Esta reflexão autobiográfica de Delfim Santos, com
incidência nos fatos mais marcantes da vida académica do autor, está inédita na
sua quase totalidade, excetuando um trecho final incorporado na última edição
das Obras completas.
Foi composta em dois capítulos, por ocasião de três
marcos institucionais: o doutoramento, com um aditamento aposto na entrada como
docente na Faculdade de Letras de Lisboa, e o concurso para professor
catedrático.
Do primeiro capítulo existem dois datiloscritos, tendo
um deles anotações marginais a lápis não retidas no seguinte, que é cópia
daquele com algumas correções estilísticas menores. Foram incorporadas as
anotações do original e aceites algumas correções da cópia.
O segundo capítulo existe em versão manuscrita, com a
particularidade de Delfim Santos hesitar aqui entre a terceira e a primeira
pessoas autorais. Apesar de referir que «uma
autobiografia intelectual não é exigente de confissão», apresenta uma
reflexão mais amadurecida, menos factual e mais poética sobre a sua existência
passada. Notável é o símile entre o
ourives, ofício a que seu pai o destinava, que com a sua arte logra transformar
o metal precioso em algo ainda mais belo, e o pedagogo em que o seu destino se
manifestou, que o mesmo faz às almas dos educandos.
Esta autobiografia foi completada por meditações
anuais, escritas em diversas passagens de ano desde os inícios dos anos 40 até
1953 e a publicar posteriormente: de teor mais introspetivo, constituem páginas
de um anuário íntimo, permeadas pela
angústia e pelo desespero próprios deste registo. Neste mesmo tom existencial
subsistem ainda as suas poucas páginas de poesia, por vezes de caráter
religioso, em que a expressão do sentimento se sobrepõe ao estro.
No conjunto, os escritos autobiográficos de Delfim
Santos, compostos pela presente autobiografia, pelo anuário íntimo, pelas
poesias e por certas páginas da sua correspondência com os amigos mais íntimos
ou com alguns familiares, documentam o impulso confessional e o desejo de
autognose cultivados pela sua geração, que depurou a retórica do discurso
tradicional do sujeito com as suas novas exigências de sinceridade e
genuinidade, impostas à geração que viveu as duas Guerras pelo sentimento da
preciosa fragilidade do Eu.
Filipe Delfim Santos