LITERATURA PORTUGUESA (I)
Na faixa ocidental da Península, onde se falava o galaico-português, desenvolveu-se desde data impossível de precisar uma poesia lírica cuja característica principal, quanto à forma, é o paralelismo, tão frequente nas poesias populares; nada sabemos de positivo quanto à sua origem podendo hesitar-se entre uma tese árabe, outra que lhe atribui a aparição às Festas de Maio e outra ainda que a filia em certos cantos eclesiásticos. Pelo que diz respeito ao assunto, as poesias paralelísticas cantam com uma certa frescura, uma certa ingenuidade graciosa, as saudades da namorada, as suas confidências e as suas esperanças, por vezes com alguma sensibilidade à paisagem; não têm no entanto grande valor nem é possível atribuir aos seus autores quaisquer características pessoais. O mesmo acontece com os poetas que, em todas ou algumas das suas composições, se inclinavam mais para a imitação dos modelos que vinham da Provença, nas cantigas de amor e em certas cantigas de amigo ou poesias em que a rapariga manifesta o seu amor. O carácter de artificialidade e de escola é extremamente acentuado e a obediência a modelos de tal ordem que se torna difícil, mesmo em autores de grande produção, como por exemplo el-rei D. Dinis, qualquer fixação de qualidades que os distingam uns dos outros.
Um pouco mais tarde do que estas poesias, cujo primeiro texto deve ser do século XII, e que se encontram reunidas nos Cancioneiros, aparece a prosa, cujo valor artístico é ainda menor do que o da poesia, se exceptuarmos um número bastante reduzido de páginas; como era natural, numa sociedade em que a influência religiosa se fazia sentir, grande parte dos textos é de carácter apologético; há vidas de santos sermões, tratados moralizadores, em que a inspiração, quando existe, luta contra as imperfeições inevitáveis numa prosa que principia. Nos Nobiliários ou Livros de Linhagens, que são os mais importantes de toda a literatura histórica da época há trechos em que já se revela poder de descrição e certo sentido dramático: bastará citar a Lenda de Gaia, o Bispo Negro, A Dama-Pé de Cabra, a Batalha de Salado.
O romance de cavalaria, respondendo como a literatura religiosa e a literatura histórica, às necessidades e características da sociedade do tempo, aparece representado, principalmente, pela História de Vespasiano, o Romance do Graa1, ligado ao ciclo do Rei Artur, e pelo Amadis de Gaula, se é de aceitar a hipótese de uma redacção portuguesa anterior à versão castelhana.
A partir dos fins do século XIV a literatura poética muda de aspecto quanto aos temas e quanto à realização técnica, sobretudo devido à influência da literatura castelhana e, através desta, da literatura italiana. No Cancioneiro de Resende, compilado no século XV, mas só publicado no século XVI, os poetas, que são ainda nitidamente poetas de corte, entretêm-se em futilidades, por vezes interessantes para os estudos históricos, mas de valor literário muito reduzido. Só as Trovas à morte de Inês de Castro, de Garcia de Resende, a Cantiga Sua Partindo-se, de Castelo Branco, o Inferno de Namorados de Duarte de Brito se levantam ao nível da verdadeira poesia. Já o mesmo não acontece na prosa, se pusermos de parte os trabalhos de D. João I e de alguns dos filhos — o Livro de Montaria, o Leal Conselheiro (D. Duarte), o Tratado da Virtuosa Bemfeitoria (D. Pedro). Fernão Lopes (1380?-1445?) desenvolvendo o que já se encontrava tomo germe nos Livros de Linhagens, afirma-se como um dos melhores escritores portugueses e com toda a possibilidade de sustentar comparação com os grandes cronistas estrangeiros; a época que escolheu, ou lhe foi imposta, corno tema da sua história, desde o reinado de D. Pedro até ao de D. João I, era fértil em acontecimentos dramáticos que serviam maravilhosamente o génio do escritor ; o seu ardente patriotismo, que não o leva em todo o caso a deturpar a verdade, a sua simpatia pelo povo, o seu gosto do pitoresco, a capacidade de movimentar grandes massas, a nitidez e a finura dos retratos psicológicos, a imparcialidade de que só os grandes artistas são capazes, dão a Fernão Lopes um lugar excepcional na literatura histórica da sua época; tudo se congregou, qualidade do tema e qualidade do escritor, para que qualquer das suas crónicas, a de D. Pedro, a de D. Fernando, a de D. João, sobretudo a última, abundem em páginas de que seria impossível exceder a beleza, a inteligência, o perfeito domínio. Qualquer dos seus sucessores, Rui de Pina (1440?-1521 ?) e Gomes Eanes de Azurara (? -1474), se lhe mostra muitíssimo inferior : são funcionários que cumprem o seu dever de registar factos e por vezes com bastante parcialidade; há, no entanto, do primeiro, alguns quadros da Crónica de D. Dinis e da Crónica de D. João III, do segundo, alguns passos da Crónica da Guiné e da Crónica de D. João I, que se elevam um pouco acima da mediocridade. O mesmo se poderá dizer da Crónica do Infante Santo, escrita por Frei João Álvares e da Crónica de D. João II de Garcia de Resende (1470?-1536), embora esta última forneça alguns elementos interessantes para o estudo da psicologia do rei. A Crónica do Condestabre é, possivelmente, um esboço da história de Fernão Lopes ou então um livro em que se aproveitaram trechos deste autor.
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