A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

Albufeira, Alcáçovas, Alcochete, Alcoutim, Alhos Vedros, Aljezur, Aljustrel, Allariz (Galiza), Almada, Almodôvar, Alverca, Amadora, Amarante, Angra do Heroísmo, Arraiolos, Assomada (Cabo Verde), Aveiro, Azeitão, Baía (Brasil), Bairro Português de Malaca (Malásia), Barcelos, Batalha, Beja, Belmonte, Belo Horizonte (Brasil), Bissau (Guiné), Bombarral, Braga, Bragança, Brasília (Brasil), Cacém, Caldas da Rainha, Caneças, Campinas (Brasil), Carnide, Cascais, Castro Marim, Castro Verde, Chaves, Cidade Velha (Cabo Verde), Coimbra, Coruche, Díli (Timor), Elvas, Ericeira, Espinho, Estremoz, Évora, Faial, Famalicão, Faro, Felgueiras, Figueira da Foz, Freixo de Espada à Cinta, Fortaleza (Brasil), Guarda, Guimarães, Idanha-a-Nova, João Pessoa (Brasil), Juiz de Fora (Brasil), Lagoa, Lagos, Leiria, Lisboa, Loulé, Loures, Luanda (Angola), Mafra, Mangualde, Marco de Canavezes, Mem Martins, Messines, Mindelo (Cabo Verde), Mira, Mirandela, Montargil, Montijo, Murtosa, Nazaré, Nova Iorque (EUA), Odivelas, Oeiras, Olhão, Ourense (Galiza), Ovar, Pangim (Goa), Pinhel, Pisa (Itália), Ponte de Sor, Pontevedra (Galiza), Portalegre, Portimão, Porto, Praia (Cabo Verde), Queluz, Recife (Brasil), Redondo, Régua, Rio de Janeiro (Brasil), Rio Maior, Sabugal, Sacavém, Sagres, Santarém, Santiago de Compostela (Galiza), São Brás de Alportel, São João da Madeira, São João d’El Rei (Brasil), São Paulo (Brasil), Seixal, Sesimbra, Setúbal, Silves, Sintra, Tavira, Teresina (Brasil), Tomar, Torres Novas, Torres Vedras, Trofa, Turim (Itália), Viana do Castelo, Vigo (Galiza), Vila do Bispo, Vila Meã, Vila Nova de Cerveira, Vila Nova de Foz Côa, Vila Nova de São Bento, Vila Real, Vila Real de Santo António e Vila Viçosa.
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quarta-feira, 28 de março de 2012

Faria hoje 202 anos...

"Herculano não acredita nem no escol da nação nem na populaça sempre pronta a seguir o político mais hábil em palavras e mais fértil em empregos: mas acredita no povo, na gente tenaz, sóbria, calma, generosa, optimista, cheia de inteligência prática e de bom senso, que formara outrora um país modelar e era capaz, se encontrasse bons chefes, de voltar ao nível de vida dos tempos antigos".

Alexandre Herculano, Lisboa, Edição do Autor, 1942, p. 21.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Cadernos de Agostinho da Silva (excertos)

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"Os homens, porém, não desistiam de voar e vários foram os estudos teóricos e as tentativas de prática que se fizeram durante os séculos XVI e XVII. Como era natural, juntavam-se aos que procuravam resolver o problema e se sacrificavam pelas suas ideias os que apenas pretendiam obter dinheiro de maneira fácil; outros ainda eram ho¬nestos, mas deixavam-se arrastar por uma imagi¬nação sem limites; havia gente que prometia voar de tal ponto a tal outro, marcando o dia e a hora, sem ter feito uma experiência e, como não podia deixar de ser falhava completamente; é na história da aviação que se encontram talvez os exemplos mais curiosos desta doença de ima¬ginação que faz tomar como realidades o que não existe; o povo que se juntava para assistir às experiências não era, no entanto, amador de estudos de psicologia e vários precursores da aviação foram maltratados pelas multidões que os não viam desprender-se do solo, conforme fora prometido. De alguns, mesmo, não temos elementos suficientes para saber se fizeram algumas experiências de resul¬tados positivos: parece, no entanto, que reali¬zaram alguns voos um Besnier, dos fins do sé¬culo XVII e um Paschius, também da mesma época. Todos estes voos, se se fizeram, foram voos planados: o aviador munia-se de uma espécie de asas, procurava um lugar elevado, colina ou torre, e lançava-se no espaço; alguns, pelo menos, já sabiam que ainda faltava a força mo¬triz suficiente para que o homem pudesse voar como as aves."

