Fui ao encontro do meu continente. A terra cresceu para mim, mais seca e mais árida do que a minha anhara do planalto da infância. Qual superfície lunar, areia e pedra solta por toda a ilha, até ao horizonte. E então o mar. As águas límpidas, as ondas mansas, a areia suavíssima a afagar os pés. Logo a seguir o mergulho da entrega à frescura ímpar da água ansiada. Um prazer de deuses.
Na ilha mais árida de Cabo Verde, a Ilha do Sal, o turismo com os melhores hotéis e resorts em construção, as praias magníficas, fazem dela a mais frequentada do arquipélago. E Portugal presente, manifestado no mais banal: na sinalização das estradas, indicações de direcção, nas caixas estandardizadas para encomendas nos correios, na palavra dos guias referindo a Pedra de Lume como o primeiro encontro da terra com os portugueses. No nome dos barcos. Na referência à continuação dos estudos, completado o Ensino Secundário. Coimbra, o destino preferencial dos estudantes para o curso superior. E, claro, o futebol. Sou do Sporting, diz o nosso guia Hércules que tem uma filha a estudar em Faro.
Mas o inglês faz ali o seu trabalho, sem esmorecer. Um casal de ingleses conduz-nos à noite para o local onde as tartarugas fazem habitualmente a desova. Ela, residente no arquipélago desde há cinco anos, fala fluentemente o crioulo. E português? Entende, mas não fala, naturalmente. Não lhe interessa.
Hei-de voltar com mais tempo para conhecer as outras ilhas. No Sal, o turismo inflacionou tudo, a habitação condigna tornou-se incomportável para os autóctones, sem salário mínimo sequer estabelecido. A construção agressiva por parte dos italianos ocupa pedaço considerável das terras à beira-mar, desrespeitando o ambiente, levando o governo a impedir recentemente a ocupação de mais terrenos para construção. Os salários são baixos. A terra nada produz com a falta de chuvas. A Terra Boa, onde todos têm um espaço de cultivo, pujante ainda há duas décadas, está reduzida a algumas acácias tristes, dobradas pela seca e pelo vento quente que sopra de África.
Mas há escola para todos e ali ensina-se a Língua Portuguesa.
3 comentários:
Cabo Verde.... não será a África-África que conhecemos mas dela terá um cheiro tão forte que nem os resorts ou a aridez seca a apagam da tua mão, mão-nervo com chip cravado nas savanas do teu peito.
ler-te é uma delícia. mas como todas as guloseimas "faz mal": alastra-me a cárie no dia-a-dia quanto - como se não fosse carga a minha nostalgia! comecei a beber o vício das tuas palavras.
um dia dai-me um vaipe e bazo daqui. não para as cidades, as megas-cidades cheias de cores turísticas e mil e uma confusões. para uma terra à beira-mar, uma vida enorme de tão simples, aparentemente pequena. o mergulho da minha nudez no mar, no mato, reaprender como fazer um carrinho de arames e jogar n'tchuva à sombra duma mangueira com os madalas. reaprender-me, assim como me redescubro lendo-te. sim, sou de silêncios e esse sonho dum eldorado quase solitário fala-o. como a leitura dos teus post o faz, em cada silêncio um engolir em seco e o desejo dum grito que depois silencio. silenciarei-lo sempre? serei covarde se não mandar tudo às malvas, e meia mochila de livros e outra de latinhas de sonhos sortidos não embarcar no xitimela que vai para Inhambane? dizem-me que já lá há adsl - o demo, sábio, quiçá amigo, sabe como tentar os órfãos da civilização, aqueles em que as raízes têm cíúmes das de embondeiro, os que sentem aproximar-se a idade do cambaco procurar o seu canto com índica esquadrida na janela, por tecto o brilho do azul suave do céu Sul.
leio-te. provavelmente lês-me. eu lendo-te leio-me, e agora pergunto-te: é diferente o salgado atlàntico que te bordeja os lábios, é diferente do índico meu? este, minha catarse privada, íntima e pública-sem-a-ser, tem o sabor do impossível porque nela misuram-se regatos que a montante vêm de nascentes que foram gémeas mas já não o são. uma chama-se juventude e teve Era e Modo, que nas cãs se cristalizaram e só na memória vertem o fio que alimenta os lábios e lhes dá o travo e aviça a cor. outra, a outra, é água gaseificada que, desrolhada ou em mãos em concha recolhida vê o borbulhar esmorecer se não for presto a tragá-la, agradáveis piquinhos no céu-da-boca quando a encho de África-nostalgia.
Inhambane da minha ilusão. Kalahari dos teus sonhos. resorts da realidade.
commment deprimente, dirás. acredita como eu o faço que não o é. é que fico sempre lamechas quando leio palavras ouro, e tu conheçes a mina. ó se conheces!..
um beijo grato
"silenciar-lo-ei". sorry pela nabice :-(
«Viajar! Perder países!» (FP)
Os que viajam - e os que viajam...
Beijinho.
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