A nosso ver, o tão vilipendiado “Quinto Império” de que fala Agostinho da Silva não é senão isso: o espaço-tempo em que todas as comunidades, todos os povos, possam, de forma inteiramente livre, assumir, de modo pleno, a sua cultura. Não, longe disso, um império apenas português – também português, na medida em que nele a cultura portuguesa deve também poder afirmar-se, mas não apenas, ou sequer hegemonicamente, por mais que de forma dissimulada, português. Eis o que, na nossa perspectiva, nunca será demais salientar, dado o facto da valorização agostiniana da “cultura portuguesa” ter sido muitas vezes entendida de forma igualmente errónea. Como aqui defendemos, ela deve ser entendida, sobretudo, como uma via para a plena realização espiritual.
Contestarão, alguns, a possibilidade de a cultura ser uma via para a plena realização espiritual, defendendo que esta se cumpre, ao invés, na superação daquela. Provavelmente, defendem também que a filosofia se cumpre para além de todas as culturas, de qualquer vinculação a uma língua em particular. Na nossa perspectiva, porém, passa-se exactamente o contrário: é no aprofundamento das virtualidades de uma língua que o discurso filosófico pode emergir enquanto tal. De outro modo, ele será sempre apenas um discurso comum: mais facilmente comunicável, mas não muito mais do que isso. Analogamente, a via da plena realização espiritual passa, na nossa perspectiva, pelo aprofundamento do sentido de uma cultura, da mundividência que lhe subjaz. De outro modo, ela será apenas uma via geral: mais facilmente generalizável, mas não muito mais do que isso.
De resto, a valorização da cultura tem também virtualidades materiais ou, mais especificamente, sociais. Só ela pode ser o elo que sustenta uma sociedade. Se uma sociedade se baseia apenas num elo económico, cedo se desagregará. Por muito que isso repugne a alguns, é também através dela, da cultura, que se cimentam as solidariedades internacionais. Se, em geral, os portugueses foram tão solidários com a causa timorense, apenas para dar um exemplo relativamente recente, foi, em grande medida, porque havia, porque há, um elo entre Portugal e Timor: um elo cultural, precisamente. Dir-se-á que o nosso móbil deveria ser sempre o amor pela humanidade em geral e não por nenhuma cultura em particular. É defensável, mas não é isso que, na nossa perspectiva, acontece. Daí que devamos agir em consequência. Só assim poderemos, na Sociedade de Hoje, efectivamente realizar o Homem de Sempre.
* Últimos três parágrafos de: Visões de Agostinho da Silva, Zéfiro, 2006.
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