Os primeiros Aviões, Lisboa, Edição do Autor, 1943

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Cadernos de Agostinho da Silva (excertos)

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"Era evidente que o túnel estava perdido; só o encerramento da porta o poderia salvar e de¬pois do que tinha passado Lambert, nenhum outro mergulhador se atrevia a tentar a proeza; quanto a Lambert, as três viagens tinham sido suficientes e ninguém esperava vê-lo mergulhar de novo; mas Lambert era da raça dos homens que não desistem do que uma vez tentaram e apresentou-se para a quarta descida; os operá¬rios, os engenheiros, os habitantes das terras vi¬zinhas juntaram-se todos à borda do poço, com uma ansiedade ainda maior do que das outras vezes: sabiam que Lambert descera decidido a tentar o último esforço, mesmo que lhe faltasse oxigénio para o regresso. Em baixo, a 60 me¬tros da superfície, Lambert avançava, já com o caminho mais livre, graças ao trabalho das ou¬tras viagens; chegou à porta de ferro, conseguiu tirar os carris que obstruíam a porta e manejou o parafuso da porta-estanque; o trabalho estava feito, a água deixava de entrar e, ao fim de hora e meia, Lambert voltava ao poço de saída e era aclamado por todos como um herói."

Como se faz um Túnel, Lisboa, Edição do Autor, 1943, pp. 30-31.


segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Cadernos de Agostinho da Silva (excertos)

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(...)
Na tenda, todos estavam deitados nos sacos e Scott escrevia; deixava uma carta à mulher de Wilson dizendo-lhe como o marido morria calmo, depois de se ter portado como o mais valente dos camaradas e o mais fiel dos amigos; outra à mãi de Bowers, com o elogio da coragem, da energia e da nobreza de alma do filho; depois despedia-se dos amigos, com uma palavra de gratidão e de saüdade a cada um; por fim, redigiu uma mensagem ao público, apontando as causas que tinham levado ao desastre — o estado do tempo e o estado do gelo; e terminava: «Se escapássemos com vida, teria para vos contar uma história da intrepidez, da resistência e da coragem dos meus com¬panheiros que faria vibrar a alma de todos os in¬gleses; estas minhas notas e os nossos cadáveres ficarão a contá-la...»
Por último, a 29, fizeram com o resto do alcool duas chávenas de chá para cada um; fora, a tem¬pestade continuava sem mostras de abrandar; era impossível sair: «agüentar-nos-emos até o fim, mas o fim não está longe». Já não podia escrever mais; a mão trémula apenas conseguiu traçar mais uma frase: «Pelo amor de Deus, olhem pelos nossos.»
Oito meses depois uma expedição de socorro encontrou a tenda enterrada sob Im,20 de neve; só o bambu da vela do trenó indicava onde tinham feito o último acampamento; escavaram a neve e viram os três homens: Bowers e Wilson estavam nos sacos, de cada lado de Scott cuja mão pou¬sava sôbre o corpo de Wilson; recolhido o material e os livros, tiraram os bambus e a tenda cobriu os três corpos; depois, recitaram o ofício dos mortos e levantaram uma cruz sôbre um monte de neve; tôda a Barreira estava coberta de sombra; mas no céu uma aurora polar desdobrava os seus véus magníficos de oiro vivo e de vermelho.

