TOLSTOI, A TERRA DE QUE PRECISA UM HOMEM (II)
II
Perto da aldeia vivia uma senhora, pequena proprietária, que possuía um terreno de cerca de 120 desiatines[1]. Tinha mantido sempre com os camponeses excelentes relações, até o dia em que tomou como feitor um antigo soldado que se pôs a multar toda a gente. Por mais cuidado que Pahóm tivesse, ora um cavalo lhe fugia para os campos de aveia da senhora, ora uma vaca ia para os jardins, ora as vitelas andavam pelos prados; e a multa lá vinha.
Pahóm pagava, resmungava e, irritado, tratava mal a família; todo o verão, o camponês teve conflitos com o feitor e só o alegrou a chegada do Inverno em que o gado tinha de ir para o estábulo; dava-lhe a ração de má vontade, mas ao menos estava livre de sustos. Durante o Inverno, correu que a senhora ia vender as terras e que o estalajadeiro se preparava para lhas comprar; toda a aldeia ficou alarmada.
Bem — pensavam os camponeses — se o estalajadeiro comprar as terras, as multas serão mais fortes ainda; o caso é sério.
Foram então, em nome da Comuna, pedir à senhora que não vendesse as terras ao estalajadeiro, porque estavam dispostos a pagar-lhe melhor; a senhora concordou e os camponeses reuniram-se para que o campo fosse comprado por todos e cultivado por todos; houve duas assembleias, mas o diabo semeava a discórdia e não chegaram a nenhuma combinação; cada um compraria a terra que pudesse; a senhora acedeu de novo.
Pahóm ouviu dizer que um seu vizinho ia comprar 20 desiatines e que a proprietária receberia metade em dinheiro e esperaria um ano pela outra metade; sentiu inveja e pensou:
— «Oram vejam isto; vão comprar toda a terra e eu não apanho nenhuma». Falou depois à mulher:
— Toda a gente está a comprar terras; vamos nós comprar também uns 10 desiatines; a vida assim é impossível; o feitor mata-nos com multas.
A mulher concordou e consideraram sobre a maneira de realizar o seu desejo; tinham uns cem rublos de parte; venderam um potro e metade das abelhas, meteram um filho a jornaleiro, recebendo a soldada adiantada, e pediram emprestado a um cunhado o que faltava para perfazer metade da quantia necessária.
Feito isto, escolheu Pahóm um campo de uns quinze desiatines, com um pouco de bosque, e foi ter com a senhora para tratarem do negócio; chegaram a acordo e o camponês pagou adiantada uma certa quantia; depois foram à cidade e assinaram a escritura em que ficava estabelecido pagar ele logo metade da quantia e entregar o resto dentro de dois anos.
Agora tinha Pahóm terra sua; pediu sementes emprestadas, semeou-as na terra que comprara; como a colheita foi boa pôde, dentro de um ano, pagar ao cunhado e à senhora; tornou-se assim proprietário, lavrando e semeando a sua terra, fazendo feno na sua terra, abatendo as suas árvores, alimentando o seu gado nos seus pastos. Sentia-se cheio de contentamento quando ia lavrar ou olhava para os trigais ou para os prados; a erva que ali crescia e as flores que ali desabrochavam pareciam-lhe diferentes de todas as outras; a princípio parecera-lhe que a sua terra era igual a qualquer outra; agora, porém, via-a totalmente diversa.
[1] O desiatine vale aproximadamente um hectare.
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