Confesse, às vezes você não tem saudades dos tempos da antiga URSS? Ou lembranças nostálgicas dos países do leste europeu que integravam o antigo bloco soviético? Reconheça, seus ouvidos ressentem de há muito não ouvirem o som da expressão cortina de ferro.
O meu tio Walmir, por exemplo, vez por outra beira a depressão por falta de leitura ou audição de palavras, tais como: détente, guerra fria, glasnost. Sim, senhor! A tia Edite, sua mulher, não raro comenta à boca pequena que ele fala enquanto dorme. Diz uns nomes esquisitos: Brezhnev, Nixon...
Guilherme Xavier
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(1) Toupeira psiônica - significado apenas conhecido por jogadores de RPG, linha Dungeons & Dragons.
A erosão econômica do velho regime soviético, ademais de trazer um desequilíbrio de forças no planeta, também deixou o mundo meio sem graça. Você aí, acaso assistiu algum thriller, leu qualquer narrativa, ou viu alguma peça de teatro mais empolgante e com mais ingredientes de suspense que o episódio da crise dos mísseis de Cuba, em 1962? Duvido! Em contraponto, aposto que jamais assistiu alguma comédia-pastelão tão engraçada e cheia de trapalhadas como aquele outro fato histórico conhecido como a invasão da baía dos porcos, em 1961.
Outro dia, um amigo contou-me que, ao mencionar a expressão marxismo–socialismo científico, referindo-se à doutrina criada por Marx e Engels, indagaram-lhe se aquilo era uma nova tendência do rock. Isto é, mais um segmento como tantos outros existentes deste eterno estilo filosófico-musical: rock progressivo, hardcore, punk, gothic metal, dentre outros.
E pensar que, no Brasil, houve um tempo em que revelar-se comunista era sinônimo de prestígio intelectual e de sucesso entre as garotas. "O quê? Ele é comunista? Menina, que chique, hein?" - admirava-se uma amiga, em conversa acerca do novo namorado da outra.
Ainda me lembro dos primórdios da faculdade, no restaurante da Universidade Federal da Bahia, no Café, após o almoço, de debates acalorados sobre quem situava-se mais à esquerda na ideologia comunista. "Eu sou da corrente trotskista", vangloriava-se um; "eu, leninista", gabava-se outro; "fulano, é stalinista", afirmava alguém; "pois ciclano, é da linha albanesa". Ohhhh!!!, clamavam todos, em uníssono. Pois é, ser da linha albanesa era assim como uma espécie de ás de um jogo de cartas. Na categoria intolerância ao capitalismo e à burguesia, ganhava de todas as outras vertentes.
Meu nome é Bond. James Bond! Acredito que quando o escritor Ian Fleming criou as aventuras do agente 007, jamais passou pela sua cabeça o fim do império soviético. Hoje, não há mais contexto para se produzir um filme, como por exemplo, Moscou Contra 007 (From Russia With Love). Por outro lado, suponho que a produção de novas aventuras utilizando-se do cenário da antiga URSS estariam destinadas ao fracasso. Imagino os diálogos da turma com menos de trinta, após o término do filme: "Pô, véio! Filme ruim. KGB, Kremlin... os caras citam umas bandas que não passa na MTV".
E ainda que nos últimos anos não houvesse mais motivos para espionagem, contudo, os caras de Los Angeles ainda insistem com a personagem. O último filme desta série, Cassino Royale, tem locações em Madagascar, além de exibir um 007 brutamontes e mais burro que uma toupeira psiônica1. Madagascar, afinal que diabos tem para se espionar por lá? Nada! Nos antigos filmes de piratas estrelados por Errol Flynn e Burt Lancaster, esta ilha servia de esconderijo para saques.
Por falar em espionagem, com a queda do muro de Berlim julguei encerrada a carreira do escritor John Le Carré, meu autor favorito de romances deste gênero. Em 1989, ao ser arrancado o primeiro tijolo do Mauer - como os alemães chamavam o muro, Le Carré perdeu o seu tema: o universo dos agentes secretos. E agora? Escreveria sobre o quê?
Mas talento é talento, assim, há poucos anos, John Le Carré escreveu um ótimo livro, O Jardineiro Fiel (The Constant Gardener), por sinal, gerador de uma adaptação para um filme de mesmo nome. No entanto, esta produção nada tem a ver com guerra fria ou espionagem, é focada em experiências não-confessáveis no Quênia, patrocinada por uma espécie de divisão cosa nostra da poderosa indústria farmacêutica norte-americana.
