A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

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Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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quinta-feira, 12 de junho de 2008

ESCRITO NAS ROSAS






Pelo alcácer se multiplicam os jardins e as mulheres; nuas como pedras mergulham nas piscinas e nos lagos, deitam-se ao sol em tapetes de flores, ou na relva, alimentadas por brônzeos djinns, à hora a que a água da conduta derrama sobre a lentidão das coisas a sua canção da meia-tarde, e as torna mais lentas e felizes.
O calor floresce e desnuda as mulheres e faz os homens andar de um lado para o outro, com um brilho demente no olhar. Pelo múrmur dos mananciais e os perfumes do Estio espargem-se os óleos e os amores. Não há mais paraíso, senão abandonar a alma nos jardins e deixar que o pensamento se dilacere entre raparigas-tâmara e raparigas-flor – assim esquece o sábio as pestes da terra.
Beijo-as na pantalha líquida e envolvem-me as dulcilucentes águas do prazer, jorradas por amenos leões de granito, polido, branco do sol ibérico e também as flores, as árvores largas, a coragem dos homens, as dançarinas e as tâmaras e tudo o que corre pela minha casa do amor.
É melhor amar entre rosas, acima da esterilidade das páginas e das letras. Quem percorreu este Reino sem cometer um crime? Digam-me, que hora de glória que valesse uma hora de amor, ou conversar com amigos no crepúsculo a meio do vinho e do sono?
Ao entardecer todos os azulejos são belos como sentenças do Profeta e fecho as portas florais à fome do mundo – e aos viandantes, imãs vociferantes, filósofos, mercadores, capitães que partem para a batalha; a todos esses infelizes oferto, fora das muralhas vegetais e da frescura florida, a água e o simples pão e um aguado néctar, para que não invadam a minha casa com a sua cobiça, o seu ódio, o seu corpo malsão e a sua miséria escura.
Para distribuir estas parcas refeições escolho sempre, de entre os meus súbditos, um jovem néscio e ignorante, pastor ou madeireiro, a quem a vida nos espaços livres dotou de uma grandeza natural da alma. Ó guardião dourado, vivesse eu dez mil vidas, e não seriam suficientes para te mostrar a minha funda gratidão, pelas fontes imaculadas e por tudo o que corre pela minha casa do amor.
O meu coração é uma tenda aberta aos pobres corações. A minha vida, ânfora plena, verte para outras ânforas, vazias – e quando o lençol nocturno das correntes derrama a sua rede por entre as ervas, as raízes e os seixos, deito-me entre seios, entre cabelos negro-azuis e desnudos corpos brancos, cachos de ouro e lustrosos pomos, a vigilância toldada pelo prazer e pelo odor agridoce de laranjas maduras, a que se mistura a romã e o cheiro do amor. Assim, de uma noite o mundo, e do mundo um dia só, eterno.
Glória a Ti, nas alturas, ó Altíssimo. Louvores e palmares por este jardim impoluto, a felicidade.
Como não poderia eu, ó Deus, ser feliz, se Tu abençoas a minha casa com as raparigas e os cântaros, com a voz dos poetas e o alaúde soluçante, com as manhãs, as tardes e as noites, com a mesa farta, o amor, o silêncio e o cintilar das estrelas?
Que Sevilha me poderiam os porcos roubar agora, que jardins incendiar? Agora que Al’Mutamid* o poeta ergueu a sua capital do amor em um lugar secreto e alto, entre as terras e as águas do sonho, e se todas as noites mil trovadores, mil mulheres ardentes e mil mínimos pássaros levantam o alcácer e mudam o seu lugar nos mapas dos navegantes e nas rotas das caravanas…
Allãhu Akbar. Deus é Grande.


Lord of Erewhon

* Muhammad Ibn Abbad Al’Mutamid, Príncipe perfeito e o maior poeta de língua árabe, nasceu em Beja em 1040, foi Príncipe de Silves com 23 anos (onde passou a puberdade e pela qual se apaixonou) e último Rei taifa de Sevilha (1069-1090), que transformou na mais poderosa e culta cidade da Espanha islâmica. Traído pelos berberes almorávidas a quem pediu auxílio contra os cristãos, veio a morrer no sofrido cativeiro em Aghmat em 1095, onde jaz ao lado da esposa e de uma filha, ainda criança.
Em 1967 a Casa Real de Marrocos mandou erigir um mausoléu sobre o túmulo do Poeta-Rei, uma vez que este é considerado um marbût (santo) e o túmulo lugar sagrado e de peregrinação. O Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio, em viagem oficial, visitou o mausoléu em 1998.

