Fotograma do filme Non ou a Vã Glória de Mandar, Manoel de Oliveira, 1990
OS CASTELOS
Os de Castela rodearam a praça-forte alentejana ao raiar do dia, montou-se o cerco. Convictos da incapacidade Portuguesa de lhes resistir, enviaram um emissário com os termos de uma rendição clemente, antigo e ufano garbo Castelhano.
O emissário acercou-se das ameias e, depois de ter anunciado a Realeza de quem vinha, gritou mais alto os termos da rendição. Nada. Repetiu-os e repetiu-os. Nada. Incomodado, virou o tronco na montada para os seus e voltou a gritar o que era forçoso repetir. Nada.
Eis que uma sentinela dos Portugueses, ensonada, assoma à barbacã e lhe grita:
«– Pouco barulho, homem, ainda estamos a dormir!»
[Contado por um ilustre ancião eborense, entre o jornal e a bica, numa tarde soalheira e lenta no Café Arcada e recontado por mim.]
OS CAMPOS
O vigor e a galanteria deste exército napoleónico, que pela terceira vez atravessa a fronteira Portuguesa para dominar a insignificante e casmurra nação ibérica, adornado nas cores berrantes dos seus uniformes, atrai o riso das crianças nos caminhos. Imperturbáveis, param a marcha no início de uma daquelas estreitas pontes romanas do centro norte de Portugal. Trata-se de cavalheiros Franceses, uma nação implacável e refinada, um pequeno homem montado num burrico está a atravessar a ponte. Aguardam.
O pequeno Português e o seu burro atravessam a ponte e estacam em frente ao general dos francos:
«– Bom dia, passem, passem, não tenham medo, que não vos faço mal!»
[Relatado pelo Conde de Keyserling e recontado por mim.]
AS QUINAS
Diz-se que Dom Fernando nunca perdeu a Fé durante o cativeiro, que foi torturado e humilhado, que morreu como um herói, um mártir, um santo. Não sei. Eis o que eu sei.
A batalha estava perdida, mas a Ala dos Namorados estabeleceu um muro de carne entre os exércitos dos mouros e o centro, onde o Rei, malferido, amparado, morria lentamente. Os Portugueses estavam já sem artilharia e a débil ordem da Ala foi massacrada pela fuzilaria, as flechas e a bombardada dos Marroquinos e dos seus aliados – e desfez-se como um velame fustigado pela tormenta. Era o fim. Ouviu-se uma voz acima da vozearia, «Protegei o Rei!». Os cavaleiros, que ainda não estavam por terra, apearam-se das suas montarias e correram para o centro, «Protegei Sua Majestade!». Eram somente um destroçado bando de Portugueses, e alguns Italianos, Espanhóis e Ingleses entre eles. Na morte, os homens encontram conforto à sombra de uma Bandeira ou a resguardar um Rei moribundo. A exímia e ágil cavalaria berbere carregou de alfange no ar e lança em riste.
«Protegei Sua Majestade El Rey Dom Sebastião!», Dom Fernando encabeçava uma cunha em frente ao Rei, de borco já, desfalecido, e feriu e cortou e combateu e defendeu, incansável. A seu lado os corpos caíam, os dos seus e os dos mouros. Um cavaleiro rápido adianta-se e crava um croque no dorso do Rei e, do cavalo, arrasta o seu cadáver pela poeira. É o fim. Dom Fernando quer erguer a espada, acompanhar na morte o Seu Soberano, protegê-lO na morte, mas as forças esgotaram-se-lhe. Cai de joelhos, baixa o rosto, as vestes rasgadas são uma pasta de sangue. As lágrimas correm-lhe, do chão ergue-se um sudário de pó, vitoriosos, os cavaleiros de Alá rodeiam-no aos gritos.
[Ofertado por um sonho visionário e contado aqui.]
OS CASTELOS
Os de Castela rodearam a praça-forte alentejana ao raiar do dia, montou-se o cerco. Convictos da incapacidade Portuguesa de lhes resistir, enviaram um emissário com os termos de uma rendição clemente, antigo e ufano garbo Castelhano.
O emissário acercou-se das ameias e, depois de ter anunciado a Realeza de quem vinha, gritou mais alto os termos da rendição. Nada. Repetiu-os e repetiu-os. Nada. Incomodado, virou o tronco na montada para os seus e voltou a gritar o que era forçoso repetir. Nada.