O fim da URSS e do chamado bloco soviético, não serviu apenas para riscar os romances de espionagem da lista de best-sellers; nem de obrigar os cartógrafos da geopolítica a fazerem horas extras; além de encerrar a linha de produção daquele pequeno automóvel fabricado na RDA, o Trabant, ou Trabbi, para os íntimos (veja foto acima), um carrinho feio de doer, todavia, mais simpático que uma Mercedes F700. A sua queda libertou o dragão da cobiça apocalítica, ou seja, substituiu o famoso chavão dos Três Mosqueteiros "um por todos, todos por um", por "salve-se quem puder". Neste vórtice neoliberal, ainda desmoralizou a ONU; potencializou os poderes do destemido xerife Wyat Earp com novas técnicas de chutar cachorro morto; e, como uma prostituta sagaz, seduziu o luxuoso socialismo do oeste europeu, tentando-o com a sensação maravilhosa - num futuro próximo, de se respirar ar privatizado; também, promoveu uma lobotomia coletiva na esquerda, transformando os seus adeptos em toupeiras psiônicas dotadas de dois únicos dons: o da retórica vazia e o de nenhuma ação eficaz.
Outro dia, um amigo contou-me que, ao mencionar a expressão marxismo–socialismo científico, referindo-se à doutrina criada por Marx e Engels, indagaram-lhe se aquilo era uma nova tendência do rock. Isto é, mais um segmento como tantos outros existentes deste eterno estilo filosófico-musical: rock progressivo, hardcore, punk, gothic metal, dentre outros.
E pensar que, no Brasil, houve um tempo em que revelar-se comunista era sinônimo de prestígio intelectual e de sucesso entre as garotas. "O quê? Ele é comunista? Menina, que chique, hein?" - admirava-se uma amiga, em conversa acerca do novo namorado da outra.
Ainda me lembro dos primórdios da faculdade, no restaurante da Universidade Federal da Bahia, no Café, após o almoço, de debates acalorados sobre quem situava-se mais à esquerda na ideologia comunista. "Eu sou da corrente trotskista", vangloriava-se um; "eu, leninista", gabava-se outro; "fulano, é stalinista", afirmava alguém; "pois ciclano, é da linha albanesa". Ohhhh!!!, clamavam todos, em uníssono. Pois é, ser da linha albanesa era assim como uma espécie de ás de um jogo de cartas. Na categoria intolerância ao capitalismo e à burguesia, ganhava de todas as outras vertentes.
Meu nome é Bond. James Bond! Acredito que quando o escritor Ian Fleming criou as aventuras do agente 007, jamais passou pela sua cabeça o fim do império soviético. Hoje, não há mais contexto para se produzir um filme, como por exemplo, Moscou Contra 007 (From Russia With Love). Por outro lado, suponho que a produção de novas aventuras utilizando-se do cenário da antiga URSS estariam destinadas ao fracasso. Imagino os diálogos da turma com menos de trinta, após o término do filme: "Pô, véio! Filme ruim. KGB, Kremlin... os caras citam umas bandas que não passa na MTV".
E ainda que nos últimos anos não houvesse mais motivos para espionagem, contudo, os caras de Los Angeles ainda insistem com a personagem. O último filme desta série, Cassino Royale, tem locações em Madagascar, além de exibir um 007 brutamontes e mais burro que uma toupeira psiônica1. Madagascar, afinal que diabos tem para se espionar por lá? Nada! Nos antigos filmes de piratas estrelados por Errol Flynn e Burt Lancaster, esta ilha servia de esconderijo para saques.
Por falar em espionagem, com a queda do muro de Berlim julguei encerrada a carreira do escritor John Le Carré, meu autor favorito de romances deste gênero. Em 1989, ao ser arrancado o primeiro tijolo do Mauer - como os alemães chamavam o muro, Le Carré perdeu o seu tema: o universo dos agentes secretos. E agora? Escreveria sobre o quê?
Mas talento é talento, assim, há poucos anos, John Le Carré escreveu um ótimo livro, O Jardineiro Fiel (The Constant Gardener), por sinal, gerador de uma adaptação para um filme de mesmo nome. No entanto, esta produção nada tem a ver com guerra fria ou espionagem, é focada em experiências não-confessáveis no Quênia, patrocinada por uma espécie de divisão cosa nostra da poderosa indústria farmacêutica norte-americana.
O fim da URSS e do chamado bloco soviético, não serviu apenas para riscar os romances de espionagem da lista de best-sellers; nem de obrigar os cartógrafos da geopolítica a fazerem horas extras; além de encerrar a linha de produção daquele pequeno automóvel fabricado na RDA, o Trabant, ou Trabbi, para os íntimos (veja foto acima), um carrinho feio de doer, todavia, mais simpático que uma Mercedes F700. A sua queda libertou o dragão da cobiça apocalítica, ou seja, substituiu o famoso chavão dos Três Mosqueteiros "um por todos, todos por um", por "salve-se quem puder". Neste vórtice neoliberal, ainda desmoralizou a ONU; potencializou os poderes do destemido xerife Wyat Earp com novas técnicas de chutar cachorro morto; e, como uma prostituta sagaz, seduziu o luxuoso socialismo do oeste europeu, tentando-o com a sensação maravilhosa - num futuro próximo, de se respirar ar privatizado; também, promoveu uma lobotomia coletiva na esquerda, transformando os seus adeptos em toupeiras psiônicas dotadas de dois únicos dons: o da retórica vazia e o de nenhuma ação eficaz.
Guilherme Xavier
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(1) Toupeira psiônica - significado apenas conhecido por jogadores de RPG, linha Dungeons & Dragons.