In A última viagem de Scott, Lisboa, Seara Nova, 1939, pp. 28-29 (sem actualização ortográfica).

domingo, 30 de agosto de 2009

EVOLUÇÃO

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"o estudo da pré-história leva-nos à conclusão de que o homem não surgiu na terra logo senhor de todas as técnicas e mais ou menos como o conhecemos hoje; foi uma evolução lenta e custosa, tanto no tipo físico como nas indústrias, que século a século foi desprendendo o homem da animalidade pri­mitiva; foi o trabalho constante, persistente, cada vez mais inteligente do próprio homem que lhe deu, a cada ano que passava, um domínio mais seguro sobre os animais e as coisas; o esforço das multidões somou-se à iniciativa dos homens de génio desconhecidos para que ao fim de centenas ou de milhares de anos a humanidade se encontrasse num plano de relativa civilização; o pouco que somos, a nós próprios o devemos; e nada melhor do que o estudo desse longo e lento tactear que se chama a pré-história nos pode dar confiança no futuro da nossa raça. Não são só as técnicas que se desenvolvem, é a própria capacidade craniana que aumenta de um modo sensível. Os que afirmam que a humanidade não poderá nunca aumentar em inteligência e trazem como argumento a comparação entre os homens de hoje e os homens do Egipto ou de Atenas ou da primeira China cometem um erro grosseiro; porque os 3.000 ou 5.000 anos que nos separam dessas civilizações nada significam à vista das centenas de séculos das indústrias pré-históricas; a duração da história é ínfima em relação à da pré-história.”[1].

[1] A Arte Pré-Histórica, Lisboa, Edição do Autor, 1940, pp. 3-4.

CAPITALISMO

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“É característica do sistema económico que tornou possível o avanço da humanidade, até o ponto em que hoje nos encontramos, a concorrência, cujo resultado favorável para o indivíduo se exprime pelo lucro; nenhuma das grandes conquistas do homem no domí­nio da técnica se teria podido fazer sem o sistema de propriedade individual dos meios de produção e de transporte e, portanto, sem a existência do lucro; pelo sacrifício, aos milhões, dos mais fracos de inteligência ou de corpo se salvaram e puderam viver os que ti­nham as qualidades de iniciativa, de audácia, de per­sistência que podiam assegurar o triunfo longínquo; as técnicas da produção eram tão rudimentares que uma propriedade comum, com distribuição equitativa, seria a miséria para todos, o estancar definitivo de todo o impulso de avanço; as exortações de Cristo, seguidas integralmente na época em que as fez — ou até há pouco tempo — teriam significado o desapareci­mento das possibilidades de uma vida mais bela e mais forte, teriam significado que nunca mais o reino divino que Jesus pregava se teria podido estabelecer na terra”[1].

[1] As Cooperativas, Lisboa, Edição do Autor, 1942, p. 6.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

GIL VICENTE

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“Gil Vicente (1465?-1537?) tem ligações mais direc­tas com os poetas satíricos dos cancioneiros provença­lescos e do Cancioneiro de Resende e a sua obra, pelo movimento geral, integra-se muito mais na Idade Mé­dia do que no Renascimento; as próprias alusões às empresas de além mar são ainda feitas sob o ponto de vista medieval. Os seus Autos, quase sempre satíricos, embora com trechos líricos de excelente qualidade, são simples apontamentos, esboços de obras que fica­ram por completar; a construção é bastante defeituosa, nenhum dos caracteres aparece explorado a fundo, ne­nhuma das situações aproveitada como o poderia ser; o talento de Gil Vicente dispersa-se em improvisos, sem dúvida notáveis, mas que não podem de modo algum competir com as grandes obras do teatro mun­dial. No entanto, não faltavam ao poeta nem a ima­ginação, nem a facilidade do verso, nem o sentido do teatro, nem a objectividade, nem até uma certa eleva­ção de pensamento; o meio que lhe permitiu escrever, a corte, prejudicou-o também pela futilidade, pelo ca­rácter breve de divertimento que exigia em tudo, e que não podia ter deixado de marcar Gil Vicente, apesar da sua relativa independência de juízos. Em todo o caso, alguns dos seus melhores trabalhos, o Auto da Índia, a Farsa de Inês Pereira, os Autos das Barcas, Quem tem farelos, Jubileu de Amores, Auto da Feira, o Velho da Horta, o Triunfo do Inverno, têm quali­dades inegáveis de força crítica, de inspiração e de originalidade”[1]

[1] Literatura Portuguesa, Lisboa, Edição do Autor, 1944, pp. 6-7.

