A CASA DO SI PRÓPRIO: UMA LEITURA DA OBRA POÉTICA DE
MANUEL ANTÓNIO PINA
António de Carvalho Pais
O eu surge com a
consciência que se descobre a si mesma e, assim voltada sobre si, na posse da
expressão da linguagem, naturalmente se interroga “Quem sou eu?” ou, com uma
inquietação não tanto existencial quanto metafísica, “O que sou eu?”. Uma
interrogação só devida ao pensamento que nela se desenrola incessantemente no
seu modo essencial de reflexividade. São as palavras que dizem o eu através da
sua diferenciação que o singulariza face ao outro, dado pelos inúmeros objectos
intencionados pela consciência. Fundamentalmente, está-se perante um problema
prático de constituição de sentido pela aplicação de conceitos. O eu terá o
sentido dado simbolicamente no arranjo semântico que melhor lhe corresponde.
Quer-se dizer, sendo o pensamento e a sua expressão partes integrantes da
consciência, que ela mesma dirige, o questionamento do eu é um solilóquio em
que esse que é (com toda a certeza que resulta da evidência cartesiana de que
alguma coisa pensa) diz para si mesmo quem é. Mas quem melhor do que o próprio
para se identificar? Quem melhor do que ele para dizer quem ele mesmo é? Uma
consciência certa de si é sem mistérios; logo que se dirija a si, que traga à
sua presença a própria consciência, tem acesso imediato ao que é em si mesma e
ao que a distingue de outros objectos da consciência. Por isso, nada mais óbvio
do que o eu, dado por esse que sem reservas se pensa a si próprio, ser
transparente e mostrar o seu verdadeiro sentido.