A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

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Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

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domingo, 15 de junho de 2008

O VELHO

“...pode dizer-se que um lavrador do nosso Douro ou Trás-os-Montes tem mais saber implícito na sua linguagem que qualquer indivíduo mais ou menos literalizante...”

Leonardo Coimbra*



Com as mãos calejadas e já acentuadamente deformadas pela artrite e pelos anos, o Velho manuseia habilmente a tesoura. A poda já está no fim, e de vez em quando ele olha para trás, contemplando o vinhedo que antes de ser seu foi de seu Pai, e antes deste, de seu Avô. Longe vão os tempos de fome trazida pelo míldio e o oídio, ou pela filoxera. Hoje o vinhedo estende-se, cheio de saúde, garantindo todos os anos boas vindimas. Paciente, o Velho continua a sua tarefa. Cada cana é por ele examinada com atenção para escolher o local exacto onde é desferido o golpe. Atrás de si, as borracheiras, nome dado às canas podadas, alinham-se como um exército vegetal em repouso retemperador de forças para o novo combate que se avizinha. Ano após ano, o ritual é executado com os mesmos gestos. Nem o Velho sabe como faz para determinar quais as canas a serem cortadas, e onde as corta. Aprendeu era ainda um gaiato, assim que trocou os bancos da Escola pelos corredores de terra ladeados pelas parras e cachos perfumados. Aprendeu vendo fazer. Aprendeu porque queria fazer, imitar o seu Pai. Seguia-o enquanto podava, em silêncio, que o seu pai era Homem de poucas falas. Mas absorvia tudo o que via. E assim que a sua mão atingiu o tamanho que lhe permitiu segurar firmemente na tesoura, começou a ajudar. Desde então, não houve um ano que não o fizesse. Agora, tantos anos depois, é com uma mágoa serena que observa estes socalcos. Atrás de si, nunca teve quem andasse. Ninguém aprendeu consigo os gestos, ninguém ao aprender os gestos se apaixonou como ele pela terra. Nem filhos, nem netos irão, um dia, percorrer estes socalcos, cana por cana. Quando a Morte o levar (e, sabe-o bem, não tardará muito, sente-o nos ossos e na alma), o seu amado vinhedo será vendido. Não mais o seu sangue avidará neste chão. Encolhe os ombros e diz, de si para si: “Paciência”. A vinha perdurará. Não sabe bem porquê, mas nesse momento, só isso lhe parece importante.




"O Doiro sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso da natureza. Socalcos que são passadas de homens titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor, pintor ou músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limiares plausíveis da visão. Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no fundo a reflectir o seu próprio assombro. Um poema geológico. A beleza absoluta."

Miguel Torga**





* excerto de
“Em louvor das maiorias”, in A Tribuna de 13 de Maio de 1920
** in Diário XII

Foto retirada daqui.

13 comentários:

Jo disse...

Sugestão musical para acompanhar a leitura:

Oh bento airoso, canção tradicional de Trás-Os-Montes

Frankie disse...

Belíssimo. Já to tinha dito, não?!
De tudo o que li teu, este foi, provavelmente, o que mais fundo me tocou.

Não podias ter começado melhor.

Beijinho grande de boas vindas :)

Jo disse...

:) Obrigada Frankie
beijo*

Ana Margarida Esteves disse...

Belíssimo texto. É pena que tanta gente viva estas saudades da terra mas tão pouca tenha a coragem e o desprendimento de deixar o comforto pequeno-burguês e regressar a ela.

Ana Beatriz Frusca disse...

Salve salve, minha bruxinha!
Que lindo!
Começou bem!
Bem-vinda a tribo!
Beijos.

Lord of Erewhon disse...

Obrigado, morcega!

Houve toda a justeza em ter voado sobre os chinós de tão ilustres cidadãos da Invicta... Vivemos numa decadência tão extrema, que já só as podres criaturas proscritas recordam a cultura da terra onde nasceram!!

Dark kiss e uma vénia de todos os corcundinhas do mundo.

andorinha disse...

Muito belo!
Hoje é uma noite recheada de surpresas.
Parabéns!:)

Beijinhos

bia monte disse...

Lindo do texto!Bonita estréia!
Beijos.

jawaa disse...

Não só pelo Norte perduram os velhos deformados pelo reumatismo que sofrem o abandono das terras que - sabem! - ninguém mais vai cuidar depois deles. Conheço-os aqui pelo Ribatejo, bem perto de Lisboa...
Gostei de ler este texto bonito e, porque é citado o Diário XII de Miguel Torga, vou postar aqui algo que já foi publicado há tempo no meu espaço e lembra um pequeno «contencioso» meu com o autor magnífico da terra que tanto amou e soube cantar.

Mortisa disse...

A minha amada Invicta, o Douro que na mente percorro... :)

mariazinha, gostei imenso deste texto, trouxe-me um pouco de dor/saudades da terra que tão bem me acolheu.

Beijinho*

Klatuu o embuçado disse...

Bem-vinda, Mortisa!

É um prazer ter-te entre nós.

Jo disse...

ana margarida esteves:
obrigada :)
É, de facto, uma pena, embora pense que esse "regresso à terra" precisa de algo mais do que coragem e desprendimento.
beijo*

bia:
obrigada, querida :)
beijos**

Lord:
a vénia é minha, é uma honra participar neste projecto.
:)
beijo*

andorinha:
obrigada :)
beijo*

lúcia beatriz:
:)
obrigada pelo carinho!
beijo*

jawaa:
é mal geral do país, sim...
escrevo o Douro porque o sinto meu, porque as mãos deformadas eram do meu avô.
Já li o teu texto e entendi perfeitamente o contencioso ;)
beijo*

mortisa:
:)
a dor da saudade é uma dor boa. ter saudades é ter gente e lugares dentro do peito.
beijo grande*
(faço minhas as palavras do carrasco)

Mortisa disse...

Lord e mariazinha,
obrigado. :)

Esperemos que consiga manter os altos padrões literários que por aqui propagam...:)


Beijinhos**