A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

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Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

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sexta-feira, 1 de agosto de 2008

MEMÓRIA DO ESQUECIMENTO


1ª Parte – Capítulo VI

Estou agora a ler a Agustina, a quinta-essência da escrita: olhos gulosos de outros relatos, ambiência vivida, espírito sabedor, prosa forte, concisa, de português nobre. A obra é produto de um trabalho aturado, preciso, organizado. Eu, escrevedor de linhas para expurgar angústias, sopro no vento o meu xangrilá. Os meus dedos tocam as teclas por todos os sonhos e por todos os silêncios, por toda a saudade também, e neles afloram os espíritos dos meus mortos porque eu já sou eles.

Ler Agustina é lembrar que o mistério do Oriente pairou na casa de meus pais com o nome carinhoso que a família sempre deu a meu pai – o tio Chinês – e a minha irmã que, como ele, tinha os olhos ligeiramente oblíquos e salientes, a Chinesa – a Fu-Ling-Chu, para os momentos de arrelia. A magia chegava pelos objectos que decoravam a casa, das arcas de madeira esculpida outras incrustadas a madrepérola, ao bar gravado com dragões e pagodes e homens e pássaros estranhos, nas paredes do escritório os quadros alongados e estreitos de largo passepartout azul, com paisagens elaboradas a folha de cortiça, as chávenas de porcelana finíssima decorados a moedas estranhas, com uma chinesa no fundo quando olhadas à transparência.

No escritório havia dois grandes livros encadernados a vermelho sobre a história da China, e as ilustrações de um elegante Buda dourado e sério, de pernas traçadas, os pássaros, os dragões, aquela estrada larga sobre a Muralha, encantaram os meus olhos de menino. Os dedos tacteavam o ouro das letras na capa, deslizavam por sobre o papel brilhante como para sentir pelo tacto a verdade daquilo que me parecia tão fabuloso. Onde moravam os dragões? Era verdade que lançavam chamas pelas ventas? Tudo tão irreal como as histórias de um outro grande livro que, como os anteriores, só raramente podíamos desfolhar, sentados no colo de quem nos contava o que diziam as letras que ainda não sabíamos ler. Este era encadernado a verde, tinha por título «A Mitologia» e estava no escritório ao lado de dois outros volumes idênticos sobre a Grande Guerra. O Rapto das Sabinas, a Hidra de Lerna, o Velo de Oiro, Hércules e a Serpente, o Labirinto, o Fio de Ariadne, tudo fazia ferver a imaginação que os anos derreteram, como o sol fundiu a cera das asas de Ícaro.

Mas era o grande Buda – tarde soube ser apenas representação de um monge budista, um dos sete deuses da sorte – esculpido em madeira escura, na estante do escritório, de pé, com os braços erguidos e expressão risonha, que deliciava os meus olhos; ele simbolizava o meu pai, ainda hoje evoca em mim lembranças que não se apagam.

Escrever é agora a esperança que me resta, quando já tudo fenece, quando o sol se deita, quando a lua não brilha e as estrelas se apagam. Só a escrita como refúgio quando há paz e tudo está quieto. Porque é preciso tranquilidade para deixar que os nossos dedos falem o que lhes vai na alma, quietude para dizer da exaltação da vida, para transmitir ao mundo algo de apaziguador de todas as tragédias, de todas as angústias, de todos os medos, opressões, desesperos, violência. Porque é preciso esquecer, calar, afagar o soluço, a vaga que às vezes sobe e se agiganta mais e mais.

(segue)

5 comentários:

Carlos Gil disse...

escrita bonita, escorreita, em que nos encadeamos e vamos por ela abaixo sem parar. da "amostra" ficou-me a sede por mais.

Obrigado por este pedaço de Boa escrita.

(Cap. V porquê? pedaço dum projecto em mãos? ou no baú da NA há cap. anteriores? - pergunto pois ainda não o vasculhei todo e, se por lá estão os cap. anteriores vou-me "já já" a eles... :-)

Renato Epifânio disse...

Caro Carlos Gil

Há mais capítulos no baú. É questão de procurar (ver, igualmente, as etiquetas)

Abraço MIL

Carlos Gil disse...

thanks Renato, pela disponibilidade em dar uma mão, a boa notícia e a dica das etiquetas. não me lembrei delas...

abç

Rocha de Sousa disse...

É bom, embora saiba um pouco a sal,
ler esta decorrencia memorialista,
verdadeira para muitos de nós que
também imaginaram a figura do fogo saindo pela boa de bichos ao mesmo tempo míticos e verdadeiros. A Mi-
tologia também.E «A Cabana Indiana»
onde se acolhe um explorador inglês
(contra a chuva) acabando por des-
cobrir aí a verdade, coisa que pro-
rava lá fora.Sem esquecer as aventuras de Salgary e a astronomia
(meio imaginária) de Flamarion.
Buda espreita-nos, do alto da sua
pose inabalável.
Rocha de Sousa

jawaa disse...

Obrigada, Carlos Gil pelas palavras amáveis de interesse e muito obrigada também a Renato Epifânio, sempre atento, pela gentileza de ter respondido em meu lugar.
Acontece que fui de férias apenas por 10 dias, mas férias também de computador, tem de ser.
Um abraço a ambos.