A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
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Donde vimos, para onde vamos...

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Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

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sábado, 16 de agosto de 2008

Cadernos de Agostinho da Silva (excertos)


VOLTAIRE, DIÁLOGOS FILOSÓFICOS (III)

DIÁLOGO ENTRE UM FILÓSOFO E UM MINISTRO DAS FINANÇAS

O FILÓSOFO — Sabeis vós que um ministro das finanças pode fazer mais bem, e, por consequência, ser um homem muito mais notável do que vinte mare­chais de França?
O MINISTRO — Bem sabia eu que algum filósofo quereria abrandar em mim a dureza que se costuma censurar no meu cargo; mas não esperava que quisesse despertar-me a vaidade.
O FILÓSOFO — A vaidade não é um vício tão grande como vós julgais. Se Luiz XIV não fosse um pouco vaidoso, o seu reinado não teria sido tão ilus­tre. Também o era o grande Colbert
[1]; vede se ten­des a vaidade de o ultrapassar. Nascestes num tempo mais favorável do que o dele; é preciso que vos eleveis com o século.
O MINISTRO — Concordo em que aqueles que cul­tivam uma terra fértil têm grande vantagem sobre os que primeiro a arrotearam.
O FILÓSOFO — Crede que não há nada de útil que não possais fazer com facilidade. Colbert encontrou, por um lado, a administração das finanças em toda a desordem em que as guerras civis e trinta anos de rapina a tinham mergulhado; por outro lado, uma nação leviana, ignorante, escravizada a preconceitos que já tinham mil e trezentos anos de ferrugem. Não havia um homem no conselho que soubesse o que era câmbio; não havia um que soubesse o que era a pro­porção das moedas; não havia um que tivesse ideia do comércio. Agora as luzes correram de um a outro; a populaça continua na profunda ignorância em que a devem manter a necessidade de ganhar a vida e, se não é ousado dizê-lo, o bem do Estado
[2]. Mas a classe média foi esclarecida; ora esta classe é muito impor­tante: dirige os grandes que pensam algumas vezes e os pequenos que não pensam nunca. Aconteceu nas finanças, depois do célebre Colbert, o que aconteceu na música depois de Lulli[3]; as sinfonias de Lulli eram muito simples, mas foi-lhe difícil encontrar ho­mens que pudessem executá-las; hoje o número de artistas capazes de executar a música mais complicada aumentou na proporção em que a arte se aperfeiçoava; passa-se o mesmo na filosofia e na administração. Colbert fez mais do que o duque de Sully[4]; é pre­ciso fazer mais do que Colbert.
A estas palavras, o ministro, vendo que o filósofo tinha alguns papéis, manifestou desejo de os ver; era um conjunto de algumas ideias que podiam dar azo a e leu:
«A riqueza de um Estado consiste no número dos seus habitantes e no seu trabalho.
«O comércio não serve para tornar um Estado mais poderoso do que os seus vizinhos, senão porque dentro de um certo número de anos há guerra com esses vizinhos, exactamente como dentro de um certo número de anos há sempre uma calamidade pública. Ora, nesta calamidade da guerra, a nação mais rica vence necessariamente as outras, desde que todas as outras circunstâncias sejam iguais, porque pode com­prar mais aliados e mais tropas estrangeiras. Sem a calamidade da guerra, o aumento da massa de ouro e da prata seria inútil; efectivamente, desde que haja bastante ouro e prata para a circulação, desde que a balança comercial esteja equilibrada, é evidente que nada nos falta.
«Se houver dois milhões num reino, todos os géneros e a mão de obra custarão o dobro do que custa­riam se apenas houvesse um milhão. Sou tão rico com cinquenta mil libras de renda, quando compro a libra de carne a quatro soldos, como com cem mil, quando a compro a oito soldos; e o mesmo para o resto. A verdadeira riqueza dum reino não está, pois, no ouro e na prata, está na abundância de todas as mercadorias, está na indústria e no trabalho. Não há muito tempo que se viu no rio da Prata um regimento espanhol cujos oficiais tinham todos espadas de ouro, mas não tinham nem camisas nem pão.
«Suponho que, desde os tempos de Hugo Capeto
