A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
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Donde vimos, para onde vamos...

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Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

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terça-feira, 21 de julho de 2009

Nos 73 anos de António Braz Teixeira, um texto em três partes (a incluir no próximo volume da Colecção NOVA ÁGUIA, da sua autoria)

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PORTUGAL COMO ENIGMA (I)

À memória de Francisco da Cunha Leão


1. Em recente e muito ampla antologia, inspirada num título bem conhecido de Pedro Laín Entralgo [1], reuniu Pedro Calafate um significativo conjunto de textos em que Portugal é considerado ou visto como problema [2], como algo que desafia a nossa inteligência, que procura resolvê-lo ou encontrar para ele uma solução, enquanto, há vinte anos, em posição desta contrapolar, António Quadros (1923-1993) o encarou como mistério, como realidade transcendente cujo ser se encontraria velado e que poderia, ou não, ser revelado ou desvelado, ao mesmo tempo que procurou surpreender as relações dessa sua natureza misteriosa com a sua razão de ser ou com a sua teleologia. [3]
Numa posição medial ou intermédia entre estas duas se colocara Francisco da Cunha Leão (1907-1974), quando, há cerca de meio século, numa obra longamente preparada e meditada, estudou ou considerou Portugal como enigma, admitindo, assim, haver no seu ser algo que se tornaria necessário decifrar. [4]
Recorde-se, a este propósito, que, pela mesma época em que o ensaísta cujo centenário do nascimento passa este ano deu a público o seu cuidado e informado estudo sobre o enigma português, José Marinho (1904-1975), na sua Teoria do Ser e da Verdade [5], e Fernando Gil (1937-2006), na sua juvenil mas já muito valiosa Aproximação Antropológica [6] conferiam também à noção de enigma, entendida de modo não inteiramente coincidente, um papel de decisivo relevo na demanda especulativa que um e outro, com diversa profundidade, então empreendiam naquelas suas duas obras.
Enquanto, porém, estes dois últimos autores situavam o enigma no plano ontológico ou onto-antropológico, como, de certo modo, alguns anos antes, o fizera já Augusto Saraiva (1900-1975), ao reconhecer que, no nosso tempo, o homem se tornara enigmático para si mesmo [7], o autor da Ode ao Porto tinha como enigma cuja decifração empreendia naquele seu ensaio o de fixar, caracteriologicamente, o homem português, a sua diferenciação no quadro ibérico, a fundamentação psicológica da independência nacional, a sobrevivência do Estado português e sua singular história.
Para o ensaísta, se se apresenta como evidente, “a independência portuguesa, a sua presença arraigada em ser e testemunhar-se um corpo, uma fisionomia e uma acção”, já quando se procuram as razões disso, “o terreno foge, e a debilidade delas contrasta singularmente com a força e o significado dos factos, e tanto a obscuridade atinge as determinantes de Portugal quanto o substracto filosófico implícito na dinâmica da acção lusíada”. Eis o que, para o nosso autor, constituiria, verdadeiramente, o enigma português, que, naquele seu ensaio, procurava decifrar. Tal enigma da génese e sobrevivência de Portugal seria, segundo o ensaísta, agravado pelo de “uma alma – conteúdo mental, emocional e actuante – cuja interpretação corrente, cujas aparências e sintomas” se apresentariam “paradoxais, desajustadas ou opostas” à evidente grandeza de um percurso histórico singular, fértil em acções e êxitos”. [8]

2. Nascido na região portuense, poucos dias depois de Delfim Santos (1907--1966), F. Cunha Leão, após haver efectuado os seus estudos secundários no colégio jesuíta de La Guardia, decidiu cursar ciências histórico-filosóficas, não na Faculdade de Letras da capital nortenha, como o fez o futuro autor de Conhecimento e Realidade, e onde teria beneficiado do magistério espiritualista de Leonardo Coimbra, Newton de Macedo e Aarão de Lacerda, mas em Lisboa, em cujo ensino, na segunda metade dos anos 20 da centúria passada, imperava ainda o positivismo historicista que, meio século antes, nele introduzira Teófilo Braga, se bem que a escola sucessora do Curso Superior de Letras contasse então entre os seus professores figuras da envergadura intelectual e científica de Leite de Vasconcelos e M. Oliveira Ramos, mestres que profundamente marcaram o espírito do futuro ensaísta, na sua constante atenção à geografia humana e à antropologia cultural como elementos decisivos para apreender e compreender os traços individualizadores da psicologia portuguesa, matéria que viria a constituir o objecto de um seu outro ensaio [9] que, a vários títulos, prolonga e completa a investigação contida em O enigma português.
O autor de O Anjo e o Homem soube harmonizar ou sintetizar, criadoramente, o magistério da escola lisbonense em que se formou não só com o melhor da tradição integralista, que marcou a sua juventude, como, ainda, com a lição da Renascença Portuguesa portuense, para o que muito contribuiu o seu longo convívio com alguns dos mais destacados discípulos de Leonardo Coimbra, em especial Álvaro Ribeiro, José Marinho e Delfim Santos, bem como com figuras deles muito próximas, como Eudoro de Sousa e António José Brandão ou com os mais dotados e intervenientes discípulos daqueles, Afonso Botelho, António Quadros e Orlando Vitorino, com cuja acção cultural activamente colaborou, quer através da editora Guimarães, quer enquanto director do Diário Popular, quer, ainda, participando em diversas iniciativas culturais que promoveram ou nos jornais e revistas que foram os sucessivos órgãos do chamado movimento da “filosofia portuguesa” (Acto, 57, Espiral).

