O despojo, um crânio sobre pneus,
Confunde a esfinge e o seu escriba
Sentado. (O búzio
Perdeu a ressonância,
Não canta por si,
É preciso soprá-lo.)
O deserto derrete as páginas.
Ecos, cópias, luzes falsas.
Lucrécio atormenta-se em casa,
Trancado com o Universo… enigmas
Prenhes de enigmas prenhes
De enigmas... Lucrécio não tem fundo.
E, de noite, o deus
Fá-lo cantar.
Imundície, pestes, mentiras.
(Quem comanda os meus passos?
As vielas, o tear de túneis,
Mergulham no Hades.)
Telémaco no bordel.
Penélope no secador.
As parcas douradas que tecem as ruas
Tecem o labirinto. Os sinais. Os corvos
De Zeus devoraram-se
No ar. Ulisses,
Não encontra o caminho de volta.
As vagas e os campos
São martelados pela tempestade.
As tochas dançam sem faunos,
Nem música. A nudez,
A beleza, etc, são agora crime.
Os lagos foram abandonados.
A populaça em fúria
Persegue o Minotauro,
Os cegos, o rapaz
De braços de gafanhoto que nasceu
Com seios, o chiador,
Os disformes; mongolóides, anões.
Os centauros são abatidos nas praças.
Teseu de ariana espada vem para nós
A 120 km/h da hidra subterrânea.
(Livros, rosas, seios, não sei,
Faltam-me as palavras.
A guerra – em breve
Os poetas serão um luxo.)
20 comentários:
Visual interesante a conjunção de poema e imagem.
Bom dia!
Beijinho..:)=
Não terás esquecido uma Ariadne algures por aí...?!
Belíssimo post no seu conjunto.
Um abraço
Não confio em mulheres belas de dedal e novelo... :)
Beijinho.
Biazona! :)=
O visual chamou-me a atenção e tive de ler -claro- embora, quando comecei, não tivesse sequer olhado para o autor.
Mas ao segundo ou terceiro verso desci os olhos na página, certa de que eras tu.
Gostei.
Muito.
Dizes o labirinto, que é também a caixa de Pandora: Europa. Mas deste lado dos Pirinéus, o touro nunca chegou a atravessar as águas.
Um abraço, caríssimo.
Que viagem!...
:)
beijo*
Visualmente agradável!
Abraço.
poema riquíssimo de imagens. o mapa entrecortado mpor debaixo é uma idéia interessante, mas o que realmente chama atenção são as imagens que brotam das palavras..
muito bom.
abraço
O Fabricio antecipou-se e tirou-me as palavras do teclado...
Excelente!
De zero a vinte? Dezanove:)
Beijinhos
*Obrigado, Fabrício!
Abraço!
*Os touros são criaturas sagazes... :)
Abraço, Casimiro!
*Se eu conseguisse meter a Legião em movimento é que seria! :)=
Abraço, Ruela!
*Beijinhos, meninas do Mal... :)
NOTA: Este poema resultou da perturbadora leitura da obra «Europa» de Adolfo Casais Monteiro.
EUROPA
Europa, sonho futuro!
Europa, manhã por vir,
fronteiras sem cães de guarda
nações com seu riso franco
abertas de par em par!
Europa sem misérias arrastando seus
andrajos, virás um dia? virá o dia
em que renasças purificada?
Serás um dia o lar comum dos que nasceram
no teu solo devastado?
Saberás renascer, Fénix, das cinzas
em que arda enfim, falsa grandeza,
a glória que teus povos se sonharam
- cada um para si te querendo toda?
Europa, sonho futuro,
se algum dia há-de ser!
Europa que não soubeste
ouvir do fundo dos tempos
a voz na treva clamando
que tua grandeza não era
só do espírito seres pródiga
se do pão eras avara!
Tua grandeza a fizeram
os que nunca perguntaram
a raça por quem serviam.
Tua glória a ganharam
mãos que livre modelaram
teu corpo livre de algemas
num sonho sempre a alcançar!
Europa, ó mundo a criar
Europa, ó sonho por vir
enquanto à terra não desçam
as vozes que já moldaram
tua figura ideal!
Europa, sonho incriado,
até ao dia em que desça
teu espírito sobre as águas!
Europa sem misérias arrastando seus
andrajos, virás um dia? virá o dia
em que renasças purificada?
Serás um dia o lar comum dos que nasceram
no teu solo devastado?
Renascerás, Fénix, das cinzas
do teu corpo dividido?
Europa, tu virás só quando entre nações
o ódio não tiver a última palavra,
ao ódio não guiar a mão avara.
à mão não der alento o cavo som de enterro
dos cofres dirigindo o sangue do rebanho
- e do rebanho morto, enfim, à luz do dia,
o homem que sonhaste, Europa, seja vida!
Adolfo Casais Monteiro
In «Europa», 1946
(O confidente epistolográfico de Fernando Pessoa, divulgador prematuro do poeta e estudioso da obra, grande poeta também, pensador sólido, injustamente esquecido pelas «elites« de treta desde País, nasceu no Porto a 4/7/1908 - faleceu em São Paulo, Brasil, a 24/7/1972)
LINK.
P. S. Divulgam-no mais os Brasileiros que nós... Mas, enfim, só no Japão está publicada na íntegra a obra de Wenceslau de Moraes!
Temos tido cá uns responsáveis pelas pastas da Cultura e da Educação...
... Por outro lado, no Brasil quase não se fala em Ronald de Carvalho! Santos da casa...?
Na Wikipedia nem uma referência ao seu papel fundamental e fundador do Modernismo Português!
Esta merdas dão que pensar... mas a quem pensa.
Bom demais o seu poema!
Muito criativo!
Fala-se em Ronald de Carvalho sim, entretanto menos que Manuel Bandeira.
Beijos, Klatuu.
Mais nas universidades? Porque tenho a percepção, quiçá equivocada, que não é muito divulgada a participação de Ronald no modernismo cá... aliás, foram dele muitos dos meios financeiros necessários.
Beijinhos, Lúcia.
Klatuu,
Ronald Carvalho também é bem conhecido no Ensino Médio por seu papel fundamental na Semana de Arte Moderna.Ontem mesmo trabalhei os seguintes poemas: O mercado de prata, de ouro e esmeralda, Epigrama e Uma noite em Los Andes. Ainda hei de trabalhar Brasil e Écloga tropical, isso no Ensino Médio, não há como se não falar dele.
Nas Universidades o acesso aos seu feitos é pleno.
Beijos, querido.
Mas falam da passagem dele por aqui, da participação na Geração de Orpheu e tudo isso?
É que, tal como a entrada da Wikipedia, encontro muito site brasileiro sem essa referência, e não é frequente também encontrar Brasileiro com alguma cultura que saiba desse papel importante de Ronald no Modernismo de cá.
Beijos, Lúcia.
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