[5], a quantidade de dinheiro não aumentou no reino, mas se aperfeiçoou a indústria, em todas as artes, umas cem vezes mais; afirmo que somos real­mente cem vezes mais ricos do que na época de Hugo Capeto: porque ser rico é gozar de alguma coisa. Ora eu gozo de uma casa mais arejada, mais bem cons­truída, mais bem distribuída do que a do próprio Hugo Capeto; cultivam-se melhor as vinhas e bebo vinho melhor; aperfeiçoaram-se as manufacturas e visto-me com tecidos mais belos; a arte de agradar ao paladar com preparados mais finos faz-me ter todos os dias refeições mais delicadas do que os festins reais de Hugo Capeto. Para se transportar duma casa para a outra quando estava doente tinha uma carreta; eu vou numa sege cómoda e agradável onde a luz me chega sem que o vento me cause desconforto. E não foi preciso que houvesse no reino mais dinheiro para suspender a tira de couro numa caixa de madeira pintada; foi preciso indústria; e assim por diante. Das mesmas pedreiras se tiraram as pedras com que se fez a casa de Hugo Capeto e aquelas de que se constroem hoje as casas de Paris. Não é preciso mais dinheiro para construir uma vil prisão do que para fazer uma casa agradável; não é mais caro plantar um jardim bem concebido do que talhar ridiculamente o buxo e fazer nele grosseiras representações de animais. Outrora apodreciam os carvalhos nas florestas; hoje utilizam-se nos soalhos; a areia deixava-se no chão: é com ela que hoje se fazem os vidros.
«Ora é seguramente rico o que goza de todas as vantagens; só a indústria as obtém. Não é, portanto, o dinheiro que enriquece um reino; é o espírito; quero dizer, o espírito que dirige o trabalho.
«O comércio faz o mesmo efeito que o trabalho das mãos; contribui para a comodidade da minha vida; se eu tiver necessidade duma obra das Índias, dum produto natural que só se encontra em Ceilão ou em Ternate, essa necessidade faz-me pobre; torno-me rico quando o comércio a satisfaz. Não eram o ouro e a pedra que me faltavam; era o café e a cevada. Mas os que viajam seis mil léguas, com risco da vida, para que eu tome café todas as manhãs, não são mais do que o supérfluo dos homens laboriosos da nação. A riqueza consiste, pois, no grande número de homens laboriosos.
«O objectivo, o dever de um governo avisado são, portanto, e com toda a evidência, a povoação do reino e o trabalho.
«Nas nossas paragens, nascem mais varões do que fêmeas; é necessário, pois, que não façam morrer estas últimas; ora é claro que é fazê-las morrer para a so­ciedade enterrá-las vivas nos claustros onde se perdem para a geração presente e onde aniquilam as gerações futuras. O dinheiro que se perde a dotar conventos seria muito bem empregado a encorajar o casamento. As raparigas que deixamos mirrar nos claustros são bem comparáveis às terras que em França existem ainda incultas; é preciso cultivá-las, a umas e outras.
«Há muitas maneiras de obrigar os cultivadores a arrotear uma terra abandonada; mas há um modo seguro de prejudicar o Estado: é permitir que subsis­tam estes dois abusos, o de sumir as raparigas e o de deixar os campos cobertos de silvas. A esterilidade, de qualquer espécie que seja, é ou um defeito da natureza ou um atentado contra a natureza.
«O rei, que é o ecónomo da nação, dá pensões às damas da corte, e faz bem, porque é dinheiro que vai ter aos mercadores, às cabeleireiras e às bordadoras. Mas por que razão não há também pensões para o de­senvolvimento da agricultura? O dinheiro voltaria na mesma ao Estado, mas com mais proveito.
«Sabe-se que é um defeito do governo haver men­digos; e há-os de duas espécies: os que vão, cobertos de farrapos, dum extremo ao outro do reino arrancar dos transeuntes, com os seus gritos lastimosos, o sufi­ciente para irem para a taberna, e os que, vestidos de fatos todos iguais, vão obrigar o povo à contribuição, em nome de Deus, e voltam a jantar em grandes casas onde vivem à vontade. A primeira destas duas espécies é menos perniciosa do que a outra, porque, de caminho, traz filhos ao Estado e, se faz ladrões, também faz pedreiros e soldados. Mas ambas causam um mal de que toda a gente se queixa e que ninguém arranca pela raiz. E bem estranho que, num reino que tem terras incultas e colónias, se sofram habitantes que nem povoam nem trabalham. O melhor regime é aquele em que há menos homens inúteis. Donde procede que houve povos que, tendo menos ouro e prata do que nós, imortalizaram a sua memória por trabalhos que nós não ousamos imitar? E evidente que a sua administração valia mais do que a nossa, visto que levava mais homens ao trabalho.
«Os impostos são necessários. A melhor maneira de os lançar é a que mais facilita o trabalho e o comér­cio. Um imposto arbitrário é um defeito. Só a esmola pode ser arbitrária; mas, num Estado bem governado, não deve haver lugar para a esmola. O grande Xá Abas
