A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Cadernos de Agostinho da Silva (excertos)


BUFFON

Georges Louis Leclerc, cavaleiro, depois conde de Buffon, em recom­pensa dos seus trabalhos, nasceu em Montbard, em 1701; pertencia a uma família rica e pôde dedicar-se, sem nenhuma preocupação de ordem finan­ceira, ao estudo de todas as questões que o interessavam; quando o pai morreu, ficou na posse de minas e de forjas que o tornavam um dos homens mais abastados de França; entre os 20 e os 25 anos de idade viajou pela Itália e pela Inglaterra com um jovem inglês seu amigo e iniciou-se na botânica; a matemática, no entanto, prendia-o mais e toda a sua admiração ia para os estudos de Newton; ao mesmo tempo, trabalhava na física e traduzia para francês obras de sábios ingleses; em 1755 foi nomeado sócio adjunto da Academia de Ciências e apresentou várias memórias sobre física e agricultura. A escolha para intendente do Jardim de El-Rei ou Jardim das Plantas foi o grande passo da sua vida: era este o cargo em que Buffon melhor podia aplicar as suas qualidades e também o que mais sólidas bases lhe daria para a obra futura; o Jardim tivera até aí reduzida importância: destinava-se ao cultivo de plantas medicinais e os seus directores nada tinham feito que lhe desse carácter mais largo; com uma grande capacidade de ini­ciativa, uma forte atenção a todos os pormenores, uma larga concepção de objectivos, uma perseverança que nada abatia, um tom geral de energia calma, um entusiasmo que se não dissipava em explosões sem resultado, mas todo se concentrava e movia os obstáculos mais poderosos por um esforço sem pressa e sem descanso, conseguiu Buffon que o Jardim das Plantas se transformasse num dos maiores institutos de ciências naturais que se têm organizado; foi ele quem imaginou e realizou o Muséum d'Histoire Natu­relle onde tantos trabalhos notáveis se haviam de produzir e onde os estu­diosos encontrariam sempre ao seu dispor colecções de incalculável riqueza; não só alargou os domínios da botânica como lhe juntou a zoologia, a mineralogia e todas as disciplinas que podiam dar uma visão tão completa quanto possível do mundo em que vivemos. Em 1749 saíram os três primeiros volumes da História Natural; começava-se por uma Teoria da Terra e um Sistema da Formação dos Planetas em que Buffon expunha teorias relativa­mente audaciosas que provocaram reacções da Sorbonne; depois vinham uma História Geral dos Animais e uma História do Homem; entre 1755 e 1767 apareceram os doze volumes consagrados à história dos quadrúpedes: o êxito foi enorme, tendo-se vendido dezenas de milhares de livros; os me­lhores espíritos da época reconheceram o génio de Buffon e logo o compa­raram a Aristóteles e a Plínio, os grandes mestres de ciências naturais da antiguidade clássica; certo é, porém, que Buffon lhes era muito superior, pela grandiosidade do plano, pela segurança de vistas, pelo poder criador; a História Natural, completada, com a ajuda de outros cientistas, pela Histó­ria das aves e dos minerais e pelas Épocas da natureza, publicadas já em 1789, um ano depois da morte do autor, dá a exacta medida do espírito de Buffon: não há nele uma estreita e determinada vocação de botânico ou de zoólogo; o seu domínio é o da síntese, o da contemplação de todo o universo, o da inclusão, numa obra única, de tudo o que interessa na vida do mundo natural; tem, juntamente com as qualidades do sábio, as do artista, as do poeta e as do filósofo: a sua obra é uma concepção geral do mundo, traba­lhada com a exactidão do investigador, a capacidade sensual do pintor, os raptos de imaginação do grande poeta e a sólida concatenação do pensador; ao mesmo tempo, o estilo, que não é, segundo Buffon, senão uma ordenação das ideias, acompanha magnificamente, com o seu curso largo e profundo, com a sua perfeita continuidade, com a sua elevação que nunca é retórica, mas sólido e vasto pensamento, esta compreensiva exposição dos fenómenos naturais. Há erros, certamente, nas páginas de Buffon, doutrinas que não entendeu bem, como, por exemplo, a da nomenclatura de Lineu, outras de que não soube tirar todas as conclusões possíveis: muitos dos defeitos, eli­minou-os com o tempo, porque há um progresso sem interrupção desde o primeiro ao último volume da História Natural; os que ficaram pouco re­presentam em face do que de positivo conseguiu realizar: foi o criador de disciplinas científicas, como a paleontologia, a geogenia, a geografia zoológica; foi, pelas suas doutrinas sobre a evolução das espécies, e apesar de no início ter sido fixista, o precursor de Lamarck e de Darwin; está na base dos trabalhos de Cuvier e de Geoffroy Saint-Hilaire; e deu sobretudo a todos os homens uma alta ideia das possibilidades humanas: para Buffon a humanidade está ainda no início da sua história e um dia chegará, por uma organização adequada, a libertar-se de tudo o que significa inquietação mate­rial e de tudo o que provoca as grandes injustiças e os grandes morticínios; toda a História Natural, mesmo nos pontos em que menos o parece, está penetrada de sentido humano, tudo se refere em última análise à humanidade, tudo interessa ao homem; Buffon põe até, como sinal da nossa grandeza, o poder que temos, e podemos vir a ter em muito maior grau, de modificar a natureza, de a fazer obedecer às nossas concepções; e a cultura calma e progressiva do espírito, a certeza de que só dentro de nós encontraremos a energia que nos levará ao domínio das forças naturais, aparecem a Buffon como os alicerces indispensáveis de todo o trabalho construtivo que se possa realizar na terra; como o fim último também, porque nada pode imaginar de mais alto do que um homem perfeitamente culto e com a plena consciên­cia do valor universal do seu espírito.

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