LITERATURA PORTUGUESA (V)
A partir de 1865 dá-se uma reacção contra o ultra-romantismo de Castilho e dos seus discípulos, mas ao movimento não cabe a designação de realista que lhe tem sido dada; o fundo de toda a actividade poética ou de prosa, filosófica ou política, de crítica ou de ficção continua a ser a exaltação lírica dos românticos. Antero de Quental (1842-1891) aparece como chefe da escola, mas tem a independência suficiente para se desprender muito depressa de tudo o que o poderia limitar. O seu espírito, muito mais largo do que o de qualquer dos seus companheiros, não se submete a fórmulas e Antero explora com intensidade emotiva e com firmeza crítica os recantos mais sombrios, mais mal definidos do espírito humano e interroga a vida com uma amplitude que nenhum outro igualou; há nele ao mesmo tempo a angústia do grande artista e a serenidade do filósofo, o amor da contemplação e a embriaguez do agir, a aspiração de que a existência se aniquile e a aspiração de que a existência se afirme como bem. Nos Sonetos, em algumas Odes Modernas, nos opúsculos filosóficos e políticos, Antero, com todas as suas contradições, nunca deixa de prosseguir na busca ansiosa e sincera da verdade, na tentativa de resolver o que é porventura insolúvel; e tem sido este esforço, este sacrifício de uma felicidade a urna inquietação, que, mais do que qualquer das suas sugestões teóricas ou práticas, tem exercido influência nos melhores de várias gerações.
Dos seus contemporâneos, o que mais perto chega de Antero, embora ainda a grande distância, é Oliveira Martins (1845-1894), que também nunca resolveu as suas numerosas contradições, mas se mantém sempre num tom de superioridade, que vinha sobretudo da falta de consciência do que lhe faltava; dotado de uma extraordinária capacidade de trabalho e de qualidades vigorosas de um grande artista descritivo, Oliveira Martins acumulou os seus livros (História da Civilização Ibérica, História de Portugal, Portugal Contemporâneo, História da República Romana, Vida de Nun'Alvares), mas não teve a imaginação intelectual suficiente, nem a humildade ante a vida, nem as faculdades de análise e de síntese necessárias para lhes dar uma base ideológica segura.
Eça de Queirós (1845-1900), que tanto apreciou Oliveira Martins e tinha por Antero a veneração que se revela no seu artigo para o In Memoriam (Um génio que era um santo, in Notas Contemporâneas), não possuía nem uma vasta inteligência, nem uma forte personalidade artística ; sendo um lírico, deixou-se desviar pelas leituras de Zola e de Flaubert, tentou-se com o romance de costumes que de nenhum modo lhe convinha e só raras vezes se pôde libertar do que não era Ele próprio (Prosas bárbaras, parte da Ilustre Casa de Ramires, O Mandarim, a Cidade e as Serras, Vidas dos Santos); por outro lado, nos romances de costumes e de crítica social (O Primo Basílio, O Crime do Padre Amaro, A Relíquia, Os Maias), Eça não passou de uma camada muito superficial da sociedade portuguesa ; o essencial escapa-lhe; hábil em surpreender o ridículo, era impotente perante o mais profundo e trágico; e um falso conceito da elegância prejudicou uma grande parte da sua obra, mesmo no domínio do estilo, em que se revelou tão cuidadoso, tão fino, tão delicado artista. De resto, o melhor Eça encontra-se talvez nos livros de ensaios — Notas contemporâneas, Cartas de Inglaterra, Cartas Familiares.
Com Eça de Queirós trabalhou algum tempo nas Farpas Ramalho Ortigão (1835-1915), que depois as continuou sozinho; com uma erudição muito superficial, mas muito proclamada, com um estilo vigoroso, sonoro, Ramalho Ortigão fustigou durante alguns anos a sociedade portuguesa, sem que, no entanto, a tivesse compreendido bem; como Eça, também dela viu principalmente o que era menos importante. O mesmo defeito se poderá apontar nos Gatos de Fialho de Almeida (1857-1915), mas há noutras obras deste escritor (Contos, O País das Uvas) uma penetração psicológica que não tiveram nem Eça, nem Ramalho, embora qualquer dêles seja muito mais equilibrado e sólido do que Fialho de Almeida.