3. Foi aquela superadora e harmónica síntese que o espírito do ensaísta logrou realizar destas várias tradições culturais, que de contrapolares ou contrapostas se vieram a revelar como complementares, que lhe permitiu evitar os unilateralismos redutores, os apriorismos ou a superficial adopção de qualquer forânea tese sobre as causas da independência ou sobrevivência dos Estados.
É isso que o leva, depois de demorada e serena análise das várias propostas explicativas avançadas pelos mais diversos investigadores, a considerar carecidas de fundamento bastante as razões de ordem geográfica, antropológica, política, económica ou de circunstancialismo histórico, as quais, em seu entender, por si sós, seriam insuficientes para consolidar e garantir uma autonomia política plurissecular e irradiante, cuja razão de ser só numa radical diferenciação psicológica do homem português face ao castelhano poderia encontrar-se. [10]

4. Para procurar prová-lo, partia F. Cunha Leão de um conjunto de teses, que se afigura poderem sintetizar-se do seguinte modo:

a) A população portuguesa tende para a homogeneidade, pelo convívio intenso que manteve dentro de umas fronteiras estáveis há oito séculos;
b) O português é uma síntese de lusitano e galaico, é um luso-galego, que só metaforicamente pode considerar-se lusitano;
c) Do elemento galaico provém a idealidade sonhadora, a contextura sentimental branda, embora rica em tonalidades e teimosia surda, o fundo instável de inquietação, a visão sonhadora do mundo, o pathos da alma portuguesa, ao passo que são principalmente lusitanos o espírito realista, de organização jurídica e independência pessoal, o talento político e a afirmação intrépida;
d) Os sentimentos dominantes do português tidos aparentemente ou comummente como negativos ou até mesmo por suicidas escondem carácter contraditório, pois, se assim não fora, a História de Portugal apresentar-se-ia como absurda, inexplicável ou mesmo impossível;
e) A saudade, elemento fulcral da nossa sensibilidade, que impregna toda a vida religiosa, sentimental e activa dos portugueses, não é unicamente retrospectiva, mas encerra um conteúdo de indeterminação e sentido futurante, pleno de impulso dinamogénico, por força do que insere de subconsciente e esperançoso apego à vida;
f) A forma de resistência portuguesa à adversidade é o Sebastianismo, substantivamente diversa da espanhola, o Senequismo;
g) A História portuguesa é uma História do Sentimento aproveitado e temperado pela Reflexão, cujos momentos mais densos, eficazes e significativos constituem ou são expressão de uma aventura consciente, de uma paixão corrigida ou vigiada pela razão;
h) O curso histórico, designadamente os descobrimentos e a expansão, além de individualizar Portugal no quadro do mundo moderno, influiu na psique portuguesa num sentido activista, apurando-lhe as aptidões de adaptação e enriquecendo-a com experiência, exotismo, calor e claridade, nisto a distanciando da galega;
i) No âmbito ibérico, a vincada oposição psicológica de portugueses e castelhanos tem sido a primeira razão e a principal garantia instintiva da independência nacional. [11]

5. Será o reconhecimento desta profunda diferença, quando não oposição psicológica, que levará o ensaísta a apresentar a sua interpretação dos traços individualizadores ou dos dados imediatos da psicologia dos portugueses por confronto ou contraposição à dos castelhanos.
Assim, da sua atenta e muito documentada análise da psicologia portuguesa decorreria ser ela caracterizada ou definida por:

a) Uma religiosidade mediata, através da natureza e da saudade, e pelo amor às criaturas, de recorte ou afinidade franciscana;
b) O homem como estado de alma, marcado pela tendência para o sonho, por certa desigualdade temperamental, que oscila entre a ledícia e a dor de viver;
c) Sensibilidade à natureza, vista animadamente, e ao mistério, numa atitude de naturalismo transcendente e saudosista;
d) Vida-afirmação pelo sentimento e assimilação humana, gosto da aventura, espírito de missão;
e) Amor-adoração, supervivência amorosa; carácter absorvente, complexo; insegurança, queixa, transcendência;
f) Ironia sentimental, agudeza ao ridículo, realismo emotivo e crítico;
g) Solidariedade pela comunhão dos afectos e transmissão do sangue e gregarismo pela saudade;
h) Resistência à adversidade pela esperança e crença nos imponderáveis (Sebastianismo); desespero confinadamente individual;
i) Sentido das cambiantes e das sombras, hesitação alternada com o ímpeto e o heroísmo das execuções supremas, em geral ponderadas e amadurecidas;
j) Interesse pelo exótico;
l) Teimosia surda, aquosa e plasticidade.[12]

[1] España como Problema, Madrid, 1949.
[2] Portugal como Problema, Lisboa, 2006.
[3] Portugal, Razão e Mistério, Lisboa, 1986 e 1987.
[4] O Enigma Português, Lisboa, 1960. Cfr. “O Enigma Português”, em Atlântico, 3ª série, nº 2, 1949.
[5] Teoria do Ser e da Verdade, Lisboa, 1961.
[6] Aproximação Antropológica (Programa para uma Investigação), Lisboa, 1961.
[7] Reflexões sobre o Homem, vol. I, Porto, 1946.
[8] Ob. cit., Apresentação e p.p. 97 e 129.
[9] Ensaio de Psicologia Portuguesa, Lisboa, 1971.
[10] O Enigma Português, pp. 95-126.
[11] Ob. cit., pp. 129-134.
[12] Ob.cit., p. 161.

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