.O Negro, João António Correia, 1869
Meu Comandante,
venho por meio desta simples carta abrir-lhe o meu coração e contar-lhe o que me vai na alma e a razão destas minhas febres.
No final das campanhas no Oio, que decorreram de Fevereiro a Março, éramos pouco mais de uma centena de homens e 3000 indígenas aliados e tudo nos correu mal. Atacados em força, um dos régulos passou-se com os seus para o inimigo, a coluna foi destroçada. Gravemente ferido, arrastei-me como um animal durante mais de um dia, a coberto do mato, até encontrar auxílio. Acredite que fiz tudo o que um Oficial poderia e deveria ter feito, mas o fogo cruzado, o número dos que nos atacavam e a traição, a confusão que se gerou, a pouca disciplina destes pretos e os poucos Portugueses com que contava na coluna, não me permitiram fazer mais. Não me sinto um cobarde por ter salvo a minha vida. Eu não quero morrer nestas terras dos infernos.
Os ferimentos estão a sarar e eu sei que não é deles que vêm estas febres que me mergulham no pesadelo. Como o meu Comandante sabe, nós damos Bandeiras aos indígenas que estão por nós, mais para sabermos onde estão e prevenir que a artilharia os fustigue, do que por qualquer outra razão. Durante o combate, as Bandeiras de Portugal que tínhamos dado aos pretos, rápido caíram por terra, é costumeiro. Foi então que, com assombro, reparei que uma se mantinha direita. Eu vi isto de longe, entre a fuzilaria, os gritos e o fumo, mas estou certo do que lhe conto. Um preto alto mantinha-a erguida, rodeado de muitos inimigos, lutava corajosamente, com a Bandeira numa mão e a azagaia na outra, matou muitos e resistiu muito tempo. Chamava-se este bravo, Lamine Injai, e era chefe dos Mandingas nossos aliados. Morreu junto à Bandeira de Portugal, que com tanta valentia defendeu até ao fim.
Não me lembro de alguma vez lhe ter dirigido a palavra. O seu fantasma aparece-me no pesadelo, é um homem de rosto sorridente e honesto e olha-me da morte sem reprovação.
Por favor, meu Comandante, livre-me deste inferno das Áfricas e da minha vergonha.
Encarecidamente,
Tenente Graça Falcão,
25 de Abril de 1897, Farim, Guiné Portuguesa.
Lord of Erewhon
Link.
Meu Comandante,
venho por meio desta simples carta abrir-lhe o meu coração e contar-lhe o que me vai na alma e a razão destas minhas febres.
No final das campanhas no Oio, que decorreram de Fevereiro a Março, éramos pouco mais de uma centena de homens e 3000 indígenas aliados e tudo nos correu mal. Atacados em força, um dos régulos passou-se com os seus para o inimigo, a coluna foi destroçada. Gravemente ferido, arrastei-me como um animal durante mais de um dia, a coberto do mato, até encontrar auxílio. Acredite que fiz tudo o que um Oficial poderia e deveria ter feito, mas o fogo cruzado, o número dos que nos atacavam e a traição, a confusão que se gerou, a pouca disciplina destes pretos e os poucos Portugueses com que contava na coluna, não me permitiram fazer mais. Não me sinto um cobarde por ter salvo a minha vida. Eu não quero morrer nestas terras dos infernos.
Os ferimentos estão a sarar e eu sei que não é deles que vêm estas febres que me mergulham no pesadelo. Como o meu Comandante sabe, nós damos Bandeiras aos indígenas que estão por nós, mais para sabermos onde estão e prevenir que a artilharia os fustigue, do que por qualquer outra razão. Durante o combate, as Bandeiras de Portugal que tínhamos dado aos pretos, rápido caíram por terra, é costumeiro. Foi então que, com assombro, reparei que uma se mantinha direita. Eu vi isto de longe, entre a fuzilaria, os gritos e o fumo, mas estou certo do que lhe conto. Um preto alto mantinha-a erguida, rodeado de muitos inimigos, lutava corajosamente, com a Bandeira numa mão e a azagaia na outra, matou muitos e resistiu muito tempo. Chamava-se este bravo, Lamine Injai, e era chefe dos Mandingas nossos aliados. Morreu junto à Bandeira de Portugal, que com tanta valentia defendeu até ao fim.
Não me lembro de alguma vez lhe ter dirigido a palavra. O seu fantasma aparece-me no pesadelo, é um homem de rosto sorridente e honesto e olha-me da morte sem reprovação.
Por favor, meu Comandante, livre-me deste inferno das Áfricas e da minha vergonha.
Encarecidamente,
Tenente Graça Falcão,
25 de Abril de 1897, Farim, Guiné Portuguesa.
Lord of Erewhon
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8 comentários:
Nota: O texto postado é uma ficção histórica da minha autoria e em nada um juízo de valor ou demérito sobre a memória do Senhor Tenente Graça Falcão, que descansa em Paz.
Aos seus descendentes, o meu respeito e os meus melhores cumprimentos.
Os descendentes do herói Mandinga - e Luso! - que morreu por uma Bandeira que lhe deram a guardar... não sei quem serão (onde quer que estejam... serão gente alta). Dirijo-me, como tal, aos mortos:
Guardai a alma e o coração deste homem, que foi um Nobre entre os seus, e morreu, em Glória Alta, a defender a Bandeira do Reino de Portugal!
A Pátria não esquece os Seus!
Está magnífico...gostei muito!
Beijinho.
Beijinho, minha diabrete... ;)
O carrasco tem que responder uma pergunta minha que está no último post.
...no último post que ele escreveu.
O carrasco lhe respondeu... ;)
Obrigada, vou começar a ler. Essa dúvida emperrou um pouco a compreensão do texto.
Beijinho.
Embora ficção é um relato que me comoveu.
Nunca nos podemos esquecer destes HOMENS, de facto.
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