No manifesto “O Interregno: defesa e justificação da Ditadura Militar em Portugal” (Lisboa, 1928), Fernando Pessoa enunciara os factores determinantes da decadência portuguesa:
1. A Nação está internamente muito dividida:
“Porque não temos uma ideia portuguesa, um ideal nacional, um conceito missional de nós mesmos”
Embora o poeta tenha aderido filosoficamente ao golpe de Estado que mais tarde haveria de levar Oliveira Salazar ao poder, mais tarde exprimiria varias posições que deixavam bem clara a sua oposição a esse regime. Esta adesão inicial resultava da constatação da existência de um confuso e degradado estado a que a primeira República havia levado o país. Os governos sucediam-se uns após os outros, durando por vezes apenas alguns meses. A situação financeira era terrível e o divórcio entre o interior rural, católico e subdesenvolvido e o litoral, laico e urbano cavava um fosso que o regime republicano se revelava incapaz de transpor.
Quando Pessoa criticava o regime republicano por não ter uma “ideia portuguesa”, referia-se à importação cega e ao transplante forçado e antinatural das doutrinas liberais e republicanas de França, naquilo a que Teixeira de Pascoaes chamaria das influências perniciosas de “Paris”. Victor Hugo diria até que os republicanos portugueses tinham feito em dez anos o que os republicanos franceses tinham demorado duas gerações a fazer. Toda esta pressa em levar Portugal a aproximar-se a passo de trote de uma Europa onde nunca pertencera de alma e coração haveria de criar um país ingovernável, debatendo-se com guerrilhas parlamentares permanentes, com grandes clivagens entre classes e meios urbanos e rurais. O radicalismo de um anticlericanismo que destruiu sem substituir, que centralizou em excesso - marchando contra a tradição municipalista que recuava à Idade Média - e que esqueceu os valores portugueses preferindo importar acriticamente os de Paris, deu no que deu… As longas, de meio século, trevas salazaristas…
2. Portugal tornado num Estado de Transição:
“a condição de um país em que estão suspensas as actividades superiores da Nação como conjunto e elemento histórico (…), mas não está suspensa a própria Nação que tem que continuar a viver e, dentro dos limites que esse Estado lhe impõe, a orientar-se o melhor que pode. (…) os governantes de um país em um período destes, têm pois que limitar a sua ação ao mínimo, ao indispensável”
Se assim era no tempo de Pessoa, então que diremos dos dias de hoje? Portugal vive dormente entre as regiões de uma Europa onde o querem agregar e a elite europeia, muito eficiente em congregar uma fiel casta de seguidores nas poucas centenas de famílias que partilham entre si os Meios de Comunicação, a Política e o poder económico. À avidez normalizadora da eurocracia de Bruxelas interessa sumamente suprimir qualquer identidade nacional, recrutando seguidores com “programas Erasmus”, generosos subsídios para abandonar a agricultura e financiando a pavimentação das estradas que levam até nós os produtos manufacturados no norte, deixando a Portugal - Nação esvaziada de gentes e de economia - a mera função periférica e acessória de “solarenga praia dos germanos”. Este é o “Estado mínimo” onde hoje nos querem fazer viver e onde a Primeira República nos levou, no seu cego afã de introduzir “Paris” à viva força em Portugal, esvaziando sem hesitação a essência sóbria, rural e espartana do dito “Complexo Viriatino” de Miguel Real e substituindo por um liberalismo parlamentar confuso e impopular, cujos desmandos haveriam de redundar na longa noite salazarenta.
3. As elites da Nação encontram-se desnacionalizadas:
“Estamos hoje sem vida provincial definida, com a religião convertida em superstição e moda, com a família em plena dissolução . (…) Ora um país em que isto se dá, um país onde (…) não pode (…) haver opinião pública em que elas se fundem ou com que se regulem, nesse país todos os indivíduos e todas as correntes de consenso, apelam instintivamente ou para a fraude ou para a força, pois, onde não pode haver lei, tem a fraude, que é a substituição da lei, ou a força, que é a abolição dela, necessariamente que imperar.”
