A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

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Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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segunda-feira, 9 de junho de 2008

UMA TARDE NA LUSITÂNIA, I

Modern Sleep 9, Gottfried Helnwein, 2004


Os campos engravidados de músicos primaveris, orquestram com o vento uma sinfonia universal. Brotam os trigos torrados por imitação crepuscular, dançando livres gargalhadas no concomitante desmaio das folhas, árvores. Os pássaros chilreiam como é costume num entardecer do campo. Cheira a serradura, a estrume e a cavalos, a terra seca gritante de oliveiras envelhecidas de histórias. Está um calor suportável apenas pela ventania descoordenada, e o tempo passa vagaroso.
De quando em vez, na caminhada, avistam-se pinceladas escarlates: as papoilas, meninas que espreitam entre o torrado do trigo, fazem-me lembrar invariavelmente gotas, sangue, de mártires que o chão lusitano quis acolher no seu ventre. Gosto de passar as mãos pelo trigo, de abocanhar o vento como fazem os cães. Fecho os olhos e sinto-o arrepiar-me a roupa que me veste o esqueleto: empurra-me, abraça-me, dança à minha volta, sussurra-me ao ouvido, ou passa por mim a correr.
Solto gargalhadas.
As minhas pernas alvas afundam-se no mar térreo, e o trigo faz-me cócegas, chega-me agora ao umbigo. Estou próxima do pulsar inebriante e debruço-me sobre a terra: nascem os bichos. As minhas botas ficam forradas de formigas que rapidamente se precipitam a subir-me pelas pernas nuas. Enquanto as tento sacudir, esvoaçam duas abelhas à volta da minha cabeça: estaco. O cabelo apanhado numa trança não as pode afastar. Se me mexer, atacam-me.
(silêncio)
Está tanto calor, as formigas continuam a subir-me pelas pernas e já quase alcançam os justos calções de ganga preta. Consigo trazem bichinhos outros que me infligem microscópicos rasgões na pele.
Pequenas víboras nascem do chão e entrelaçam-se nos meus tornozelos.
Mordo o lábio inferior.
Não posso continuar em frente, nem voltar para trás, não me posso mexer. O vento dança à minha volta, indiferente a este impasse, perguntando-me apenas porque não brinco com ele. O zumbido das abelhas começa a invadir-me a calma. Sem mexer a cabeça, vou sacudindo formigas e os bichinhos outros com as mãos cheias de picadas.
Um corvo pousa no cabo de electricidade por cima de mim e grasna cordialmente.
A cabeça é um ovo em cima de um funil por onde escorre uma ribeira escarlate.
O líquido, de cheiro humano, acerta-me no crânio com a força de uma pequena pedra lançada com perspicácia, atravessa-me a testa num ziguezague de efervescência diabólica, num desenho, nervo óptico, trauteando uma familiar música de infância.
Um leão surge por trás de uma oliveira e dirige-se a mim.
Consigo ouvir tambores e cânticos, uma águia a marcar o descompasso, o tempo da inevitabilidade, a explosão da Criança Eterna em nós, de dedos sem carne, sem véu: é uma águia que voa em direcção à floresta distante.
Abro os olhos.
Estou debruçada em posição fetal e na minha mão direita encerro veementemente um pedaço de terra. Nada mais há do que os esperáveis campos grávidos de músicos primaveris, que orquestram com o vento uma sinfonia universal.
O calor, a cabeça.
O vento ri-se.
Uma língua de ouro desce do horizonte e pinta a paisagem de cobre por instantes.
Está tanto frio, as horas casam-se, calam-se, lacram-se, anulam-se.
Os campos são agora prata, salpicados por papoilas: as suas pétalas, pestanas, guardam as portas do Inferno.

8 comentários:

Lord of Erewhon disse...

Bem-vinda, sacerdotisa da trancinha! ;)

Que os espíritos da noite te protejam e a sombra da morte nunca te toque!

Anónimo disse...

:))

Obrigada querido amigo. É uma honra escrever neste espaço, em nome da Língua Portuguesa, da arte e da cultura.

Beijinhos grandes**

Lord of Erewhon disse...

Sabes, Lusitana, o que estamos prestes a realizar é importante... e tem o sabor acre de uma vingança.

Lord of Erewhon disse...

P. S. Gosto de sabores fortes - inequivocamente reais e sóbrios.

O rio recebe e dá - nada mais importa. Só Portugal!

Anónimo disse...

Em cada pedaço de terra lusitana sente-se o pulsar primordial, o do sangue dos homens que lutaram pela glória de uma Pátria que se perde de si e esmorece a olhos vistos.
Gritam para que a sua luta seja respeitada e honrada como intemporal e que sirva de inspiração a todas as gerações posteriores.

A nossa arma contra o esquecimento é a Palavra e essa nunca esmorecerá!

Beijinhos** :)

Lord of Erewhon disse...

Viva Portugal!

Nada mal, certo? - assim, nós, os miúdos vestidos de preto? :)

Dark kiss, Antígona!

Ana Beatriz Frusca disse...

Belíssimo texto poético... aqui as emoções namoram-se em desejos e ânsias de vontades sentidas... de partilha dada ... o turbilhão da alma joga quase todos os trunfos dos sentimentos!!!

Frankie disse...

Li este texto, pela primeira vez, noutro local, como tu sabes.

Mas hoje, ao reencontrá-lo aqui, não pude deixar de te saudar novamente.

O que escreves é belo, envolvente e deliciosamente real.

Um beijo*
Hoje, sou eu quem te deixa a vénia.
Merece-la mais do que eu.