Eis que uma sentinela dos Portugueses, ensonada, assoma à barbacã e lhe grita:
«– Pouco barulho, homem, ainda estamos a dormir!»
[Contado por um ilustre ancião eborense, entre o jornal e a bica, numa tarde soalheira e lenta no Café Arcada e recontado por mim.]
OS CAMPOS
O vigor e a galanteria deste exército napoleónico, que pela terceira vez atravessa a fronteira Portuguesa para dominar a insignificante e casmurra nação ibérica, adornado nas cores berrantes dos seus uniformes, atrai o riso das crianças nos caminhos. Imperturbáveis, param a marcha no início de uma daquelas estreitas pontes romanas do centro norte de Portugal. Trata-se de cavalheiros Franceses, uma nação implacável e refinada, um pequeno homem montado num burrico está a atravessar a ponte. Aguardam.
O pequeno Português e o seu burro atravessam a ponte e estacam em frente ao general dos francos:
«– Bom dia, passem, passem, não tenham medo, que não vos faço mal!»
[Relatado pelo Conde de Keyserling e recontado por mim.]
AS QUINAS
Diz-se que Dom Fernando nunca perdeu a Fé durante o cativeiro, que foi torturado e humilhado, que morreu como um herói, um mártir, um santo. Não sei. Eis o que eu sei.
A batalha estava perdida, mas a Ala dos Namorados estabeleceu um muro de carne entre os exércitos dos mouros e o centro, onde o Rei, malferido, amparado, morria lentamente. Os Portugueses estavam já sem artilharia e a débil ordem da Ala foi massacrada pela fuzilaria, as flechas e a bombardada dos Marroquinos e dos seus aliados – e desfez-se como um velame fustigado pela tormenta. Era o fim. Ouviu-se uma voz acima da vozearia, «Protegei o Rei!». Os cavaleiros, que ainda não estavam por terra, apearam-se das suas montarias e correram para o centro, «Protegei Sua Majestade!». Eram somente um destroçado bando de Portugueses, e alguns Italianos, Espanhóis e Ingleses entre eles. Na morte, os homens encontram conforto à sombra de uma Bandeira ou a resguardar um Rei moribundo. A exímia e ágil cavalaria berbere carregou de alfange no ar e lança em riste.
«Protegei Sua Majestade El Rey Dom Sebastião!», Dom Fernando encabeçava uma cunha em frente ao Rei, de borco já, desfalecido, e feriu e cortou e combateu e defendeu, incansável. A seu lado os corpos caíam, os dos seus e os dos mouros. Um cavaleiro rápido adianta-se e crava um croque no dorso do Rei e, do cavalo, arrasta o seu cadáver pela poeira. É o fim. Dom Fernando quer erguer a espada, acompanhar na morte o Seu Soberano, protegê-lO na morte, mas as forças esgotaram-se-lhe. Cai de joelhos, baixa o rosto, as vestes rasgadas são uma pasta de sangue. As lágrimas correm-lhe, do chão ergue-se um sudário de pó, vitoriosos, os cavaleiros de Alá rodeiam-no aos gritos.
[Ofertado por um sonho visionário e contado aqui.]
Lord of Erewhon
NOTA: Eu sei que o que descrevo é impossível. O cativeiro e morte de Dom Fernando aconteceu muito antes da Batalha de Alcácer-Quibir, mas a verdade dos sonhos não é para ser negada pelo sonhador. Talvez, nós, os vivos, é que sejamos fantasmas e toda a nossa verdade seja erro e pó – e a Alma de uma Nação sonha tanto como os seus Filhos e assiste aos mortos o direito de tentar proteger os vivos!
Dom Fernando, O Infante Santo, nasceu em Santarém a 29 de Setembro de 1402 – morreu no cárcere em Fez a 5 de Junho de 1443. Depois de morto, o seu cadáver foi embalsamado e pendurado nu e de cabeça para baixo às portas da cidade. Na sua Bandeira pessoal tinha feito escrever a insígnia «Le bien me plaît».
El Rey Dom Sebastião, O Desejado, nasceu em Lisboa a 20 de Janeiro de 1554 – morreu em Alcácer-Quibir a 4 de Agosto de 1578. Tinha 24 anos. O seu corpo nunca foi encontrado.