FERNÃO LOPES

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“um dos melhores escritores portugueses e com toda a possibilidade de sustentar comparação com os grandes cronistas estrangeiros; a época que escolheu, ou lhe foi imposta, como tema da sua história, desde o reinado de D. Pedro até ao de D. João I, era fértil em acontecimentos dramáticos que serviam maravilhosamente o génio do escritor; o seu ardente patriotismo, que não o leva em todo o caso a deturpar a verdade, a sua simpatia pelo povo, o seu gosto do pitoresco, a capacidade de movimentar gran­des massas, a nitidez e a finura dos retratos psicológi­cos, a imparcialidade de que só os grandes artistas são capazes, dão a Fernão Lopes um lugar excepcional na literatura histórica da sua época”[1]

[1] Literatura Portuguesa, Lisboa, Edição do Autor, 1944, p. 5.

LIVINGSTONE (DAVID)

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“com Livingstone as derrotas serviam apenas para o ajudar no seu caminho; eram, por um lado, os tónicos que lhe fortaleciam ainda mais a vontade, por outro lado as experiências que lhe alargavam as possibilidades de acção”[1].

[1] As viagens de Livingstone, Lisboa, Edição do Autor, 1944, p. 16.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

SÓCRATES

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"Os ódios foram-se acumu­lando, sem que Sócrates fizesse nada para os aplacar; continuava na sua missão de esclarecer os espíritos e não era o medo que o poderia desviar da empresa que tomara; nesse ponto, não tinha domínio sobre si, não poderia deixar de ser o que era. Contava bastante cerca de setenta anos, quando Melito, poeta medíocre, o acusou perante o tribunal de não respei­tar os deuses da cidade e de corromper a juventude; acusaram-no também dos mesmos crimes Anito e Licon, um como representante do povo democrata, o ou­tro como representante dos políticos; na audiência que se realizou pouco depois, Sócrates não adoptou ne­nhum dos processos que eram vulgares nos tribunais para enternecer os juízes; desejava que eles julgassem em plena consciência"

In Sócrates, Lisboa, Edição do Autor, 1943, p. 23.

ALEXANDRE HERCULANO

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"Vale de Lobos não foi um refúgio, a tebaida de um proscrito do mundo, mas uma base melhor de combate, porque, não o impedindo de escrever, lhe dava mais fundo conhecimento do povo actual, lhe permitia ensiná-lo na actividade agrícola que sempre olhara como primordial, e o afastava do meio corrompido, inútil e enfraquecedor da capital; Herculano não acredita nem no escol da nação nem na populaça sempre pronta a seguir o político mais hábil em palavras e mais fértil em empregos: mas acredita no povo, na gente tenaz, sóbria, calma, generosa, optimista, cheia de inteligência prática e de bom senso, que formara outrora um país modelar e era capaz, se encontrasse bons chefes, de voltar ao nível de vida dos tempos antigos.
Na quinta adquirida com o produto do seu traba­lho e melhorada no cultivo dedicou-se Herculano a fabricar azeite que rapidamente se impôs como o me­lhor que aparecia no mercado; o homem que recusara as condecorações que se davam aos titulares de fresca data e aos afilhados de ministros, orgulhava-se da me­dalha que recebera numa exposição agrícola; e, pacien­temente, mas sempre com o seu jeito de certa rudeza, ia instruindo os camponeses, dando-lhes o exemplo do seu trabalho, defendendo todo o direito que tinham, e ninguém reconhecia, de se alimentarem, se vestirem, se instruírem como homens; a quem lhe pergunta pe­los meios de evitar a emigração, replica que se melho­rem as condições do trabalhador português, que feliz na pátria, não precisará de a abandonar. Em 75 escreve novos estudos históricos com os artigos sobre o Feuda­lismo em Portugal, em que defendia a inexistência do regime na nossa Idade-Média; dois anos depois recebe a visita de D. Pedro, imperador do Brasil, e, na vinda a Lisboa em Setembro, um golpe de frio fez que se declarasse uma pneumonia; ainda voltou a Vale de Lobos, mas nunca mais se levantou: faleceu a 13, à noitinha, depois de ter pedido que lhe abrissem as janelas, para ver pela última vez as suas oliveiras."

