A pedra intacta e a nascente: coubera-lhes o mistério da fundação do mundo, no primeiro dia os anjos. E ao seu gesto se ordenaram os ventos, pelo fogo invisível e o bastão rasgaram os caminhos dos condutores de povos e dos reis, preparação amorosa das sombras. No poder da pedra e da nascente os círculos sagrados e as árvores e os lugares terríveis das batalhas. A Terra aguardava, Inverno e solidão do Sol.
- Sou o anjo Apache, murmurou um, e disse: seremos os caminhos vermelhos. E estendeu a vara para a terra virgem: esta será a planície do fim, um homem chamado Jerónimo.
- Sou o anjo da Borgonha, gritou outro, e disse: seremos o voo breve do falcão. E estendeu a vara para a terra fértil: aqui a catedral, o rosto; aqui a neve, que apaga o sonho do Temerário.
- Sou o anjo Cigano, proclamou um terceiro, e disse: seremos a puríssima maldição do fogo. E a vara traçou o sinal da encruzilhada: por aqui a linguagem dos pássaros, secreta coroação do rei.
- Sou o anjo Maori, avançou um quarto, e logo um outro: sou o anjo de Jerusalém.
Ela, porém, pairava sobre o mar, elevação do mundo: na primeira noite o anjo, e devolvia aos ventos o mistério maior.
- Sou o anjo de Luz, disse, e apenas hesitou: seremos o porto do Graal. E o seu gesto redimiu as águas: aqui a impossível viagem, na pedra dos corvos a sagração das naus. Pairava sobre o mar, e disse: águas de navegar, antepalavra do Espírito.
A pedra intacta e a nascente: a terra aguardava, Inverno e ocultação do Sol. E estendeu a vara para os seus irmãos: por fim libertar-vos-ei.
"E vi muitas vezes Melchisedech, quando, muito antes dos tempos de Semiramis e de Abraão, apareceu na Palestina, que era ainda deserta; como se organizasse o território, como se escolhesse e endireitasse determinados e precisos lugares. Vi-o sempre sozinho, e pensei: que quer este homem daqui, onde ainda não há ninguém? Foi assim que o vi abrir uma nascente na montanha, e foi a nascente do Jordão. (...) Foi assim que o vi abrir a terra em muitos lugares (...) e cada lugar onde trabalhava e construía parecia ser o lugar de uma graça futura, como se atraísse a atenção para esse lugar, como se empreendesse alguma coisa que haveria depois de se realizar.
Melchisedech pertencia àquele coro dos anjos que guardam os países e os povos, que (...) estão logo depois dos arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael".
[do relato das visões de Anna Catherina Emmerich (1774-1824)]
16 comentários:
Meu caro, superas-me em audácia.
Abraço!
P. S. Neste blogue, por fundas razões de humanismo e liberdade, não consta a etiqueta: «Cristãos Heréticos».
:)
Herético ou não esse texto tá bom demais da conta, fala sério!
Tava com saudades de vc aqui, seu doidão!
Beijinhos.
Caríssimo,
hoje nenhum cristianismo é suficientemente herético... e nenhuma heresia suficientemente cristã.
Abraço
Biazinha, estou sempre por aqui; beijinhos
Casimiro 2dão
Já passei por aqui várias vezes e nunca consegui comentar este post.
Esse texto transcende-me, não lhe tinha apreendido o sentido. E mesmo agora não o devo ter apreendido na totalidade:)
O "Cristianismo herético" referido pelo Klatuu penso que me ajudou um pouco a entender.
Esclarece-me uma dúvida.
O anjo da Luz é uma mulher? É ela que nos vem libertar?
A anos-luz do Cristianismo convencional...
Andorinha, não sei o que é o "cristianismo convencional"...
O texto fala em "anjo de Luz", e não "anjo da Luz". "Luz" é, para alguns estudiosos, um nome de onde teria derivado o nome dos lusitanos... claro, é significativa a aproximação à "luz" (em língua portuguesa!) e portanto ao "portador da luz". Porta que se abre para muito longe...
As entidades angélicas não estão, em si mesmas, sujeitas à divisão dos sexos; ao longo dos livros sagrados judaico-cristãos, aparecem sempre como "homens", mas não deveremos ver aí mais do que o resultado da "queda" (voluntária) que lhes é necessária para se tornarem visíveis e até mesmo, quem sabe, o resultado dos olhos que os viram serem olhos não muito habituados a ver...
