– Que tem Portugal de seu, disse ele, que tem que não tenham os outros senão na medida em que portugueses sejam. É esta a questão, a pergunta fundamental.
– Não penses tanto nisso, disse ela. Já devias saber, vocês todos já deviam ter aprendido ao fim de tanto tempo. Tantos séculos.
– Portugal, disse ele, e acendeu um cigarro como se não soubesse o que dizer. É que agora é tão importante.
– Foi sempre, sabes? disse ela, e andas a fumar demais. Foi sempre importante, e vocês não pensavam assim tanto quando venceram o mar. Faziam as coisas como se soubessem o que devia ser feito, como se tudo fosse tão fácil. Lembras-te de Outubro em Paris? Falavas-me do Pessoa e eu contei-te segredos que tinha jurado não contar a ninguém, havia sempre uma história de reis, uma história de perder. Na noite escreve um seu cantar de amigo... era tão simples. Porque é que é tão difícil entenderes?
– Já sei isso tudo, respondeu ele, somos a calmaria, somos o olho do furacão. Disseste-me isso na primeira noite, no centro do furacão não faz vento nenhum. É mais bonito em francês. E por isso não temos grandes lendas como os celtas nem bruxos como os ingleses nem duendes nem trolls nem vampiros nem tesouros. Por isso não temos nada que se veja.Temos o nevoeiro da Atlântida e o Brasil que um dia há-de vencer a Atlântida. Tu estás de fora.
E pareceu que ela ia falar mas não disse nada e ele disse não estás de fora, eu sei. É uma maneira de dizer.
– Portugal, disse ela, o que se oculta no teu país. A seu tempo virá, tu sabes. Antigamente não vos custava morrer.
– Sei, disse ele baixinho. É tão difícil. Como se fosse um Alcácer-Quibir permanente...
– Permanente não, disse ela, e sorriu. Alcácer-Quibir eterno. Eu expliquei-te a armadilha. A diferença.
– Tenho pena, às vezes, de não ser como tu, disse ele. Sim, o tempo, e até me ias convencendo com as tuas histórias da serpente. Às vezes tenho pena de não ser meio pagão meio gnóstico ou lá o que tu és. Vais sempre parar às Plêiades ou à Ursa Maior e misturas o Guénon com esse abismo a que chamas tantra. Não sei deixar de ser cristão.
Ela olhou-o como nas noites de Outubro. E ele lembrou-se das palavras a Europa está-me no sangue.
– Cristão, disse ela. A Ele também não lhe custava morrer.
8 comentários:
Eu não me importo que fumes demais, caríssimo, enquanto continues a ofertar-nos os teus textos únicos!
Abraço!
P. S. Vou ver se encontro o poema que te dediquei, sobre o tabaco... ;)
Eita texto porreta!
Beijoos, tio 2dão.
Eu te respondi no outro post. Postamos simultaneamente. Mas se achares melhor, podes continuar o assunto aqui.
Neste momento tenho que ajudar a mami com a faxina, entretanto, volto mais tarde.
Que fique claro, que só me coloquei ali naquele post por ver que tu estavas na caixa de comentários, e como gosto de ti, sinto-me a vontade de discutir idéias contigo.
Beijinho.
Sempre, bia! :)
Tem a certeza de que nao temos lendas de druidas, bruxos, cavaleiros e etc.?
Ha quem diga que essas gestas arturianas e graalicas foram copiadas de outros lugares ...
Mas todos nos ja sabemos muito bem que o segredo e a alma do negocio;-).
Ler-te é sempre um enorme prazer.
E hoje fico-me por aqui...:)
Beijinho.
Ana Margarida, não foi dito que não tínhamos lendas... ou bruxos. Mas não com a dimensão da Europa-Europa. Temos as Mouras, mas a partir das histórias delas não se faz uma inteira mitologia; a Dama Pé de Cabra, e a sua irmã do mar antepassada dos Marinhos galegos não tem o poder da Mélusine; não seria fácil (e ainda bem...) encontrar portugueses que emparceirassem com o John Dee, o Saint-Germain ou o Ficino. A Regaleira (o que eu vou dizer...) é essencialmente kitsch. E tentamos ler os impenetráveis monumentos da Batalha e dos Jerónimos com tão pouca certeza - e tanta distância- como se fossem as pedras imemoriais de Stonehenge.
Em tudo isto, como diz muito bem, o segredo foi a alma, e a alma manteve-se secreta. De que abissais negócios falta saber, ou talvez saibamos já qualquer coisa. Talvez que os meus enamorados possam um destes dias continuar a sua fala...
:)
Porventura (por ventura?) o que "tem Portugal de seu [...], que não tenham os outros senão na medida em que portugueses sejam", seja o desejo de além-ser, por vezes confundido com o de não-ser, a que também se chama saudade. Ímpeto de auto-transcensão ou apagamento, como um eros-thanatos que recorda ou intui, sem o saber, que nações, tempo e história são filhos da grande cisão... do grande diabolismo civilizacional ou mais remoto, originário...
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