In Alexandre Herculano, Lisboa, Edição do Autor, 1942, pp. 21-22.

domingo, 23 de agosto de 2009

PITÁGORAS

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“ensinava uma doutrina de transmigração das almas, o que era apenas talvez uma forma poética de afirmar um parentesco entre os animais e os homens; adoptava e fazia adoptar uma série de proibições alimentares, em parte por considerações higiénicas, em parte por motivos místicos; mas a ori­ginalidade de Pitágoras esteve em juntar às purifica­ções vulgares a purificação pela ciência; parecem não ter outra origem os estudos de aritmética e geometria, com a atenção especial dada às combinações numéricas e a possível descoberta da incomensurabilidade da dia­gonal e do lado do quadrado; houve também estudos sobre os intervalos harmónicos e daqui se teria passado à ideia de que todo o mundo podia ser reduzido a números, mais tarde identificados com figuras geométricas, com disposições de pontos extensos no espaço. A cosmologia de Pitágoras é obscura, parecendo que vem dos discípulos a ideia de que a terra não é o centro do universo; haveria e meio um fogo, que não é o sol, à volta do qual girariam os planetas, sendo a terra um deles; os eclipses eram explicados pela existência de uma anti-terra. Tanto para Pitágoras como para os discípulos, a alma não era um princípio espi­ritual, mas uma harmonia dos elementos do corpo, não podendo, portanto, existir sem eles; a falta de tex­tos impede-nos de saber de que modo ligava Pitágoras esta ideia com a de transmigração; mas o mais impor­tante fica estabelecido: o espiritual não entrava ainda nas considerações dos pensadores gregos; facilmente podia ter aparecido neste momento, quer pela afirma­ção duma alma, quer pela da constituição numérica do universo: mas fechavam o caminho a atribuição de extensão aos pontos e o considerar-se a alma uma sim­ples harmonia dos elementos do corpo.”[1]

[1] Filosofia Pré-Socrática, Lisboa, Edição do Autor, 1942, pp. 9-10.

sábado, 22 de agosto de 2009

Cadernos de Agostinho da Silva (excertos): entre Beethoven e Mozart

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“Beethoven não tinha a graça cor­tesã, o gosto das bonitas casacas, as maneiras amáveis que tinham assegurado, juntamente com o talento, o triunfo do pequeno Mozart; não havia nele as harmo­nias que naturais se exalam, joviais e delicadas; era a força que se concentra e procura o seu caminho, era a batalha que se prepara em segredo, quase em silêncio, a suspensão temerosa que precede o fragor dos ribom­bos; quem o escutava achava-o estranho, pressentia­-lhe a futura grandeza, mas afastava-se sem que um traço infantil o atraísse”[1]

[1] Beethoven, Lisboa, Edição do Autor, 1942, p. 6. Cf., igualmente, p. 9: “anun­ciava-se uma era nova para toda a humanidade, os pei­tos fremiam de entusiasmo e suportavam-se todas as violências do presente com a certeza de que dentro em breve todo o sonho doloroso estaria dissipado; era uma forte marcha do progresso e do triunfo a que devia ressoar em cada alma, não as brandas-melodias de Mozart”.

