DA MEMÓRIA …JOSÉ LANÇA-COELHO
23 DE JANEIRO
RAFAEL BORDALO PINHEIRO
Este desenhador e ceramista nasceu em Lisboa, a 21 de Maio de 1846 e, faleceu, nesta mesma cidade, a 23 de Janeiro de 1905.
Na capital do país, frequentou as Belas-Artes e o Curso Superior de Letras e, na década de 70 do século XIX, o seu nome começou a ser falado nas lides artísticas portuguesas. Tal facto, porém, não obstou a que, em 1875, embarcasse para o Rio de Janeiro, tornando-se assim, num dos raros emigrantes artísticos do seu tempo. No entanto, a sua estadia no país irmão, não durou mais do que quatro anos, devido às invejas que os seus confrades brasileiros lhe votavam, pela sua qualidade artística.
Muitas das inovadoras ideias do artista ficaram registadas nos jornais brasileiros, que, posteriormente foram desenvolvidas nos jornais portugueses, como a invenção de figuras-tipo extraídas do quotidiano da política e do social, de que é caso paradigmático, o famoso ‘Zé-Povinho’ (1875), nascido nas páginas do jornal humorístico, A Lanterna Mágica, e que será uma constante na obra de Rafael Bordalo Pinheiro, nomeadamente, em A Paródia, no Álbum das Glórias.
Ao contrário de outras figuras míticas representativas de outras nações, como o inglês ‘John Bull’, ou o norte-americano ‘Tio Sam’, o ‘Zé-Povinho’ não é uma figura exemplar, pelo contrário, ele é o representante paradigmático de um povo ou país, que, em qualquer circunstância, como por exemplo, na revolta, é constantemente a alegre vítima das instituições. Por outro lado, ele tem também um estatuto individualizado, uma vez que é a representação do próprio Rafael Bordalo Pinheiro, envelhecendo com ele no eterno, e bem lusíada «sempre à espera».
O seu labor e capacidade artística levam-no, não só, a ser considerado o maior caricaturista e desenhador humorista português do século XIX, mas também, um precursor da Banda Desenhada e da publicidade artística.
Por sugestão do escritor Ramalho Ortigão (Porto 24.10.1836-Lisboa 27.9.1915), orientou o seu trabalho no barro, para a criação, em 1885, da Fábrica de Faiança das Caldas da Rainha, onde desenvolverá uma cerâmica criativa de vários objectos, como pratos, jarras, bilhas e azulejos, algumas vezes monumental como nas célebres peças, a Talha Manuelina de 1892, ou na Jarra Beethoven, eivada de características naturalistas extremamente coloridas.
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DIÁRIO DO ESCRITOR
Coimbra, 23 de Janeiro de 1979 – Um farrapo. Aparentemente ninguém diz, mas eu é que sei como caio aos bocados por dentro. Nunca devia ter nascido. Sem jeito para viver, arrasto-me no mundo como se ele não fosse o meu ambiente natural. Quando era novo, já admitia num poema Ser qualquer desgraça acontecida / Fora do seio mãe da natureza. Só que os versos dizem sempre mais do que o poeta adivinha, e é passados muitos anos que consciencializo a verdadeira extensão daquele lamento. Sim, sou mesmo o que então intuí. Um pobre homem absurdo que nunca se acostumou a respirar fora do líquido amniótico.
Miguel Torga, Diário XIII, Coimbra, 1975, p.1288.
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