Mulher da Água, Henrique Pousão, 1883
As paredes brancas das casas campestres, com as suas saias amarelo sol e os chapéus de telhas, terra e sangue são corpos habitados por criaturas alheias às leis do mundo.
Este espectáculo de verde, amarelo campestre, mãos velhas, fluxos e refluxos de auto-estradas, caminhos percorridos, sangue coagulado de sentir e calos transpirados em lágrimas, imprimem na minha pele a dialéctica do Homem de Barro, o desconforto de se ir sendo, na simplicidade das horas calejadas.
Ao fim do dia, quando o sol morre para o cálice da geada, gargalhadas infantis rebentam do ventre destas casas meninas, cujos olhos quadrangulares, dançam labaredas impermeáveis à humidade de histórias milenares, que vão sobrevivendo pelo quente, doce toque da palavra destilada.
Com um maternal sopro, que é um beijo ensolarado na intempestiva impertinência do breu, de nuvens que são mundos inimagináveis pelas imaginações de quem não sonha, vêm os sonhos com a agitada calmaria do campestre anoitecer.
Adormecem os meninos de galhos entrançados nos cabelos, mãos sujas de terra e terraços por preencher eternamente.
Do outro lado do trigo, a emergência urbana e política de acompanhamento supersónico, as vestes deliberadas de um desejo mórbido de conquista da liberdade multifacetada, da livre liberdade espontânea por trás da persona entusiástica, de um outro caminho para a pureza – num embalo futurista demasiado acelerado em comparação com a aceleração do último modelo cerebral lançado no mercado humano – ainda guarda em si as crianças das bicicletas pelas ruas afuniladas, dos prédios altos enfeitados de lençóis e peúgas.
Estas mesmas crianças correm já com o vento do Norte, num grito que é um explodir de incontáveis repressões, recalcadas no medo de séculos de calçada esmagada em passos apressados.
Amanhã poderão ser guerreiros intemporais, os das infâncias urbanas, prédios altos, juntar-se-ão aos meninos de galhos no cabelo e mãos sujas de terra, mútuos, irmãos, marionetas dançantes no mesmo compasso de vida e morte, vítimas do nojo humano, com o peito transbordante de amor pela terra de onde emergiram, pelos vales que embalaram as correrias utópicas das infâncias eternas, ou pela silenciosa paisagem citadina de estrelas artesanais, com um inquietante desejo de paz, que não cala no cano de uma espingarda, nem na trovoada de mil canhões, nem no horror de um quadro escarlate de corpos carbonizados, porque o que importa é conquistar o palpitante cântico das árvores, do vento, o cheiro da terra molhada, a interminável Lusitânia com os seus incontáveis cheiros e sabores – pórticos de Pedra e Sal –, o eléctrico que passa sempre à mesma hora, as eternas meninas a saltar à corda e os rapazes que lhes levantam as saias, entre o riso quente das gentes.
4 comentários:
Gosto muito das tuas tardes na Lusitânia. Revejo nelas outras tardes, tardes minhas de outrora, igualmente mornas, melancolicamente observadoras e reflexivas.
Um beijo*
Soberbo; uma vez mais.
Os teus textos são deliciosos, menina...
Um beijo*
Ja havia lido a primeira parte da Uma Tarde na Lusitânia e havia gostado imensamente. Gosto muito de forma como tu lidas com as palavras e tu verve reflexiva.
Beijos.
Entendo cada vez melhor de onde te vem o Fogo... ;)
Beijinhos.
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