árabe, outra que lhe atribui a aparição às Festas de Maio e outra ainda que a filia em certos can­tos eclesiásticos. Pelo que diz respeito ao assunto, as poesias paralelísticas cantam com uma certa frescura, uma certa ingenuidade graciosa, as saudades da na­morada, as suas confidências e as suas esperanças, por vezes com alguma sensibilidade à paisagem; não têm no entanto grande valor nem é possível atribuir aos seus autores quaisquer características pessoais. O mesmo acontece com os poetas que, em todas ou algumas das suas composições, se inclinavam mais para a imitação dos modelos que vinham da Provença, nas cantigas de amor e em certas cantigas de amigo ou poesias em que a rapariga manifesta o seu amor. O ca­rácter de artificialidade e de escola é extremamente acentuado e a obediência a modelos de tal ordem que se torna difícil, mesmo em autores de grande produ­ção, como por exemplo el-rei D. Dinis, qualquer fixa­ção de qualidades que os distingam uns dos outros.
Um pouco mais tarde do que estas poesias, cujo primeiro texto deve ser do século XII, e que se encontram reunidas nos Cancioneiros, aparece a prosa, cujo valor artístico é ainda menor do que o da poesia, se exceptuarmos um número bastante reduzido de pági­nas; como era natural, numa sociedade em que a in­fluência religiosa se fazia sentir, grande parte dos textos é de carácter apologético; há vidas de santos sermões, tratados moralizadores, em que a inspiração, quando existe, luta contra as imperfeições inevitáveis numa prosa que principia. Nos Nobiliários ou Li­vros de Linhagens, que são os mais importantes de toda a literatura histórica da época há trechos em que já se revela poder de descrição e certo sentido dramá­tico: bastará citar a Lenda de Gaia, o Bispo Negro, A Dama-Pé de Cabra, a Batalha de Salado.
O romance de cavalaria, respondendo como a lite­ratura religiosa e a literatura histórica, às necessida­des e características da sociedade do tempo, aparece re­presentado, principalmente, pela História de Vespa­siano, o Romance do Graa1, ligado ao ciclo do Rei Artur, e pelo Amadis de Gaula, se é de aceitar a hipó­tese de uma redacção portuguesa anterior à versão castelhana.
A partir dos fins do século XIV a literatura poética muda de aspecto quanto aos temas e quanto à realização técnica, sobretudo devido à influência da literatura castelhana e, através desta, da literatura ita­liana. No Cancioneiro de Resende, compilado no sé­culo XV, mas só publicado no século XVI, os poetas, que são ainda nitidamente poetas de corte, entretêm-se em futilidades, por vezes interessantes para os estudos históricos, mas de valor literário muito reduzido. Só as Trovas à morte de Inês de Castro, de Garcia de Re­sende, a Cantiga Sua Partindo-se, de Castelo Branco, o Inferno de Namorados de Duarte de Brito se levan­tam ao nível da verdadeira poesia. Já o mesmo não acontece na prosa, se pusermos de parte os trabalhos de D. João I e de alguns dos filhos — o Livro de Montaria, o Leal Conselheiro (D. Duarte), o Tratado da Virtuosa Bemfeitoria (D. Pedro). Fernão Lopes (1380?-1445?) desenvolvendo o que já se encontrava tomo germe nos Livros de Li­nhagens, afirma-se como um dos melhores escritores portugueses e com toda a possibilidade de sustentar comparação com os grandes cronistas estrangeiros; a época que escolheu, ou lhe foi imposta, corno tema da sua história, desde o reinado de D. Pedro até ao de D. João I, era fértil em acontecimentos dramáticos que serviam maravilhosamente o génio do escritor ; o seu ardente patriotismo, que não o leva em todo o caso a deturpar a verdade, a sua simpatia pelo povo, o seu gosto do pitoresco, a capacidade de movimentar gran­des massas, a nitidez e a finura dos retratos psicológi­cos, a imparcialidade de que só os grandes artistas são capazes, dão a Fernão Lopes um lugar excepcional na literatura histórica da sua época; tudo se congregou, qualidade do tema e qualidade do escritor, para que qualquer das suas crónicas, a de D. Pedro, a de D. Fer­nando, a de D. João, sobretudo a última, abundem em páginas de que seria impossível exceder a beleza, a in­teligência, o perfeito domínio. Qualquer dos seus su­cessores, Rui de Pina (1440?-1521 ?) e Gomes Eanes de Azurara (? -1474), se lhe mostra muitíssimo infe­rior : são funcionários que cumprem o seu dever de registar factos e por vezes com bastante parcialidade; há, no entanto, do primeiro, alguns quadros da Cró­nica de D. Dinis e da Crónica de D. João III, do se­gundo, alguns passos da Crónica da Guiné e da Cró­nica de D. João I, que se elevam um pouco acima da mediocridade. O mesmo se poderá dizer da Crónica do Infante Santo, escrita por Frei João Álvares e da Crónica de D. João II de Garcia de Resende (1470?-1536), embora esta última forneça alguns elementos interessantes para o estudo da psicologia do rei. A Cró­nica do Condestabre é, possivelmente, um esboço da história de Fernão Lopes ou então um livro em que se aproveitaram trechos deste autor.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Entre Pascoaes e Pessoa: breve apontamento