Guerra Junqueiro (1850-1923), de um magnífico poder verbal, poeta de batalhas (A Velhice do Padre Eterno, A morte de D. João, A Pátria) ou de um lirismo que hesita entre o quadro bucólico (Os simples) a filosofia (Orações) é bastante inferior no que se refere ao pensamento e aos dons poéticos de construção de sentido musical. Gomes Leal (1849-1921), quando se não deixa tentar pelo desequilíbrio, é muito melhor poeta do que Junqueiro (Claridades do Sul, História de Jesus). A qualquer dêles vence, com a sua obra restrita, Cesário Verde (1885-1886), cujos poemas, impregnados de melancolia e de luz, de profunda nostalgia de aspirações de força e de heroismo, de apaixonadas vibrações de amor e de ódio, deram, pela novidade do assunto e do ritmo, o grande impulso para a renovação da poesia.
A partir de 1890, e sobretudo pela influência de eruditos como Teófilo Braga (1863-1924), autor de estudos numerosos de história literária, embora seja inegável a importância de Garrett para o movimento, desenha-se uma literatura de reacção às tendências internacionalistas e críticas da geração de Antero. António Nobre (1867-1900), lança no Só os modelos poéticos, com a sua sensibilidade doentia, o seu apartado regionalismo, mas também com a compreensão de muito do que tinham desprezado os escritores da geração antecedente e a tentativa de ritmos novos, de formas de expressão que melhor se adaptavam ao hesitante pensamento do autor. Silva Gaio (1860-1934) tenta uma doutrinação, com o seu neo-lusitanismo, mas apesar de todas as qualidades reveladas nas Canções do Mondego, nos Torturados não havia nele o fundo real de um grande poeta ou de um grande pensador. Depois, o nacionalismo cinde-se e dá por um lado o saudosismo da Águia, órgão do movimento A Renascença Portuguesa, por outro lado, o Integralismo de António Sardinha (1887-1925).
Fora de todas estas escolas, porventura mais aparentadas à política do que à literatura, aparecem poetas como João Penha (1839-1919), notável pela perfeição da forma, e como Gonçalves Crespo (1846-1883), cujos Nocturnos e Miniaturas encerram poesias que, se são fracas pelos temas, são de grande valor formal; dramaturgos como D. João da Câmara (1852-1908) regionalista e sentimental (Os Velhos) ou como Marcelino de Mesquita (1856-1919), autor de dramas históricos (O Regente, Pedro o Cru); finalmente, e com muito mais valor, prosadores como Raul Brandão (1876-1930) e Teixeira Gomes (1862-1942); o primeiro, em Os Pobres, Húmus, O Gebo e a Sombra, Os Pescadores, sentiu como nenhum outro prosador o trágico da vida, a presença angustiante da morte; exprimiu-se a grandes pinceladas, com uma forte emoção lírica, mas não hesitou, quando se tornava necessário, em recorrer a quadros feitos, a fórmulas em que já se fixara; Teixeira Gomes, no Agosto Azul, no Inventário de Junho, em Gente Singular, nas Cartas sem moral nenhuma, em Maria Adelaide, revelou todo o seu temperamento de artista, todo o sensualismo da sua natureza, mas ao mesmo tempo o seguro gosto crítico, a inteligência disposta à reflexão e à ironia.
Modernamente, a literatura portuguesa não parece com tendência a fixar-se em correntes nítidas, embora pudessem concorrer para essa fixação circunstâncias várias, na sua maior parte alheias à literatura; cada artista procura acima de tudo exprimir-se, sem grande atenção a qualquer espécie de fórmulas que apenas poderiam limitá-lo.
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