Pessoa reconhecia aqui o destrutivo centralista do regime da Primeira Republica. Na sua ânsia de “modernizar” o país, os republicanos confiavam apenas em Lisboa e nas suas elites urbanas e esvaziavam de competências os municípios. Paralelamente reconheciam no ensino jesuíta e na influência pró-monárquica da Igreja católico, o seu mais forte adversário, especialmente forte no interior rural português. A decorrente descristianização implicava também uma dessacralização da sociedade que anulava a alma portuguesa e que estaria na base de uma apatia moral e cívica que ainda hoje se sente na sociedade portuguesa e que radica nos primeiros anos do regime republicano em Portugal. Um excesso que haveria de criar uma contra-resposta igualmente excessiva de apelo aos valores tradicionais e católicos sob o regime do Estado Novo de Sidónio Pais, Carmona e Salazar.
9 comentários:
Artigo muito bom.
A unica parte que nao concordo e a ideia que o Programa Erasmus sirvapara descaracterizar as identidades nacionais.
Muito pelo contrario: E no encontro como Outro qu tomamos maior consciencia daquilo qu verdadeiramente somos.
Alem disso, o convivio com nacionais de outros paises Europeus so nriquece oindividuo em termosde cultura geral, capacidadede compreender outras culturas, capacidade tambem de afirmar a sua de forma nao-dogmatica e nao-impositiva, desta forma contribuindo para um enriquecimento mutuo atraves de trocas culturais.
Fala quem vive num constante"Programa Erasmus" desde 1997 e assim descubriu o que e sr Portuguesa:-)!
Também gostei.
Mas não foi a República que introduziu "Paris" - foram as tropas do imperador do Brasil.
E a ideia de que o "litoral" era laico... não será uma ideia lisboeta? O Minho não é propriamente junto a Castela :)
Não sendo o essencial, uma nota ao que disse a Ana Margarida sobre o Erasmus: em faculdades portuguesas, em atenção a esses estudantes, o ensino passou a ser feito... em inglês. O que não deixa de ser patusco.
Ainda referente ao Programa Erasmus, e outros que tais, deixe-me que lhe diga Ana, discordo consigo.
Da minha experiencia como estudante Universitário já me cruzei com imensos estudantes de tais programas e a cultura que se gera em torno desses mesmos estudantes. Acredito que originalmente programas como o Erasmus tenham sido feitos com o intuito dessa mesma aproximação com o outro, enriquecimento pessoal e todas essas coisas bonitas, mas de facto nada disso se verifica.
Verifica-se sim que os estudantes de Erasmus se recolhem em núcleos quase exclusivos de outros estudantes de Erasmus, de sua esmagadora maioria todos oriundos de grandes cidades, isolando-se dessa forma da língua e costumes locais. De facto fazem muitas viagens juntos para “conhecer” o país que os acolhe, mas curiosamente apenas vão a grandes cidades. Ora, a chamada “cultura urbana” que é dominante em todas as grandes cidades é no fundo nenhuma cultura, e, exceptuando casos particulares e belas mas subtis nuances (que os ditos estudantes dificilmente se conseguirão apreender) é igual em todas as grandes cidades do Mundo. Então estes estudantes estão a viajar para conhecer qual país afinal? É passeando por grandes cidades que se conhece um país, um povo, uma alma?
Depois temos o grupo “Erasmus Body”, estudantes locais que serão os guias e apoios dos estudantes de Erasmus. Basicamente tudo se repete… diga-se de passagem que estes indivíduos não costumam ser os mais indicados para dar um bom exemplo sobre a alma de qualquer país que seja. Os seus interesses costumam estar muito longe disso, não é por acaso que o programa Erasmus costuma ser chamado de “Programa Orgasmus”.
Subscrevo por completo quer as afirmações de Fernando Pessoa, quer as do autor, à excepção do que refere com os programas Erasmus.
Penso que os programas Erasmus e outros tais, não incorrem em qualquer perigo para nós, desde que, e repito desde que, haja uma política educativa que nos faça lembrar quem somos realmente: não a "cauda da Europa mas a sua Face". Se olharmos bem, concluímos que temos uma língua e uma cultura, já não falo da maneira de nos relacionarmos com os outros povos, bem superior aos germânicos, anglófilos, francófonos e outros que tais!