10 comentários:

Telo Vieira de Meireles disse...

Simplesmente maravilhoso é este texto do grande poeta Árabe de Beja! Desde já quero propor à Direcção que seja publicado um número extra da Nova Águia com os preciosíssimos contributos que têm surgido no blog. Os seus autores merecem-no, o público também. Estou deliciado com a qualidade do que por aqui se lê.

Ana Beatriz Frusca disse...

Lord:
Até quando os textos não são seus, tu és feliz nas escolhas!

Bjuxxx.

^^

Lord of Erewhon disse...

Bia e Amigo Telo... sou o autor de tudo o que aí está escrito.

Trata-se de uma persona, de uma máscara dramática, em que falo por outros na primeira pessoa, ou são eles que falam por mim...
Faço isso muito, é parte do meu universo literário próprio.

Inspiro-me no método de Ezra Pound.


P. S. Quando não sou o autor escrevo a castanho. Talvez deva passar a assinar o que é meu, para evitar confusões.

Ana Beatriz Frusca disse...

JAJAJAJAJA!
FUI NA ONDA DO TELO...LOLLLLL!
TU BEM SABES QUE SOU VAMPIRINHA QUE NÃO ENXERGA LETRINHAS MINÚSCULAS AO CAIR DA NOITE E QUE USO ÓCULOS...SÓ QUE ME NEGO A FAZÊ-LO QUANDO ESTOU NO PC PORQUE É MUITO RUIM: É VIDRO SOBRE VIDRO...ECAAAAA!!!!
RETIFICANDO-ME: TEUS TEXTOS SÃO SEMPRE OS MELHORES, ESSE TEU TIPO DE REGISTRO SEMPRE ME COMOVE SOBREMANEIRA!
TE DOLU MUITÃO, MEU MANINHO LINDAÇO!

PS: VOU FICAR ATENTA AO DETALHE DO ESCRITO EM CASTANHO. NÃO É VOCÊ QUE TEM QUE MUDAR SEU ESTILO AO FINALIZAR OS TEXTOS, SOMOS NÓS É QUE TEMOS QUE TER MAIS ATENÇAO.
OBRIGADA PELA GENTILEZA DE IR ME AVISAR, ALIÁS, NÃO FOSTE TU, E SIM O KLATUU.
LOLLLLLL!!!!!!

Ana Beatriz Frusca disse...

Eu tou ectutando falar muito em Erza Pound, ontem mesmo abri um livro de Teoria Literária de minha mãe e tinha algo sobre este poeta no cápítulo sobre Modernismo.
Acho que ele está me convidando a conhecê-lo, este e um gajo chamado T. S. Elliot.

Francisco Canelas de Melo disse...

Muito bom! Parabens!

Telo Vieira de Meireles disse...

Obrigado por seu esclarecimento Lord of Erewhon. Ele lança um jorro de luz sobre a sua forte criativade. Ah, o genial, infeliz Pound. Sempre me comovo quando relembro as palavras de um amigo: "Sabias que quando o Pound foi preso na América acusado de ser fascista, os intelectuais comunistas portugueses enviaram uma carta de protesto ao governo estadounidense? Bonito, não é?"
Quem vôa tão alto, como você, caro Lord, só vem confirmar a minha proposta: que seja feito um número extra com a preciosa colaboração que surge no blog.
Recordo Al'Mutamid: "Eu só quero que me fales / De cantigas e de vinho / Deixa lá e não te rales / Deus perdoa o descaminho".
À Biazinha peço perdão por a ter induzido em erro com minha ignorância. Mas Lord, não se preocupe em escrever a castanho ou outra cor, não há qualquer confusão, só a dos ignorantes.

Nova Águia disse...

Caro Telo Vieira de Meireles:
Nós aproveitamos textos do Blogue para a Revista. Aconteceu no primeiro número. Acontecerá igualmente nos próximos...

Nitrox disse...

Sempre senti uma profunda admiração pela cultura árabe, talvez o meu berço algarvio ou as várias viagens a Marrocos. Até agora via como esplendor máximo da cultura árabe a arquitectura, mas agora depois do que li comecei a focar mais atenção na poesia.

... disse...

Vôo de excelso estilo, belo planar sobre o tempo.