A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Cadernos de Agostinho da Silva (excertos)


FLAUBERT

Gustavo Flaubert nasceu em 1821 e morreu em 1880. O pai era cirur­gião do hospital de Rouen e nesta cidade se conservou Flaubert até 1840, fazendo nela os seus estudos elementares; começou a escrever desde muito cedo e pode dizer-se que os problemas essenciais que tratou na sua obra e até um certo número de figuras a que deu maior relevo se encontravam for­muladas no seu espírito por volta dos 15 anos: daí por diante houve à sua volta, com as leituras, as viagens, a experiência da vida, um trabalho de amadurecimento, de enriquecimento, de contínua cristalização; Flaubert não é de maneira alguma, nem no género dos livros nem nos processos de trabalho, o tipo do artista romântico que avança por inspirações, sem uma faina minu­ciosa de construção e de crítica; por vezes mesmo, em certos exageros de concepção ou de estilo, há um esforço demasiado aparente, uma consciência de bom operário que de algum modo oprime o criador; na correspondência, como era natural, Flaubert é muito mais vivo, mais espontâneo e talvez mais penetrante do que nos seus romances ou contos; mas também é verdade que a solidez de arquitectura, o gosto exacto do que poderíamos chamar a deco­ração, a perfeição da prosa, os inteligentes estudos psicológicos, os fortes quadros sociais se encontram, como não podia deixar de ser, nas páginas que, pacientemente, procurando o tom único e a palavra única, escreveu, reescre­veu, nunca satisfeito com a primeira forma que se lhe apresentava no espí­rito. Todo o seu temperamento o inclinava, por um lado, para o sonho, por outro lado para o miúdo trabalho literário; houve ainda uma tentativa de Direito, logo abandonada, ante a repulsa íntima do espírito; acrescia ainda que o seguir a carreira da advocacia ou da magistratura o lançaria na acção fazendo-o tomar contacto com a estupidez da humanidade, que Flaubert considerava como um dos factos fundamentais e insondáveis da vida; só como artista essa estupidez humana o poderia enamorar, pela necessidade de lhe dar nos livros representação condigna: quando, já no fim da vida, es­creve Bouvard et Pécuchet, Flaubert ama e detesta a estupidez, com uma exaltação lírica e com um poder agudo de análise que fazem da seu livro incompleto, e por esses aspectos, o digno irmão do D. Quixote de Cervan­tes. Não podia, porém, ser esse o eixo fundamental da sua existência como artista, ou melhor, a sua preocupação única: outra existe tão poderosa como ela e com ela intimamente ligada; na Madame Bovary ou na Salammbô sen­te-se sobretudo o anseio de evasão pelo sonho, de criação de um mundo à parte onde se possa viver uma vida diferente, uma vida mais alfa; na Bovary, os sonhos apaixonados acabam no arsénico porque, segundo Flaubert, o mundo actual — e eis aqui outra ideia de Cervantes — já não comporta a possibili­dade de sonhar; os Charles Bovary, os Leon, os Homais, são numerosos demais para que o sonho seja livre; mas no mundo antigo, no mundo em que esvoaçam sobre a terra os véus de Tanit, pode sonhar Amílcar, ou Salammbô, ou Spendius, ou Mathô; sonhar a vida inteira e acabar sonhando; no en­tanto, o tom nostálgico, a indefinível saudade, o desastre final de toda a existência, mostram bem que mesmo aqui Flaubert se não afasta da sua concepção trágica da vida, que, para ele, todo o homem sensível, em todo o tempo, tem, como dádiva dos deuses, uma luta dramática entre as suas aspi­rações e a implacável ordem do universo; mesmo os mais humildes, mesmo os que parecem mais alheios ao sofrimento: no Coeur Simple há um drama — uma cândida resignação que é no fundo mais trágica do que a cena dos comícios na Bovary ou os leões crucificados da Salammbô. A ligação deste sentido trágico da vida, que aparece em todos os grandes artistas, com a po­derosa imaginação e uma capacidade quase única de representação realista dos quadros, não pela acumulação de pormenores, com um Zola, mas pela escolha inteligente, pela busca dos que são verdadeiramente característicos, fazem de Flaubert um dos mais profundos e amplos escritores que podere­mos encontrar: e é talvez na Education Sentimentale e na Tentation de Saint Antoine que melhor surpreendemos todas as suas possibilidades como pensador e como artista, sem nos deixarmos iludir pelo que parece menor esforço de composição, menos cuidada elaboração de materiais, e é apenas uma representação mais realista da vida que, pelo menos a olhos humanos, também se não elabora nem compõe.

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