Na rota das caravelas e dos galeões que iam e vinham das Colônias Americanas e das Índias, carregados de prata, ouro, especiarias e mercadorias do velho mundo, ficava o local conhecido pelos navegantes e piratas como a “Paragem do Corvo”. Rochedo íngreme, emergido abruptamente no Atlântico Norte, onde as correntezas marinhas e os Ventos do Ocidente geram uma mudança de direção das águas, ao largo, para a Terceira e Continente, assinalado nos portulanos do século XIV, era ponto de aguada e refresco para aqueles que ficavam no mar por muitos meses na arte da pesca e da cabotagem e, para os piratas, área de espreita para pilhagem das ricas presas. A Ilha do Corvo, a mais ocidental e longínqua do arquipélago açoriano, pelas dificuldades de acesso e sobrevivência foi, nos primeiros séculos de ocupação, quase esquecida e marginalizada pelo reino. A dificuldade de acesso, a pobreza e escassez do solo, os impostos desmedidos dos donatários e da Coroa, os caprichos da natureza, a falta de defesa eficiente, fizeram destes ilhéus homens que se adaptaram às circunstâncias, que não se importavam muito com as retardadas ou madrastas decisões do governo. Quando não podiam se proteger ou estavam em desvantagem, barganhavam com inimigo, e quando não tinham o que comer, emigravam com ou sem a permissão das autoridades, geralmente como clandestinos, nos barcos que ali aportavam. Naqueles primeiros tempos, a vida corria envolta em mistério, povoada de lendas, naufrágios e encontros com piratas. O que não chegava pela via legal, a do governo, chegava pela ilegal, com o comercio com a pirataria e a recolha dos destroços das embarcações sinistradas. Nas invasões da ilha, quando não se tinha lugar para esconder ou nada para oferecer, o medo era ser morto ou seqüestrado pelos mafomas, para depois ser vendido no mercado do oriente como escravo, ou para ser resgatado pelos reis cristãos, quando para isso se tinha dinheiro. O recurso foi, como disse Drummond: “ser um pigmeu nas muralhas de Tiro”, procurar inverter a situação. Fazer como se fazia nas costas das ilhas da Bretanha francesa ou na Cornualha inglesa, na escuridão da noite acender tochas nas regiões costeiras, atrair o inimigo para o desconhecido... O mar, às vezes tão traiçoeiro, era quase sempre um aliado. Para se chegar ao porto das Casas era preciso conhecer aquelas águas para não ser tragado. Na fúria das tempestades, quando poderosas ondas escuras se levantavam em altas e ameaçadoras muralhas de espuma e, raivosamente, se atiravam contra as rochas num ruído ensurdecedor e profundo, barcos eram arremessados contra a costa, espalhando as cargas preciosas, engolindo com avidez gentes e cascos. Mais tarde, depois que tudo amainava, vinha a clamaria. Um imenso espelho turquesa se dilatava e, como dádiva, oferecia os restos do seu banquete, àqueles ilhéus que, assustados, os aproveitavam. Com a madeira recolhida casas se levantavam, mobília se completava. Gêneros e utensílios enriqueciam os desprovidos lares ilhéus. Era a pilhagem da desgraça alheia, feita sem culpa. Era a oferta do mar aos cativos do rochedo. Conta-se que, dentre os não poucos naufrágios que ali ocorreram, em dezembro de 1770, uma nau vinda do México, afundou na costa da ilha com cerca de 200 pessoas a bordo e uma grande caixa de ferro, repleta de ouro e pedras preciosas. Os habitantes chamaram o barco de: “A nau dos Quintos”. Em 1654, também nestas águas corvinas, naufragou o galeão português, vindo do Maranhão, com o padre Antonio Vieira e outros passageiros. Salvou-os um navio pirata, que rondava pela paragem. Deixou-os em outra ilha, a da Graciosa, para que seguissem viagem. Acontecimentos fantásticos de desespero, loucura e antropofagia em alto mar, desaparecimento de tripulações, revoltas e batalhas, ficaram esquecidos na história do Corvo, quando os piratas e os corsários de antigamente se foram com o tempo.
Maria Eduarda Fagundes
Uberaba, 27/08/08
1 comentário:
Excelente!
P. S. O primeiro contributo literário brasileiro a inscrever-se inteiramente na etiqueta: Renascimento Lusitano.
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