A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
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Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

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Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

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sexta-feira, 25 de julho de 2008

MEMÓRIA DO ESQUECIMENTO


1ª Parte – Capítulo V

Um lustro passado, depois outro e vários mais, não voltara a ouvir ninguém rir como seu pai. Gargalhadas sãs, de quem está de bem consigo e com a vida que é para ser levada sem mágoas, como a água límpida que corre sobre os seixos e os contorna e alisa, com decisão, com transparência e alegria.

Era vê-lo de conversa com os pastores em cada fim de dia, levando o sal que distribuía com uma grande colher de madeira ao longo do estreito atalho de conduzia ao rio, abaixo da casa. Bordão na mão, tocava de leve este ou aquele animal, afastando-lhe os chifres para passar, apontando um ou outro para separar, aquela porque está prenhe, este para castrar, aquele negro e mocho, de saliência no alto da cabeça, para manter e apurar a raça. No meio de cada tarefa de cavador ou servente, a sua chegada era recebida com agrado, conversa solta que ele não entendia, mas que breve suscitava ruídos de prazer que nunca soube imitar: gargalhadas de criança grande que dobra o riso e faz sorrir quem presencia.

Na sua mente cansada, perpassavam episódios que gostaria de reviver ali. No tempo do cacimbo, lá para os finais da colheita, acontecia aparecer um Sècuulo, velho idoso e muito respeitado, de longas barbas muito brancas, que só esporadicamente saía de casa. Eram-lhe prestadas certas deferências e, nesse dia, as conversas eram sempre mais moderadas, com cumprimentos efusivos e respeitosos. Seu pai conversava alegremente com ele, entre palmas e risos, pois as recordações de episódios passados em comum sucediam-se e era do agrado de todos que os partilhassem. Cultivava-se o prazer da conversa e o diálogo entre os dois velhos era escutado com devoção pelos presentes.

Portugal não sabe rir, é a fome, dizia seu pai. Mas agora não é a fome, é porque fica bem, porque assim devem ser os europeus. As pessoas devem ser contidas, severas no gesto, que o riso é alvar, é próprio dos tolos ou de quem está embriagado. Apenas sorrir é conveniente. Dixit.

Também ele já perdera a alegria. Chegou a sua vez no atendimento e felizmente alguém afável e eficiente consegue mesmo que aproveite o dia considerado perdido. Havia uma desistência e, entre telefonar e convocar quem não estava presente, cedeu-lhe a oportunidade. Para ele foi duplamente benéfico: primeiro, por não ter de voltar à policlínica e não ter de pensar mais nos exames médicos que tanto o contrariavam; segundo, porque dispunha de cada vez menos tempo para o seu trabalho que via amontoar-se em papéis e responsabilidades, tendo a perfeita noção de dia a dia se ver mais incapaz de assumir e concretizar. Há muito tempo, há demasiado tempo vinha acordando cansado, preocupado, inquieto e vazio. Tinha sempre de preparar aulas, matérias e testes, apressar a correcção dos que haviam sido feitos e nem sentia a cabeça, completamente oca, como se houvesse sido esvaziada, incapaz de coordenar o que quer que fosse. Fazia um esforço inumano para se levantar, ele que saltava da cama ainda há pouco, pronto a desafiar o mundo, no entusiasmo de viver cada dia contagiando os outros do seu prazer no trabalho, transmitindo a força que nem sempre sentia, mas passando-a, embora.

Levaram-no a um espaço exíguo para que se despisse e colocasse uma espécie de bata, tarefa que efectuou pausadamente. Sem grande demora, passou a uma sala relativamente grande e vazia, toda branca, branca como o que via agora dentro de si, roda de cores deslizando qual ventoinha tocada por vento forte, rodando, rodando e perdendo a coloração na velocidade. Ao fundo mal viu o que lhe pareceu um forno crematório. Foi convidado a deitar-se numa maca e na horizontal o conduziram para o túnel que a sua mente logo classificou de impróprio, desconfortável e deprimente. Cerrou os olhos com muita força.

(segue)


3 comentários:

Klatuu o embuçado disse...

«Portugal não sabe rir, é a fome, dizia seu pai. Mas agora não é a fome, é porque fica bem, porque assim devem ser os europeus. As pessoas devem ser contidas, severas no gesto, que o riso é alvar, é próprio dos tolos ou de quem está embriagado. Apenas sorrir é conveniente. Dixit.»

Das coisas mais certeiras que li aqui. Não são as terras, as pessoas, o orgulho, a memória, os costumes - é a Alma de Portugal que se vende!

andorinha disse...

Ler-te é um prazer.
Repito-me, mas é a pura verdade:)

Saliento o excerto já referido pelo Klatuu.
José Gil afirmou algo do género: em crianças somos alegres, divertidos; em adultos vestimos um uniforme, deixamos de rir porque não fica bem, tornamo-nos cinzentos.
Será isto uma fatalidade?

Beijinho.

Rocha de Sousa disse...

A lenta passagem do das horas para
a consulta, admiravelmente dita. O tempo atinge, impiedoso, certeiro, a alma do personagem. Toda a sua incerteza se confunde com as tarefas que ainda o norteiam, uma ideia de vida, afinal, o sentido último da sobrevivência. O simples pormenor de uma falha providencial na fila de condenados à espera, criando a oportunidade devida ao personagem, marca o ritmo de uma terra talvez interior, vigiada por Deus com a sua habitual miopia.
Roche de Sousa