Já repararam que o Império Português foi o que mais anos se manteve no mundo? Um pequeno país que consegue manter territórios seus por todo o mundo desde 500 até ao século passado - quase meio milénio! Os EUA estão já a abandonar a sua estratégia Imperial, como aliás fizeram antes deles os seus pais, os Britânicos! Conseguirem uma hegemonia de 50 anos? Acham ainda que somos inferiores???
Por outro lado, é preciso lembrar que o Português é por vezes mais confiante de si mesmo e patriota no estrangeiro do que na sua própria terra.
Obrigado ao Clavis e ao Fernando Pessoa por este texto atual e necessário para que nos situemos dentro da história e para que não se repitam os erros do estado novo, aquando da Revolução, que terá de acontecer.
L+G
Caro José Leitão:
Como eu sou de uma geração bem mais antiga, não quis dizer isso que você disse assim preto no branco. A minha impressão é exactamente o que descreve, mas posso ver as coisas mal porque as vejo (felizmente) de longe).
Dou razao ao Jose Leitao e ao Casimiro.
Concordo com os comentarios, mas acho que tudo depende em grande parte da atitude do estudante de intercambio.
Ha bastantes estudantes Erasmus e de outros programas de intercamio que se interessam realmente em onhece a "realidade profunda" do pais onde vao.
Ha tambem outros, infelizmente tao numerosos ou mais,que se ficam pela farra comoutros intercambistas nos centros urbanos ou nas regioes balneares, perdendo assim uma grande oportunidade de enriquecimento cultural.
Esta na hora entao de propor mudancas ao programa Erasmus para que realmente este se torne um programa de descoberta de outro pais, quer para os verdadeiramente curiosos quepara os "farristas"?
Ana Margarida, posso citar-lhe Saint_Exupery?
"Não é cortando a cabeça às sentinelas adormecidas que se despertam os impérios; é despertando os impérios que se dá às sentinelas uma razão para não adormecer".
Não é o Erasmus que é preciso mudar.
Amigo Casimiro, eu, infelizmente vejo estas coisas bem de perto…
E sim, claro que nada nunca é simples preto e branco. Conheço também casos de estudantes de Erasmus que, quer fosse essa a ideia deles quer não, acabaram por sair de Portugal um bocado melhores do que quando entraram… aprenderam a tomar banho e a lavarem-se com regularidade por exemplo. Inclusive, neste momento partilho a casa com um estudante Ucraniano que tendo passado um semestre em Portugal recusou uma bolsa na Alemanha (imagine-se!) para voltar para cá, pelo simples facto das pessoas cá serem mais simpáticas.
Uma solução para isto tudo no fundo era simplicíssima, o programa “Campus Europa”, por exemplo, prevê e fornece aulas suplementares de língua e cultura durante um semestre inteiro, mas estas são, naturalmente, de relevância e impacto extremamente reduzida (eu até diria quase trocista), não fosse este um programa Europeísta.
A solução estará na vontade das Universidades em questão, de estas não só proporem ou disponibilizarem programas culturais mas sim impondo actividades (verdadeiramente) culturais para todos os alunos estrangeiros. Mas um grande problema (e aqui falo apenas da minha experiencia na Universidade de Aveiro) é que as Universidade aparentam estar mais ocupadas com politiquices repugnantes e a tentarem aparecer o máximo de vezes na capa dos jornais como “pioneiras” e vanguardistas” (leia-se Europeístas e urbanas\modernas), afastando-se do real serviço que eram suposto estar a cumprir.
Outra solução já teria de ser pela parte de algum órgão de “poder”, a criação de um programa não apenas de estudo cartesiano mas de estudo cultural, um programa cujo âmbito fosse concretamente cultural. Mas tudo isto, como certamente não preciso explicar, é completamente impossível pelo sistema actual.
Resumindo: é minha opinião que todos os programas de intercâmbio, em larga medida, falharam (ou então, se acreditarmos em conspirações, foram um grandioso sucesso), e soluções, com o actual estado das coisas, são impossíveis.
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