15 comentários:
Até que enfim, seu «amigo da onça»! :)=
Um forte abraço.
P. S. Me faça um favor, é pedido de favorecimento mesmo - LOL!!! - me escreva um sobre Imperador Ming e Doutor Fu Manchu!
P. P. S. Como tua escrita é única mesmo, lhe coloquei a etiqueta: Pulp Fiction, que coloca num ápice seu universo num contexto contemporâneo de relações imaginárias e simbólicas, do que se eu usasse a etiqueta em Língua Portuguesa.
... É o que dá quando se mistura Karel Čapek, Kafka, RPG, vodka negro e mulher boa! JAJAJAJAJA!!!
Ótimo texto!
Sê bem-vindo a esta casa comum.
Beijo.
Este post é uma afronta a quem vive aqui na margem sul do Tejo e é dominado, cerciado e controlado pelos apoiantes do regime copiado da URSS que aqui se instalou no pós 25 de Abril e nos desgovernam e nos impõem uma ditadura há 34 anos.
L+G
Aos 14 anos, tenho conhecimento histórico da força que foi a URSS. Lembrança é óbvio que nenhuma já que o bloco foi extinto em 1991 e eu nasci em 1994. Cortina de ferro foi uma expressão usada para definir a Europa em duas áreas de diferentes influencias políticas e econômicas, sendo uma linha imaginária.
Eu discordo que a minha geração defina marxismo–socialismo científico como uma nova tendência do rock, e olhe, eu sou do Rock. Não somos uma tribo de patetas sem cultura e alheios ao passado histórico, pois isto é subestimar a nossa potencialidade.
Hoje em dia não é chique ser comunista porque ele se extinguiu de fato, o que há na verdade, é um grupo visionário e saudosista de pessoas na sociedade que rema contra a realidade.
“Isto é, mais um segmento como tantos outros existentes deste eterno estilo filosófico-musical: rock progressivo, hardcore, punk, gothic metal, dentre outros”. Que absurdo! Minha geração é fruto de pessoas ou que acreditaram no comunismo como força política verdadeira ou não, pois no tempo da minha mãe, ou se era de esquerda, de direita ou alienado, e não rolava esse papo de ser de centro.
Vi praticamente todos os filmes de James Bond, pois de tempos em tempos, a TV a cabo passa a antologia dos filmes e podemos constatar as diferentes atuações dos diversos atores que já desempenharam o papel de Bond. Pode não haver mais contexto para se produzir um filme como Moscou Contra 007, entretanto, minha geração não é a personificação de um grupo de acéfalos que não possa entender o contexto desse filme e nem pode ser retratada dessa forma aqui ressaltada: Pô, véio! Filme ruim. KGB, Kremlin... os caras citam umas bandas que não passa na MTV".Ler isso, me revira o estomago, e me dá gana de fazer o que estou fazendo agora: contestar veementemente o teor desse texto, que embora seja inteligente, é equivocadíssimo.
Eu até reconheço que há alienação em minha geração, mas na sua também houve, então por favor, não generalize colocando todos da minha geração num mesmo saco, pois há pessoas deste século que nasceram pra fazer a diferença, senhor.
Beijinho.
biazinha: eu, 'cota', aqui absolutamente Contigo, e a geração que tão bem dignificas
Achei um texto interessantíssimo.
Escrito com sentido de humor e com realismo, também.
Bia, não me parece que seja intenção do Oliver denegrir pessoas da tua geração. O post tem um âmbito mais vasto.
De qualquer forma a carapuça é só para quem serve e tu és uma excepção à regra:)
Não,Tia Andorinha eu não sou exceção e detesto generalizações.Sei que o texto não teve a intenção de denegrir a minha geração, o texto é bom, mas há pontos extremamente equívocados no que se refere à minha geração, e eu tenho todo o direito de expor a minha opinião, assim como o Sr Oliver expressou a dele ao postar esse artigo.
Obrigada, Carlos gil , meu mangusso!
Que sobrinha repontona que eu tenho!:)
Beijinhos
O texto do Guilherme, toda a sua escrita, se inscreve numa tradição do sarcasmo e do satírico, um humor ácido e negro, numa reinvenção da literatura de cordel.
Estão a levar a sério - algo que se assume como um novo pulp.
Quem levou a sério fui eu, mais ninguém. Gostei do texto mas não da parte em que se refere a nós adolescentes.
Estudamos, temos pai e mãe, portanto conseguimos ver o charme de KGB contra CIA sabendo do que se trata.
Pô, véio! Filme ruim. KGB, Kremlin... os caras citam umas bandas que não passa na MTV.. Esse é um dos trechos mais irritantes. Não somos débeis mentais, Klatuu!
Sem mais.
Não estou falando para você, bebé, mas para quem quer que leia; apenas expresso a minha opinião de leitor; os textos do Guilherme são pulp, «literatura de cordel», que tudo mistura, é pura sátira e non sense, como tudo o que ele escreve.
Parabéns, caro Guilherme, e muito sucesso.
Um abraço português cheio de estima para si.
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