LEMBRANÇA DE NÉLIDA PIÑON
António Braz Teixeira
Como foi noticiado pela imprensa
portuguesa, nem sempre com o devido relevo, faleceu em Lisboa, em meados de
Dezembro de 2022, a escritora Nélida Piñon (1937-2022), que constituiu, com
Júlia Lopes de Almeida (1862-1934), Rachel de Queiroz (1910-2003), Dinah
Silveira de Queiroz (1911-1982), Clarice Lispector (1920-1977), Lygia Fagundes
Telles (1923-2022) e Adélia Prado (1935) o grupo das mais significativas vozes
narrativas femininas da literatura brasileira.
Figura cimeira da geração
surgida para as letras na década de 60 do século XX, em que, no plano da
ficção, avultam autores como Raduan Nassar (1935), Adélia Prado, Ignácio Loyola
Brandão (1936), Moacyr Scliar (1937-2011), António Torres (1940), João Ubaldo
Ribeiro (1941-2014), Sérgio Sant'Anna (1941-2020) ou Chico Buarque (1944), Nélida Piñon iniciou a sua obra narrativa em
1961, com o romance Guia-mapa de Gabriel
Arcanjo, dando à estampa, nos seis decénios seguintes, uma dezena de romances,
cinco livros de contos e diversos livros de carácter memorialístico, ensaístico
e reflexivo.
Largamente reconhecida e
premiada no Brasil, em Espanha e em diversos países da América Latina, mas
esquecida pelo Prémio Camões (como o foram também Gerardo Mello Mourão, Mário
Palmério, Josué Montello, Dora Ferreira da Silva, Lêdo Ivo, Ariano Suassuna,
Hilda Hilst ou Ivan Junqueira), a escritora brasileira recém desaparecida, não
renegando nunca a sua origem galega, muito presente nos seus romances, especialmente
em A república dos sonhos, o seu opus magnum e um dos maiores romances
brasileiros do século XX, sempre se reconheceu "filha da língua
portuguesa", que, afirmou, "nunca trocaria por nenhuma outra".
Não admira, por isso, que a sua pátria brasileira, como a Galiza arcaica,
mágica e mítica, e Portugal tenham marcado decisiva e profundamente a sua
criação literária e que, simbolicamente, a sua obra romanesca se haja concluído
com Um dia chegarei a Sagres (2020),
cuja acção decorre em Portugal, durante o século XIX, e cujo protagonista é um
camponês nascido perto do rio Minho, que, simultaneamente, separa e une
Portugal e a terra irmã da Galiza.