O anjo protector (a palavra não é a mais correcta) de Portugal, diz uma certa corrente da Tradição, é Miguel, em "modalidade feminina", como feminina é, talvez não por acaso, toda a religiosidade do cristianismo tradicional português: onde Maria está, como observou Pessoa, um pouco acima de Deus. A abertura ao feminino-espírito é uma das marcas lusíadas.
Enfim, no meio disto, e de muitas outras coisas, a questão aqui suscitada é a da diferença entre a Pátria portuguesa e a dos imensos povos deste mundo. Feminina? Marítima? Nocturna? Anjo que guarda e aguarda? Em tudo, "no fim libertar-vos-ei"... mas só indirectamente se nos dirige, falando assim, pois que fala aos seus irmãos...
Abraço
Os Anjos têm sexo, essa é a marca maior da sua divisão e Queda. Lucifer é masculino, princípio que se opõe ao feminino, Gabriel, a Governadora do Mundo.
Esta trindade inaugural: Pai, Potência Oculta (ou Espírito Santo ou Lucifer) e Filho do Homem (no sentido genérico, fêmea ou macho, no caso fêmea).
Os lugares em que se sentam ao lado do Pai, são os do filho (Lucifer) e os da esposa (Gabriel).
Depois segue a simbólica hermética: a mística (feminino, seu estado a ligação, seu lucro a paz); a mágica (masculino, seu estado a sabedoria, seu lucro a civilização).
P. S. Já falaste com o Vitor...? Vais precisar de auxílio... :)
Casimiro,
Eu também não sei o que é o "cristianismo convencional".
Não estou a brincar, foi a expressão que me ocorreu.
Em matéria de religião acontece-me várias vezes não saber que termos usar ou quais os "correctos".
"Anjo de Luz", tens razão, desculpa a leitura descuidada.
Agradeço-te os esclarecimentos, agora entendi o tema fulcral do post. Não tinha chegado lá.
Entendi mesmo. Se não tivesse entendido, continuava a massacrar-te, podes ter a certeza:)
Lord,
Isso no Luciferismo, certo?
Não sabia, penso que nunca falaste nisso. Não sabia da existência de Gabriel, a governadora do mundo.
Essa boca foleira do teu P.S. tem alguma coisa a ver comigo?:)
Provavelmente voltaremos a isto, Andorinha... e não há termos correctos para a "religião".
E, vês, "porta que se abre para muito longe" disse eu, e o Erehwon pôs o pé na nesga aberta e fez força. Um cansaço, estes bolcheviques metafísicos :)
Gabriel, a Governadora do Mundo é apenas uma variante snob de Xena a Princesa Guerreira.
Provavelmente voltaremos, Casimiro, são temas que me interessam bastante.
O Erewhon é assim, já o conheço de gingeira:)
Lança pistas e deixa-me os neurónios em parafuso:)
"Bolcheviques metafísicos"- gostei da denominação...
Xena a Princesa Guerreira! LOL!!!
Andas inspirado.
deixo-te, apenas, o habitual abraço. porque, depois de ler o teu texto, me apetece o silêncio.
Tio 2dão:
Estou a passar por aqui para deixar-te um beijo porque gostei muito de conhecê-lo.
Continuarei a escrever em meu blogue, e não mais aqui.Não escrevo posts para ser insultada, e nem gosto de ver meus amigos serem também.
Minha vinda aqui será apenas pra comentar a todas as pessoas que gosto e que estão aqui, e você está entre elas.
Beijos.
PS: como não tenho teu e-mail tive que deixar essa mensagem aqui.
Vá lá visitar-me caso te apeteça.
Jinho.
O Vermelho é a cor mais positiva para os Apaches. Eles cruzam o caminho vermelho com o negro, e dizem "este é um caminho vermelho" ou "entramos num caminho negro", conforme as coisas correm.
Gostei muito do Anjo Apache, apesar de as planícies me parecerem sempre claustrofóbicas.
Mas e a Catedral e a neve... a neve...? E a linguagem dos pássaros?! O voo breve do falcão e a puríssima maldição do fogo?
O teu texto é muito belo e os teus anjos também.
Aqui, deixo-te aceso o cachimbo. Já tirei umas fumaças portanto só posso dizer verdades, como esta:
Iyúskinyan wancínyankelo :)
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