Cadernos de Agostinho da Silva (excertos): entre Cristo e Buda

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"se se considerar religioso o que falar em Deus ou mostrar veneração por um lugar de ritos, certamente que Jesus tem de ser contado entre os religiosos; se, porém, se tomar como atitude religiosa a de uma forte consciência moral em face de todos os problemas universais, a de quem procura uma solução do problema essencial da existência, isto é, do problema do bem e do mal, com todas as suas implicações, procurando ir até aos limites da questão e não recuando perante o que aparece como resultado, o que fez, por exemplo, um Buda, então Cristo não pode apontar-se como um grande mestre religioso; nem uma única vez ele põe a dificuldade e toda a sua força espiritual parece empregar-se no sentido de que se organize a terra de modo que a vida material aos homens não pese sobre eles e as almas possam dedicar-se ao que é verdadeiramente humano; Buda fala dos problemas que existiriam, mesmo para o homem que tivesse toda a parte material da sua existência perfeita­mente resolvida: ele próprio é um príncipe que tem tudo quanto quer e que tudo abandona porque sente o trágico da vida, de uma vida que é trágica exactamente porque é vida; a acção, por conse­quência, aparece como um mal para o Buda; o que encontramos em Cristo é bem diferente: Jesus vem dos pobres, é um deles, e interes­sam-no pouco as questões metafísicas, como o interessam pouco as questões morais que não signifiquem uma ajuda para o estabeleci­mento do Reino; a piedade, o amor do próximo, são em Buda uma consequência da vanidade e da dor de viver: deve-se ser bom para tudo o que existe, porque tudo sofre de existir; a piedade de Jesus, o amor que ele reclama são uma força revolucionária, neste sentido de que hão-de apressar a vinda do mundo divinizado: se o rico amasse o seu irmão, pensa Jesus, as riquezas igualmente distribuídas dariam para todos e o mundo seria feliz; mas Buda, ao abandonar a riqueza, não o faz por amor aos outros: sendo pobre sofre menos, porque vive com menos intensidade. Exactamente porque não anseia por ne­nhum modelo do mundo, mas quer abolir o mundo, exactamente porque não tem de apontar aos homens um padrão de existência e uma esperança de protecção, mas o Nada, Buda não precisa de Deus; em Jesus ele aparece continuamente e tão presente em tudo, nos céus, na terra, nas plantas e nos meninos, que quase poderíamos falar num panteísmo, se, por outro lado, Jesus não mantivesse firme a ideia de um mundo absolutamente distinto de Deus; o que é certo, no entanto, é que o Deus de Cristo não aparece definido com clare­za; a ele, que vem pregar uma transformação social, basta-lhe a ideia de um Pai, Senhor do mundo, Criador dos homens, extremamente bondoso e extremamente justo, que ajudará seus filhos a possuírem o Reino e castigará os que se opuserem à vitória dos pobres; quanto ao resto, Deus é a um tempo pessoal e impessoal, transcendente e imanente, e ficam por resolver, até, nalguns casos, por tocar, proble­mas ligados ao de Deus e tão importantes como o das relações entre o homem e o espírito divino, o do bem e do mal, o do livre arbítrio e do fatalismo, o da conciliação de uma suprema bondade com uma suprema justiça."

In O Cristianismo, Lisboa, Edição do Autor, 1942, pp. 14-15.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

HORÁCIO

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“é um epicurista que ficou na primeira parte da filosofia de Epicuro, que não se preocupa muito em olhar a vida como uma missão, mas antes como um breve tempo de luz, de graça e de prazer, entre dois mundos em que as trevas parecem dominar; não aspira a grandes faustos, teme por outro lado, a pobreza importuna: o seu ideal está na dourada mediocridade que, aliviando-o de todos os trabalhos que lhe poderiam roubar tempo, lhe permitia ter a sua casa de campo, conversar com os amigos, escrever sos­segadamente as suas odes e as suas sátiras; há em Horácio, apesar dos ataques de cólera que o tomam de onde a onde, uma benevolência universal: se troça de alguém, a zombaria é sempre benigna e com íntimos desejos de que o satirizado continue com os seus defei­tos, que tornam o mundo tão gracioso, tão variado, tão habitável; mesmo na Arte Poética em que era tão fácil ser superior e pedante, Horácio se mantém no tom familiar e cortês que lhe era próprio; como arte, as poesias de Horácio são de uma perfeição de estilo, de uma nitidez de trabalho, de uma clara har­monia de linguagem, de uma precisão e sobriedade de imagens que as tornam as de mais apurada técnica de toda a poesia latina”[1]

[1] Literatura Latina, Lisboa, Edição do Autor, 1942, pp. 14-15.