9 comentários:
A matéria que dá origem ao 1º relato surgiu numa conversa em Évora... não encontro referência ao episódio na História, embora acredite que quem mo contou se referisse à resistência heróica ao cerco Castelhano a Vila Viçosa em 1665 - tentativa vã de tentar recuperar Portugal por parte de Filipe IV de Espanha (que morre nesse mesmo ano). A malograda Barcelona tinha caído em 1652, pondo fim à revolta Catalã - Vila Viçosa e Portugal permaneceram livres. Já não posso confirmar junto do autor do pequeno e delicioso episódio... o cavalheiro era já idoso e está falecido há quase uma década.
O 2º relato nasceu na leitura da obra do Conde de Keyserling (1880-1946)... mas mesmo neste confio na memória... não cotejei a obra. Keyserling foi um «vagabundo» ilustre pela cultura e tradição dos Povos Peninsulares. Interessante - a este respeito - ler a carta de Fernando Pessoa (Pedro Teixeira da Mota, Tradução da carta de Pessoa ao Conde de Keyserling, in «Fernando Pessoa - a Grande Alma Portuguesa», Lisboa, Ed. Manuel Lencastre, 1988).
O 3º relato é o produto de um sonho ou visão... tem a justificação que tais experiências podem ter. Orgulho-me de o ter sonhado e de o ter conseguido transferir para palavras. Penso que o sonho tem importância... simbolicamente é o início e o fim da Segunda Dinastia. O sonho, na altura, afectou-me muito, impressionou-me terrivelmente: o espectro de D. Fernando a tentar salvar El Rey D. Sebastião em Alcácer-Quibir!
Viva o Rei!
Viva Portugal!
Viva a Lusofonia!
Tu és um excelente contador de histórias e História, e um patriota babado!
Seus textos e fotos de 10 de junho são os melhores! Linda forma de recontar o Sebastianismo!
Viva o Rei!
Viva Portugal!
Viva a Lusofonia!
Viva o Rei!
Viva Portugal!
Viva a Lusofonia!
Viva o Lord!
PS: Vc parou de me atormentar desde que se tornou escritor deste sítio...aiaiai...não pode não!
Beijos pra esse maninho lindo!
Gosto muito de ti, maninha. Nunca esqueça o nosso trato: ficarei à tua espera e das tuas flores, dentro da laje fria.
Não esquece.
Beijinho.
JAJAJAJA!
FECHADO,MANINHO VAMPIRÃO!
Já sabe, venha em toda a sua glória... Morto precisa de estímulo - a morte é um aborrecimento, com toda aquela cantoria das alminhas! ;)
OS CASTELOS, OS CAMPOS, AS QUINAS.
Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Os relatos dos teus sonhos induzem outros sonhos. Um dia talvez sonhemos todos com o mesmo. Vai ser lindo. :)
Beijo*
Muito interessante Lord.
Não sei bem o quanto ligas a este tipo de coisas, mas naquilo que eu chamo o meu trabalho (muito distinto do meu emprego), encontrei que tanto D. Fernando como D. Sebastião se encontram em Tiphareth, no esquema da Árvore da Vida, a esfera do redentor, como não podia deixar de ser (bem ao lado do Cristo). O sacrifício do primeiro libertou a força necessária para o inicio dos Descobrimentos, o segundo encerrou o ciclo, servindo o seu sacrifício para equilibrar e parcialmente redimir os erros Portugueses.
De acordo com o Sepher Sephiroth:
DOM PARNANDO (não há Es nem Fs em Hebraico)=1130
“Crucible (as place of refinement)”
O forno cadinho do espírito da descoberta.
DOM SABASTIAO=888
“To cover; protect”
“Lord of Wonders”
Este fala por ele próprio
Ter um sonho com ambos creio que seja algo muito significativo, embora o seu significado apenas você o pode descobrir…
Que inveja…
VIVA PORTUGAL!
VIVA DOM PARNANDO!
VIVA DOM SABASTIAO!
Conheço a Cultura Judaica e o seu esoterismo; Fernando Pessoa abordou, antes de todos nós, a matéria que referes.
Não obstante, este terceiro relato é o produto de um sonho, no qual não encontro nenhuma outra gramática esotérica que não a dos países oníricos, por onde, quiçá, vagueiam os mortos.
Abraço - e agradeço o interesse inequívoco do comentário.
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