[6], ao fundar na Pérsia tantos estabelecimentos úteis, não construiu hospitais; perguntaram-lhe a ra­zão; replicou: «— Não quero que haja necessidade de hospitais na Pérsia».
«Que é um imposto? É uma certa quantidade de trigo, de animais, de géneros que os possuidores das terras devem àqueles que as não têm; o dinheiro não é mais do que a representação destes géneros; o im­posto não se lança realmente senão sobre os ricos; não se pode pedir ao pobre uma parte do pão que ele ga­nha e do leite que os seios da mulher dão aos filhos. Não é sobre o pobre, sobre o trabalho que se deve lan­çar um tributo; é preciso, fazendo-o trabalhar, dar-lhe esperança de que seja um dia bastante feliz para pagar impostos.
«Ponho que, em tempo de guerra, se paguem a mais cinquenta milhões por ano. Destes cinquenta mi­lhões passam vinte para terra estranha; trinta são empregados na chacina de homens. E ponho que, em tempo de paz, se paguem destes cinquenta milhões vinte e cinco; nada passa para o estrangeiro: faz-se trabalhar, para o bem público, o mesmo número de cidadãos que se matavam. Desenvolvem-se os traba­lhos de toda a espécie; cultivam-se os campos; embe­lezam-se as cidades: é-se realmente rico pagando ao Estado. Os impostos, durante a calamidade da guerra, não devem servir para nos obter as comodidades da vida; devem servir para a defender. O povo mais fe­liz deve ser aquele que paga mais: é incontestavelmente o mais laborioso e o mais rico.
«O papel está para o dinheiro em prata, como o dinheiro em prata está para os produtos: é uma repre­sentação, um sinal de troca. O dinheiro só é útil por­que é mais fácil pagar um carneiro com um luiz de ouro do que dar por ele quatro pares de meias. Do mesmo modo, é mais fácil a um recebedor da provín­cia enviar ao tesouro real quatrocentos mil francos numa letra do que enviá-los de carro, o que fica carís­simo; um banco, uma carta de crédito são, no governo dum Estado, no comércio e na circulação, o que os guinchos são nas pedreiras: levantam os fardos que os homens não poderiam mover a braço.
«Um escocês, homem útil e perigoso, estabeleceu em França o papel de crédito; era um médico que dava aos doentes uma dose de emético demasiado forte; en­traram em convulsões; mas é por se ter tomado demais dum bom remédio que se deve renunciar ao seu uso? Dos destroços do seu sistema ficou uma Companhia da Índia que os estrangeiros nos invejam e que pode fazer a grandeza da nação; portanto, este sistema, con­tido dentro de justos limites, teria feito mais bem do que mal.
«Alterar o valor das moedas é fazer moeda falsa; lançar a público mais papel do que o permite a massa e circulação das moedas e das mercadorias é também fabricar moeda falsa.
«Proibir a saída do ouro e da prata é um resto de barbárie e de indigência; é querer, ao mesmo tempo, não pagar as dívidas e perder o comércio. Efectiva­mente, é não querer pagar, visto que, se a nação é de­vedora, é necessário que salde as suas contas com o estrangeiro; e é perder o comércio porque o ouro e a prata são não somente o preço das mercadorias, mas também mercadoria, por si próprios. A Espanha tem conservado, corno outras nações, esta lei antiga que não é senão uma antiga miséria. O único recurso do governo está em que esta lei se transgride sempre.
«Carregar de taxas, nos seus próprios estados, os produtos do seu país que vão de uma província à ou­tra; tornar a Champanha inimiga da Borgonha e a Guiena da Bretanha, é também um abuso vergonhoso e ridículo. Exactamente como se eu pusesse alguns dos meus criados numa antecâmara para deter e comer uma parte do meu jantar, na altura em que mo trazem. Tem-se diligenciado corrigir este abuso, mas, para vergonha do espírito humano, ainda nada se con­seguiu.»
Havia ainda outras ideias nos papéis do filósofo; o ministro apreciou-as e obteve uma cópia; e foram estes os primeiros papéis de filósofo que jamais se vi­ram na pasta dum ministro.



[1] Ministro de Luiz XIV, notável pelo desenvolvimento que impri­miu à economia francesa (1619-1683).
[2] Não se deve esquecer que Voltaire pertenceu a uma classe média que mostrou quase sempre pelo povo um desprezo tão grande como o dos aristocratas.
[3] Músico de origem italiana, criador de ópera em Paris (1633-1687).
[4] Ministro de Henrique IV e um dos melhores administradores que a França teve (1559-1641).
[5] Chefe da dinastia francesa dos Capetos (938-996).
[6] Um dos mais notáveis reis ou xás da Pérsia (1557-1628).

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