A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

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Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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quarta-feira, 20 de agosto de 2008

MEMÓRIA DO ESQUECIMENTO


1ª Parte – Capítulo VIII

– Ai...uuu...é! Ai...uuu...é!

Eu brincava na vala sobre as raízes da tangerineira que lhe serviam de ponte e onde atava moinhos de cana que rodavam com a corrente. A mesma que atravessava o quintal entrando pelo tanque de lavar a roupa, onde o musgo prendia avencas que se espelhavam vaidosas à sombra da roseira de molhos de flores cremes, pequenas e olorosas, passava pela goiabeira ao lado e corria até bem ao fundo da horta, por entre as laranjeiras, esgueirando-se depois sob o muro até à lagoa grande lá em baixo.

A vala continha tesouros sem preço, nas noites ressoando o croá-croá dos sapos de goela inchada, os fios de gelatina pintalgados e esguios, longos, longos, presos nas beiras e ondeando coleantes na correnteza alegre. Os girinos escuros chegados logo depois dando à cauda, escorriam por entre os nossos dedos que em vão os queriam reter, ocupando horas infindas dos nossos dias.

A algazarra era imensa lá fora e eu trepei ao muro de adobe no fundo do quintal para mais depressa saber o que se passava. Corri um pouco ao longo do mesmo, esbarrei entretanto esfolando-me nas pernas e braços, mas segui em frente, sacudindo de mim a terra.

– Patrão matou jacaré. Vem, menino. Anda ver!

– Mentira… – mas continuei a correr.

Era certo que meu pai tinha saído a seguir ao almoço, fora dar uma volta pela fazenda à caça, decerto descera até ao rio e eu nem sequer o tinha ouvido chegar.

– É... é…! Verdade, menino!

Realmente a carrinha estava parada em frente ao portão grande, ajoujada com o peso do animal de que eu só conseguia ver a cauda pendurada. Cheguei arquejante junto ao círculo onde se juntavam todos: cozinheiro, lavadeira, criados, serventes, pastores, mulheres, garotos. Os mais pequenos escondiam-se agarrados aos panos das mães, assustados; as mulheres juntavam as mãos junto ao rosto como quem reza ou tapavam a boca com uma das mãos, segurando no outro braço o filho de colo; os homens comentavam:

– O’ngando inê...ê...êne!

– Haaca!

– Hum...hu. Avôiô...ô...!

Meu pai sorria, satisfeito, a língua a brincar com o capim seco na boca, de botas altas, enlameadas, rosto afogueado, cabelo colado à testa. Tinha chovido muito nos últimos dias e o rio transbordava, via-se de casa. Havia um tipo de veados que meu pai caçava – chissóvio – que habitavam os capinzais da beira-rio e raramente apareciam, saindo apenas durante as cheias, quando o nível das águas os forçava, e por isso meu pai descera. A sua carne era muito macia, de gosto agradável, e a pele de tom castanho-dourado, com leves riscas brancas no dorso, era sempre aproveitada: depois de salgada e seca ao sol, bem esticada, depois raspada com uma pedra para a amaciar, servia então para atapetar os quartos da casa.

Não era todos os dias que aparecia um crocodilo descuidado nas margens das lagoas de águas turvas que ladeavam o rio. Fora um acaso encontrá-lo e acertar-lhe no ponto certo para o imobilizar de imediato para que não pudesse deslizar para a água. Vezes sem conta os vi dentro do rio, boiando como um tronco pequeno onde se distinguiam apenas os olhos, mas atirar-lhes estava fora de questão, nunca poderiam ser retirados. Foi um dia de festa para todos, pois era muito apreciada a carne branca do réptil. Para nós, ficou a recordação de um cheiro pestilento e nauseabundo, que durante três dias empestou tudo em redor. E a pele.

É verdade, tenho de não me esquecer de estender esta ao sol, agora que está calor. É que no Inverno há demasiada humidade e pode encher-se de bolor. Há que preservá-la, afinal veio comigo de Angola num caixote, salgada, para ser curtida numa casa ali à Praça da Figueira, em Lisboa, vai para 40 anos…

Veio, foi, voltou. E aqui está intacta. Desafiando tudo. Enrolando tudo o que sobra das vidas que ficaram, no seu rolo escuro dentro do papel pardo, no armário húmido.

(segue)

3 comentários:

Ana Beatriz Frusca disse...

Bom demais!

Beijos.

Klatuu o embuçado disse...

Este só me faz lembrar a minha infância de Tarzan... Quero hipopótamos! :)
O termo «hipopótamo» resume muito da magia mítica do meu universo de menino - e depois há muitas coisas mais...

Beijinhos, amiga.

Carlos Gil disse...

nem te atrevas a parar...

:-)