Qual o maior Poeta, Teixeira de Pascoaes ou Fernando Pessoa? A pergunta é, decerto, absurda – não há que escolher entre Pascoaes e Pessoa, pois que são ambos poetas maiores, e entre os maiores não há hierarquias. Sendo os dois poetas maiores, a nosso ver, os dois maiores poetas portugueses do século XX, eles são bastante diferentes, de tal modo diferentes que é quase impossível compará-los e, ainda mais, dizer qual foi o maior. Aliás, eles são de tal modo dois poetas diferentes, que, se tivermos que os comparar, teremos que dizer que, afinal, um deles não foi realmente poeta…
Eis, de resto, o que sucedeu a Pascoaes. Na última entrevista que concedeu
[1], reduz o poema Tabacaria a uma mera “brincadeira” – nas suas palavras: “Veja a Tabacaria: não passa duma brincadeira. Que poesia há ali? Não há nenhuma, como não há nada… nem sequer cigarros!… Fernando Pessoa tentou intelectualizar a poesia e isso é a morte dela. É roubar o espontâneo à Alma Humana, isto é, o que ela tem de Alma Universal ou de poder representativo da realidade. Veja o poema (o poema?!) que começa ‘o que nós vemos das coisas são as coisas’… Isto não é poesia, nem filosofia, nem nada.”.
E, por isso, chegou a considerar Pessoa como um “não poeta” – nas suas palavras: “Repare: não digo que foi mau poeta. Digo que não foi poeta, isto é, nem bom nem mau poeta. E se foi poeta, foi-o só com exclusão de todos os outros, desde Homero até ao nossos dias…” –, inclusive, como um mero “ironista” que, enquanto tal, não se deve tomar a sério – ainda nas suas palavras: “Considero, sim senhor, Fernando Pessoa um grande talento. Mais: afirmo que como crítico e como ironista não houve outro que o igualasse. Nem o Camilo nem o Eça, nem o Fialho (que, quando atingia o máximo da expressão, era superior ao Camilo e ao Eça). Mas depois veio Fernando Pessoa, e foi o mais genial de todos (tão genial, que o tomaram e tomam a sério, o que não aconteceu aos outros).”.
Não entendemos estas palavras como um sintoma de despeito ou de ressentimento. De modo algum. Pelo contrário, consideramos que, vindas de Pascoaes, estas são palavras inteiramente justas, por mais injustas que, em absoluto, as possamos considerar. E isto porque, atendendo ao Poeta que Pascoaes foi, Pessoa só poderia aparecer-lhe como um “não poeta”, nem sequer como um “meio poeta”. Para o Poeta que Pascoaes foi, poeta integralmente poeta, não poderia haver, de resto, “meios poetas”. Ou se era integralmente poeta, como, de facto, Pascoaes foi, ou, muito simplesmente, não se era…
E porque foi Pascoaes integralmente poeta? A nosso ver, por uma simples mas ainda assim suficiente razão: porque acreditava, integralmente, naquilo que escreveu, naquilo que dizia. Quando falava, por exemplo, dos deuses ou dos anjos, Pascoaes, com efeito, acreditava neles, no seu discurso, acreditava tanto no seu discurso que acreditava que, através dele, essas entidades passavam realmente a existir. Realmente. Como se, de facto, o discurso poético fosse um discurso realmente divino, realmente criador. Como se, de facto, ao serem nomeados poeticamente, mesmo as entidades mais fantasmáticas passassem realmente a existir. Ao lermos as suas obras, ao lermo-las em voz alta, sobretudo, também nós acreditamos, ainda que apenas por uns momentos, nisso, nesse poder criador.
Ora, em Pessoa, isso não acontece. Pessoa era demasiado “filosófico” – diremos mesmo, demasiado “inteligente” – para acreditar integralmente no seu discurso. Entre ele e o seu discurso havia sempre uma “cisão”, uma “distância”, uma “distância crítica”, que impossibilitava essa crença. Mesmo nos seus poemas mais arrebatados, como a Mensagem, essa distância paira, como uma ubíqua sombra. Não conseguimos, de resto, imaginar Pessoa a ler em voz alta a sua Mensagem. No princípio, no meio ou no fim, haveria sempre, fatalmente, um sorriso de ironia, que, por mais leve que fosse, destruiria, por completo, o poema. Em Pascoaes, ao invés, mesmo quando ele é irónico, não há ironia, essa ironia. E, por isso, muito justamente, Pessoa era, para Pascoaes, um “não poeta”.



