SAUDADE DO TEU CORPO
Tenho saudades do teu corpo: ouviste
correr-te toda a carne e toda a alma
o meu desejo – como um anjo triste
que enlaça nuvens pela noite calma?…
Anda a saudade do teu corpo (sentes?…)
sempre comigo: deita-se ao meu lado,
dizendo e redizendo que não mentes
quando me escreves: «vem, meu todo amado…»
É o teu corpo em sombra esta saudade…
Beijo-lhe as mãos, os pés, os seios-sombra:
a luz do seu olhar é escuridade…
Fecho os olhos ao sol p'ra estar contigo.
É de noite este corpo que me assombra…
Vês?! A saudade é um escultor antigo.
António Patrício
.In «A Águia», Nº 10, 1ª série, Porto, 1911
A baía de Hong Kong (1939), Ferreira de Castro & Elena Muriel, in A Volta ao Mundo, Empresa Nacional de Publicidade, Lisboa, 1939
PEQUENA NOTA BIOGRÁFICA
ANTÓNIO PATRÍCIO nasceu na cidade do Porto a 7 de Março de 1878 e faleceu em Macau a 4 de Junho de 1930. Na cidade invicta cursou três anos de Matemática, tendo depois frequentado a Escola Naval em Lisboa, mas acabou por regressar ao Porto, onde concluiu licenciatura na Escola Médica em 1908. A conselho de Guerra Junqueiro, seu grande amigo, acaba por optar pela carreira diplomática, que exerce até à morte, muito prestigiando Portugal, com o seu zelo, fidelidade, inteligência, educação e cultura. Representou Portugal em Cantão, Manaus, Brema (onde ficou em prisão domiciliária três anos durante a I Grande Guerra), Atenas, Istambul, Caracas, Londres, tendo ainda desempenhado missão secreta na Corunha, relacionada com as incursões monárquicas de Paiva Couceiro, que ameaçavam a jovem República. Chegou a Ministro Plenipotenciário e, ao deslocar-se para Pequim, sua última nomeação, em 1930, faleceu a caminho do seu destino, durante a sua estadia em Macau.
Homem cordato, não o podemos igualar ao «embaraço» chamado Fernando Pessoa, mas é também uma singularidade, pela sua poética liberta dos códigos do Romantismo tardio comuns no panorama dos colaboradores d’«A Águia»: reinventa as técnicas do Simbolismo numa fala pessoal, bem como, ao longo da sua obra, incorpora diversas influência modernas, pelo contacto com a cultura europeia de vanguarda, e atmosferas icónicas e paisagísticas de várias paragens, do Norte da Europa ao Brasil e à Ásia, deambulação existencial que lhe foi proporcionada pela sua carreira de diplomata. O gosto pelo Decadentismo, pelo Ultra-romantismo e pelos processos narrativos e poéticos do Gótico literário do século XVIII são recorrentes na sua obra, fundidos numa contemporaneidade repleta de símbolos da morte, do amor e da melancolia. Um dos grandes poetas e dramaturgos Portugueses do século XX, injustamente quase esquecido.
OBRA
Poesia: Oceano (1905), – postumamente – Poesias (1942), Poesias Completas (1980).
Teatro: O Fim (1909), Pedro, o Cru (1913), Dinis e Isabel (1919), D. João e a Máscara (1924).
Ficção: Serão Inquieto, contos (1910).
Colaboração dispersa: «A Águia», «Atlântida», «Límia», «Gente Lusa» e outros.
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Klatuu Niktos
Klatuu Niktos
6 comentários:
desconhecia a obra poética de antónio patrício, apenas conhecia a dramatúrgica, e fiquei agradavelmente surpreendido.
um grande abraço
jorge vicente
Tá muito bom, Maninho!
Vc é minha enciclopedia humana, meu google ambulante!
JAJAJAJAJAJAJAJAJAJAJA!
(L)
Os simbolistas procuram o mais profundo do "ser".
Bela referência à famosa viagem
de Ferreira de Castro,
viagem em que iniciou "Emigrantes", obra que marcou o início definitivo da sua carreira de escritor.
Abraço.
Confesso que nunca tinha lido nada de António Patrício.
Gostei bastante do poema.
Beijinho.
Biodiversidade e cruzamento cultural híbrido.
O António Patrício foi um homem raro no panorama cultural luso que lhe foi contemporâneo - e ainda ergueu uma obra quase como se não fosse um «escritor de carreira».
P. S. A foto, Ruela, foi um pequeno tributo ao teu zelo em lembrar Ferreira de Castro... ;)
P. P. S. Obrigado a todos.
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