Quando, Lídia, vier o nosso outono
Com o inverno que há nele, reservemos
Um pensamento, não para a futura
Primavera que é de outrem,
Nem para o estio de quem somos mortos
Senão para o que fica do que passa
O amarelo atual que as folhas vivem
E as torna diferentes.
REIS, Ricardo, Odes.
Apenas porque era manhã levantou. “Já não consigo mais tocá-la, porque não existe mais em mim aquela abstração necessária ao amor, ou à poesia”. Pensou, não necessariamente com essas palavras. Pela fresta da janela, a luz dominical entrava muito educada, mas sem pedir licença. O que era verdade no meio daquilo tudo? Existir? Mas o que vem a ser existir e esta vida tão monótona e cotidiana diante do universo?
Ela já estava acordada, mas mantinha os olhos fechados. “Parece um bebê”. Ele pensou porque ela dormia toda encolhida. Levantou a mão com desejo de tocá-la, nos cabelos principalmente, mas recuou. Era como se um lutador de boxe, Mike Tyson talvez com seus dezenove anos, o segurasse pelo pulso.
Procurou os chinelos sob a cama. Estavam perdidos... lá... no fundo... Teve que entrar embaixo da mobília para pegá-los. O azulejo era frio no seu peito. Mármore. Todo o processo o irritou. Precisava mesmo era de umas férias na Jamaica, isso sim!
No banheiro, puxou, mirou, disparou. Errou outra vez. Ela se irritaria novamente. Fazê o que, né? Como conseguiam encher um dia inteiro de discussões? Escovou os dentes.Eles não eram mais brancos. Nicotina demais. O tempo todo. Voltou para a cozinha. Encheu a chaleira de água e colocou no fogo. Tirou o revolver da capa e pôs no som pra tocar. I´m only sleeping. Abriu a porta e acendeu um cigarro. Da cama ela fingiu uma tosse. Aqui na cozinha ele não se irritou. Continuou apenas sorvendo a fumaça e observando as falsas rosas de plástico que cresciam no canteiro lá fora.
Se não eram vivas, tampouco morreriam.
O pianista boxeador é Daniel Lopes.
4 comentários:
fake plastic life...
gostei bastante.
abraço.
O tempo adormece sentimentos e impõe uma espécie de marasmo emocional dentro de nós, e em especial de quem partilha de nosso dia a dia...é a própria roda-viva cantada por Chico Buarque.
A narrativa é fechada com chave de ouro:...” observando as falsas rosas de plástico que cresciam no canteiro lá fora.
Se não eram vivas, tampouco morreriam.”
Sim, não morreriam, mas também não haverá a intensidade de alegria ou sofrimento. Em nosso cotidiano cultivamos muitos canteiros de FAKE PLASTIC TREES.
Beijos MIL.
Nem preciso dizer o quanto gostei, não é?
Gostei muito, muito mesmo.
A vida plastificada...
Beijos.
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