[1] Publicada n’ O Primeiro de Janeiro, em 25 de Maio de 1950; republicada, mais recentemente, in T. Pascoaes, Ensaios de Exegese Literária e vária escrita: opúculos e dispersos, Lisboa, Assírio & Alvim, 2004, pp. 249-253.

domingo, 22 de junho de 2008

TEIXEIRA DE PASCOAES

Pediram-me há tempos, para um artigo, algumas palavras sobre Teixeira de Pascoaes - e, especialmente, sobre o significado social e humano da sua vida e da sua obra. Encargo embaraçoso, sem dúvida, para quem sempre viu no admirável poeta do «Marânus», como características dominantes, a incurável solidão e o predomínio de uma metafísica panteísta mais ou menos disforme em que os ecos da humanidade concreta e quotidiana repercutem muito longinquamente. Por essas mesmas características se me afiguram explicáveis, durante largo tempo, a versatilidade da sua irradiação na literatura portuguesa contemporânea, que sempre conheceu sucessivas mortes e ressurreições, e o distanciamento a que a sua poesia, de poderosos vislumbres geniais, se manteve perante as últimas gerações renovadoras do lirismo português. Por maior boa vontade que se ponha na apreciação dessa influência, ninguém ousará compará-la com a que tiveram, e têm ainda, Camilo Pessanha, um Fernando Pessoa, um Sá Carneiro, um Régio - para só falar dos grandes poetas nacionais. A qualidade humana de Pascoaes, no entanto, envolve outras questões e perspectivas. Urge, assim, lembrar, sempre, Teixeira de Pascoaes.


Paulo Sempre*

* www.filhosdeumdeusmenor.blogspot.com

segunda-feira, 16 de junho de 2008

MÁGOAS


Eu nunca tinha lido o Diário XII de Miguel Torga quando a barca de Caronte levou esse homem grande da língua portuguesa, que pagou o seu óbolo deixando à eternidade dos homens a sua obra. Doeu-me quando o seu olhar, reconhecidamente duro e inflexível, há mais de quarenta anos varreu os espaços que eu conheci: «Escrevo diante da paisagem feia para que abri os olhos... embondeiros disformes, edemaciados, monstruosos... mamoeiros esgrouviados, sintéticos, de testículos ao pescoço...» O deserto, «um mundo seco, estéril, asséptico... um mundo onde nenhum poema de esperança teria sentido...»

Como é possível que alguém tivesse pousado os olhos no meu mundo de menina, no mundo de sonho de muitos que nem lá nasceram, e pudesse sentir essa repulsa, essa rejeição instantânea a uma natureza que apenas peca por ser diferente das penedias rudes e também estéreis da região transmontana? Miguel Torga olhou com os olhos da alma, com o corpo dorido de um Portugal esvaído por mor de uma terra estranha, como os sogros olham um intruso que entrou na família mas não tem o seu sangue.

Como Camus sentiu na sua alma a terra que o criou – «J’ai mal à l’Algérie comme d’autres ont mal au poumon» – também a mim me dói Angola. E os meus sentidos obrigam desde logo a trocar na ortografia o e pelo i ao escrever imbondeiro, porque a grafia com e o torna logo mais identificado com um olhar que não é o meu; e fazem acudir a textura e o sabor impar da papaia; e obrigam a cerrar os olhos e ter a ilusão de descer a Leba a caminho da imensidão do Namibe e escrever como aos treze anos: Sou filha da negra África / brotada da terra inculta / e sinto que em mim se oculta / o trago que a torna única...

Para além das imagens de destruição e miséria que nos vão chegando, para além do que se publica sobre o mercado Roque Santeiro, sobre as mansões, os apartamentos de luxo que crescem por entre os musseques dos que em nome da liberdade defraudam todo um povo e espoliam uma terra pródiga, para além das palavras doutas de Miguel Torga, há uma África que foi parte integrante de Portugal, e não sei se é inteiramente justo para as gerações do presente que não seja mostrado o que foram essas províncias portuguesas em África. O bom e o mau, não regateio. Há documentos, e há ainda documentos humanos vivos, mas por pouco tempo, que as gerações morrem.

Também minha mãe foi quase transmontana e levou para longe as únicas recordações que lhe permitiram os seus parcos anos, as festas da Senhora dos Remédios. De meu pai recebi a saudade da sua Bairrada que ele nunca quis rever, mas que fez crescer em mim como se eu fora realmente filha das terras que ele me deixou da herança de seus pais, e em mim cultivou este imenso amor pelo idioma que eu encontrei aqui tão maltratado.

Registo, à laia de conclusão, algumas passagens das memórias que me deixou meu pai, da terra a que entregou a sua vida desde 1920, a que deu tudo, e onde está sepultado: «Lá vi a minha impotência... vi demonstrações de força, de cobardia, de suborno; vi a brutalidade do branco para o preto, a alma vil a descoberto (…) O mal vem de longe. A perseguição sistemática iniciada aos construtores de Angola vem de muitos lustros atrás. Não houve nada que não fizessem para mergulhar isto num caos. Não é com armas nem com leis que se constrói, que se eleva um património. Eleva-se e consolida-se com amor e persistência. As sanguessugas e os esbirros levam a revolta, podem construir pelo terror, mas não conservam. Com o látego as famílias dissolvem-se, não se consolidam. Amar Angola é amar Portugal, amar Portugal nem sempre é amar Angola.»