A mentalidade colonialista aparece onde, para muitos, menos se espera – e não, na maior parte dos casos, naqueles em que era mais suposto aparecer. Vem isto a propósito da inusitada reacção de alguns dos nossos governantes – e até do actual Presidente da República – à generosa oferta timorense de comprar dívida pública portuguesa. Uns dias depois do nosso Primeiro-Ministro ter definido “a Lusofonia como prioridade absoluta”, eis que o seu Governo, em “cooperação estratégica” com o actual Presidente da República, dá uma vez mais mostras de miopia, mais do que isso, é caso para dizê-lo, de mentalidade colonialista.
Não é difícil adivinhar o “raciocínio” de tão brilhantes cabeças: “Nós, aceitarmos ajuda de um país como Timor-Leste?!”. Como lapidarmente disse o actual Presidente da República: “Nós não estamos de mão estendida”.
Obviamente, os mesmos não tiverem qualquer pejo em fazer todas as vénias ao Presidente chinês quando este insinuou fazer o mesmo: comprar dívida pública portuguesa. Nesse caso, presume-se, a ajuda não seria “desonrosa”, pois que viria da maior potência económica emergente. Mesmo que, para tal, tivéssemos que varrer para debaixo do tapete todos os atentados aos direitos humanos que continuam a ocorrer na China – e não só no Tibete (este é apenas o caso mais mediático). Agora aceitar a “ajuda” de Timor-Leste, isso já seria, subentende-se, “desonroso”.
Ora, nem se trata propriamente de uma “ajuda”. Timor-Leste, dadas as receitas do petróleo, tem fundos de capitalização que aplica em vários mercados. A intenção de aplicar parte deles na compra da dívida pública portuguesa decorre apenas dessa visão estratégica que, pelos vistos, os governantes timorenses têm e os governantes portugueses teimam em não ter. Numa altura em que Portugal precisa de aliviar o peso dessa dívida pública, nada de mais natural que os nossos países mais próximos – histórica e culturalmente –, que têm alguma disponibilidade financeira, dêem esse passo em frente. Portugal já o fez no passado. Poderá e deverá voltar a fazê-lo no futuro. Entretanto, por exemplo, deveria tentar suprir algumas carências não só de Timor como de outros países lusófonos – nomeadamente, a ausência de profissionais qualificados. Há tanta gente em Portugal desempregada e sem perspectivas de emprego…
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