VOLTAIRE, DIÁLOGOS FILOSÓFICOS (I)
François Arouet, que usou depois o pseudónimo de Voltaire, nasceu em Paris em 1694; era filho de gente da classe média e foi educado num Colégio de Jesuítas, onde pôde travar relações com rapazes pertencentes às melhores famílias do reino; a vivacidade de espírito, a ambição de brilhar e a protecção de parentes levaram-no depressa aos melhores salões e fizeram-lhe antever uma carreira plenamente de acordo com os seus desejos de vida aristocrática; os nobres, porém, entendiam-no de outro modo e nunca se esqueciam da proveniência de Voltaire; um escrito satírico demasiado ofensivo levou-o, em 1717, a fazer na prisão de estado da Bastilha um estágio de alguns meses; em 1725, o senhor de Rohan, que se considerou insultado por Voltaire, mandou espancá-lo e conseguiu, depois, que o prendessem e o fizessem exilar-se pata Inglaterra; neste país se conserva até o ano seguinte e, ao voltar, as autoridades inquietam-no continuamente; em 1734 estabeleceu-se em Cirey, em casa de M.me de Châtelet, o que lhe deixa, pelo afastamento da vida de Paris, aprofundar as noções filosóficas e científicas que trouxera da Inglaterra, e, pela proximidade da fronteira, conservar sempre, entre ele e a polícia, uma certa margem de movimentos livres; a sua vocação para os negócios permite-lhe uma vida de luxo, ao mesmo tempo que espanta todos os visitantes pela sua actividade e resistência no trabalho; há depois uma reconciliação com a corte, mas depressa se vê obrigado a deixar a França e a acolher-se à protecção de Frederico II da Prússia; o entendimento, porém, não podia ser duradouro e, em 1763, Voltaire passa à Suíça, donde vai, sete anos depois para Ferney, em França, mas junto da fronteira; é já nesta altura uma grande personagem europeia, com influência em todas as classes; em 1770 faz uma viagem a Paris, onde o recebem como a um deus, e aí morre a 31 de Maio.
Até cerca de 1730, Voltaire é um poeta como tantos outros do século XV111, embora algumas tragédias, como Zaira e Maomet, sejam em parte, de critica religiosa e social; o exílio em Inglaterra abriu-o a novos problemas e as Cartas Filosóficas já aparecem como um deslumbramento ante o mundo novo que se lhe revelara e como um programa da sua actividade futura; vêm, depois, o Século de Luiz XIV, já com o tema de que a história é uma luta entre a inteligência e a superstição, Zadig, romance filosófico, e alguns dos Diálogos; a progressão acentua-se e é com o período da Suíça e de Ferney, já depois dos 6o anos, que se revela o Voltaire que maior influência exerceu no seu tempo e que a posteridade mais apreciou: o do Ensaio sobre os costumes, do Cândido, do Dicionário Filosófico, do Ingénuo, do Tratado da Tolerância, das dezenas de folhetos que se abatiam com toda a sua vivacidade, toda a sua ironia demolidora, toda a sua terrível penetração, sobre as instituições mais veneradas do regime; ao mesmo tempo surge o Voltaire que organiza a indústria de Ferney, se bate pela reabilitação de Calas, defende a memória do cavaleiro de la Barre; é o infatigável campeão da tolerância, da inteligência, da felicidade humana; servem-no a sua capacidade de apreensão do ridículo, o amor da justiça, a sensibilidade às aspirações profundas do seu século, a corajosa generosidade, o interesse pelo mundo material, o desejo de que o homem se reforme, o estilo límpido, simples, directo, em que, como num florete, tudo contribui para a agudeza e a rapidez do golpe.
Os três diálogos publicados neste caderno são bem representativos de Voltaire: neles aparecem, como fundo, o gosto pelas questões económicas, a luta anti-religiosa, ou melhor, anticlerical, a insistência sobre quanto a situação social pode influir no espírito dos homens; na composição são de notar a naturalidade das falas, o fino desenho das personagens, a sugestão do ambiente em que elas se movem, a habilidade em fazer ressaltar os factores essenciais; ao mesmo tempo que as qualidades vêm as limitações: a clareza de Voltaire traz muitas vezes consigo a superficialidade, o seu ímpeto de ataque tem como contrapartida o exagero e, às vezes, a injustiça, a sua compreensão de certos fenómenos como, por exemplo, o religioso, nem sempre é, como se desejava, profunda e digna; mas também é fora de dúvida que a nossa atitude de maior serenidade crítica nos é em grande parte possível graças ao combate decidido que Voltaire soube travar e vencer.
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