EPICURO

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“Com o aparecimento do cristianismo decai a popularidade de Epicuro; a nova religião não podia deixar de lhe ser hostil; a ideia de deuses que se não interes­sam pelo mundo, a negativa da imortalidade da alma, um ascetismo que se não apresentava como um martí­rio do corpo, eram completamente incompatíveis com as doutrinas cristãs. Só no século XVI se assiste ao renascimento do epicurismo, embora haja notícia de discípulos de Epicuro durante toda a idade média: o interesse pela antiguidade e a reacção contra a vida medieval, no que ela tinha de desprendimento da terra e do culto exclusivista do espírito, fazem que certos escritores voltem ao estudo de Epicuro, timidamente a princípio, depois com mais segurança; há epicurismo em Montaigne, e Vanini, nos princípios do século XVII, é supliciado em virtude das suas ideias epicuristas; mais tarde Gassendi e Hobbes renovam Epicuro, e Spinoza sofre a sua influência, que se prolonga, por intermédio de quase todos os «enciclopedistas» franceses, até Ben­tham e Stuart Mill, já no século XIX.”[1].

[1] O pensamento de Epicuro, Lisboa, Edição do Autor, 1940, pp. 17-18.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

PIERRE CURIE

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“…mesmo o trabalho constituía para ele um elemento indispensável na vida: adorava a luta dramática que trava o sábio com a natureza para lhe arrancar o seu segredo, as longas horas de laboratório, com os homens que se movem silenciosos e serenos, absorvidos no seu meditar; nenhum jogo era mais apaixonante do que montar uma experiência, vê-la progredir na incerteza, no desconhecimento do que vai surgir, ou esperar ansiosamente que o resul­tado venha confirmar a teoria que se arquitectou; ali; se sentia puramente que o prazer do jogo supera o de ganhar ou perder; a experiência inútil ou falhada dava-lhe horas de vibração tão intensas como a expe­riência com bom êxito; e era ainda mais do que a segunda, excitante e tónica; na vitória havia sempre um sabor de desalento, um vago sentir que se passou a ser inútil, já que se atingiu o objectivo; mas no erro que se cometeu, que promessas de novas horas de profundo interesse, de aparelhos a imaginar, de monta­gens elegantes, de outro violento palpitar perante a decisão; era seguro que nenhum artista vivia tão in­tensamente como ele; e no viver intensamente encon­trava Pierre Curie o meio de suportar os próprios males da vida.”[1].

[1] A vida de Pierre Curie, Lisboa, Edição do Autor, 1940, p. 11-12.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Daquele que era, alegadamente, "contra o trabalho".

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VAN GOGH

“desenhava 12 horas por dia e já às quatro da manhã se encontrava no campo a surpreender os efeitos do céu; corrigia-se pela medita­ção dos grandes artistas do passado e pela contempla­ção cada vez mais penetrante do que os seus olhos viam; não lhe escapava nenhum elemento dos que verdadeiramente podiam servir à sua preparação; esta­belecera como princípio firme que só são grandes os que querem ser grandes e que a inspiração na arte não vem como uma fada benfazeja aos ociosos, mas como o resultado dum longo, paciente e inteligente trabalho.”[1].

[1] A vida e a arte de Van Gogh, Lisboa, Edição do Autor, 1940, p. 18.

domingo, 16 de agosto de 2009

FERNÃO DE MAGALHÃES

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“Poucos atentaram nos resultados científicos da expedição de Magalhães; e, no entanto, ficava plenamente assegurado que a Terra era redonda, que a América era um continente isolado, que o imenso Pacífico a separava da Ásia, não mais se podendo afirmar que a massa de continentes era superior à massa dos oceanos; nenhuma outra viagem teria como esta tão grande importância para o pro­gresso da ciência geográfica.”[1].

[1] A Primeira Volta ao Mundo, Lisboa, Edição do Autor, 1940, pp. 21-22.