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“Vamos directos para a questão filosófica de fundo que estas questões levantam. Trata-se do velho problema de saber se às entidades colectivas e genéricas pode ser atribuída a existência e, consequentemente, os predicados que lhe são próprios.
Se levarmos na devida conta o princípio dos indiscerníveis de Leibniz, haveremos de concluir que só atingem a necessária densidade ontológica para existirem os seres que possuem predicados exclusivos e intransferíveis. E assim só existem verdadeiramente seres espirituais dotados de consciência e liberdade.
Dizer, pois que a Raça [que – salienta ainda Eduardo Abranches de Soveral – não tem para Pascoaes um sentido estritamente biológico e se aproxima muito do conceito de Povo] e a Pátria, possuidoras de alma própria, existem, é certamente uma afirmação excessiva, mas não destituída de sentido. Os colectivos conaturais à condição terrena do homem, e mesmo aqueles que a cultura vai forjando, não são simples nomes ou quimeras mas possuem uma certa consistência ôntica que lhe advém do facto de possibilitarem relações inter-subjectivas que ampliam e enriquecem os homens.”[1]
Eis a tese que queremos aqui, enfim, salientar: a Pátria amplia e enriquece o universo ontológico dos homens, ela é fonte de mais ser. Poderemos, decerto, renegá-la – a nossa liberdade permite-o, irredutivelmente. Mas isso torna-nos mais pobres, mais vácuos, quase uma pura abstração.
Ora, o homem não é, ou não é apenas, uma “pura abstracção”, mas um ser concreto, universalmente concreto, um ser que, de resto, será tanto mais universal quanto mais assumir essa sua concretude, a concretude da sua própria circunstância. A esse respeito, permitimo-nos citar um outro insigne Professor e Filósofo, Francisco da Gama Caeiro: “se admitirmos que o homem é, de algum modo, a sua circunstância – a circunstância orgânica (a par de outras, a família, a sociedade, etc.) é a Pátria”[2].
Em grande medida, essa é igualmente a nossa perspectiva. Julgamos, com efeito, que o homem não é, ou não é apenas, essa “pura abstracção”, mas um ser concreto, universalmente concreto, um ser que, de resto, será tanto mais universal quanto mais assumir essa sua concretude, a concretude da sua própria circunstância. Dessa circunstância faz organicamente parte, como referiu Gama Caeiro, a “pátria”, isso que, segundo José Marinho, configura a nossa “fisionomia espiritual”[3]. Nessa medida, importa pois assumi-la, tanto mais porque, como escreveu ainda Marinho, foi “para realizar o universal concreto e real [que] surgiram as pátrias”[4].
Neste Colóquio de Homenagem a Eduardo Abranches de Soveral, que nos seja permitido este repto final, tanto mais porque este repto é, a nosso ver, fiel ao seu pensamento.
[1] In “Sobre o pensamento político de Teixeira de Pascoaes”, Revista da Faculdade de Letras, Porto, 2004, p. 213.
[2] AA.VV., Ao Encontro da Palavra: homenagem a Manuel Antunes, Lisboa, FLUL, 1986, p. 40.
[3] Cf., a título de exemplo, Estudos sobre o pensamento português contemporâneo, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1981, p. 19: “Os povos, como nascentes e manifestações terrestres do espírito, têm iniludível fisionomia espiritual, embora esta se configure de modo menos apreensível que o expressivo rosto dos homens singulares.”.
[4] Cf. O Pensamento Filosófico de Leonardo Coimbra e outros textos, “Obras de José Marinho”, vol. IV, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2001, p. 502.
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