
Na reunião de Coimbra em 1911, ficou Teixeira de Pascoaes encarregado de redigir um manifesto ao país com os intuitos da «Renascença».
AO POVO PORTUGUÊS. A «RENASCENÇA LUSITANA» *
Estas palavras que dirigimos ao Povo Português têm por fim revelar-lhe qual será a obra patriótica da Renascença Lusitana – , obra em que devem colaborar todos os homens de boa vontade.
A Renascença Lusitana é uma associação de indivíduos cheios de esperança e fé na nossa Raça, na sua originalidade profunda, no seu poder criador de uma nova civilização. Esta fé e esta esperança não resultam de uma ilusão patriótica, mas do conhecimento verdadeiro da alma lusitana, a qual devido a influências estrangeiras de natureza política, artística, literária e sobretudo religiosa, se tem adulterado nos últimos séculos da nossa História, perdendo o seu carácter, a sua fisionomia original e, portanto, as suas forças criadoras e progressivas.
O fim da Renascença Lusitana é combater as influências contrárias ao nosso carácter étnico, inimigas da nossa autonomia espiritual e provocar, por todos os meios de que se serve a inteligência humana, o aparecimento de novas forças morais orientadoras e educadoras do povo, que sejam essencialmente lusitanas, para que a alma desta bela Raça ressurja com as qualidades que lhe pertencem por nascimento, as quais, na Idade Média, lhe revelaram os segredos dos mares, de novas constelações e novas terras, e, de futuro, lhe deverão desvendar os mistérios dessa nova vida social mais bela, mais justa e mais perfeita.
Logo que a alma portuguesa se encontre a si própria, reaverá as antigas energias e realizará a sua civilização.
Sonho belo, mas quimérico? Não! Descobrem-se já na alma da nossa Raça alvoroçantes sintomas de renascença. O seu esforço de 5 de Outubro foi o despontar da sua heroicidade que dir-se-ia morta para sempre; foi um sinal de abnegação; houve vidas sacrificadas à Vida.
A sombra de Nun’Álvares saiu do túmulo e vagueou nas ruas de Lisboa; sulcaram o Tejo fantasmas de caravelas em demanda da Índia Ideal, essa Índia que fica em pleno mar do nosso sonho.
Admiráveis presságios! Já brilha a estrela da nova Manhã! Chegou, na verdade, o momento divino de todos os bons portugueses colaborarem na grande obra da nossa Renascença! O morto estremeceu, ao sentir o primeiro hálito de vida. Abramos-lhe a tampa do sepulcro! Eis a nossa obra, a obra do nosso amor e da nossa fé.
Este apelo que fazemos aos portugueses, por isso mesmo que nos sai da alma, há-de ser ouvido. E a Renascença Lusitana, neste instante em que apresenta ao povo a sagrada ideia que a anima, espera firmemente que se reúnam em volta dela todas as almas esperançosas que sentem em si o germinar de uma nova vida, o acordar dum novo alento criador de beleza, de justiça e de bondade, os três elementos constitutivos de uma verdadeira civilização.
Não se exige que se seja artista ou poeta ou sábio para trabalhar nesta obra; tal coisa seria de um exclusivismo ridículo. Todo aquele que acreditar no renascimento lusitano, todo aquele que nos trouxer um clarão de esperança, será recebido de braços abertos como leal e firme camarada.
Estas palavras, como já fica dito, têm por fim mostrar ao povo português qual a ideia que inspira a Renascença Lusitana. Essa ideia, repetimos é reintegrar a alma da nossa Raça na sua pureza essencial, revelar o que ela é na sua intimidade e natureza originária, para que tome conta de si própria, e se torne activa e criadora, e realize, enfim, o seu destino civilizador.
Temos, portanto, em vista: dar ao povo uma educação lusitana e não estrangeira; uma arte e uma literatura que sejam lusitanas, e uma religião no seu sentido mais elevado e filosófico, que seja também lusitana.
Com efeito, quem surpreender a alma portuguesa, nas suas manifestações sentimentais mais íntimas e delicadas, vê que existe nela, embora sob uma forma difusa e caótica, a matéria de uma nova religião, tornando-se a palavra religião como querendo significar a ansiedade poética das almas para a perfeição moral, para a beleza eterna, para o mistério da Vida… Ora a alma portuguesa sente esta ansiedade de uma maneira própria e original, o que se nota facilmente analisando os cantos populares, as lendas, a linguagem do povo, a obra de alguns poetas e artistas e, sobretudo, a suprema criação sentimental da Raça – a Saudade!
Sim: na alma lusitana há a névoa duma nova religião; e por isso, o catolicismo, importado de Roma, jamais se tornou português, como se tornou espanhol, por exemplo. Todavia, em virtude da insistência com que tem sido cultivado em Portugal, concorreu para desnaturar o nosso carácter; é necessário, portanto, combatê-lo, como a todos os inimigos invasores, ou sejam de casta pedagógica, artística, literária, religiosa ou filosófica.
Esta luta, assim como a obra reconstrutiva da Renascença Lusitana será feita, além de outros meios, por meio de conferências, livros e duma revista de literatura, filosofia, ciência, crítica social, etc, que se intitulará A Águia e será o órgão da sociedade.
Eis a obra a que vamos dedicar o melhor da nossa actividade e todo o nosso entusiasmo, esperando o concurso dos bons portugueses.
Bem sabemos que é uma obra enorme. Mas é preciso que alguém lhe dê o primeiro impulso. Outros, mais fortes do que nós, terão a glória de a concluir.
Ao ser [este manifesto] levado para Lisboa, o seu autor acrescentou o seguinte [texto].
Diremos, de passagem, que consideramos como os grandes factores do nosso renascimento, a Higiene e a Arte.
Por aquela atingiremos a harmonia física, e por esta a harmonia espiritual.
A Ginástica encerra tanta virtude como a Arte Poética. A guerra ao álcool, ao tabaco, à alimentação carnívora, por exemplo, é uma guerra santa e confunde-se com a glorificação da Beleza moral, com a apoteose dos sentimentos e das ideias mais puras e transcendentes.
A Íliada e os Jogos Olímpicos!
Teixeira de Pascoaes
* Manifesto publicado n’A Vida Portuguesa, nº 22, de 10 de Fevereiro de 1914.