A Pedra

Um mimo para Lord of Erewhon

Há que haver razão de se enjeitar o ninho.
Nem sempre, quase sempre, o mal não está dentro dele,
Mas no que o rodeia.
E acaba sendo uma dor de alma, uma culpa,
Que a austeridade da origem nos faz sentir e prevalece.
Mau grado as fugas, as recusas, as impertinências,
Que não passam de ânsia de liberdade.
Aquilo que meu mestre me disse uma vez,
Muitas vezes, repetidamente.
Deveríamos ter nascido, aparecido sobre uma pedra,
Como o principezinho no deserto.
Sem pai, sem mãe, sem família, sem dono,
Sem raízes, sem moral, sem virtude.
Ser parte da natureza pura, olhar o céu,
As estrelas, os montes, os mares, os rios, ah, os rios…!
Eu quereria ter nascido numa pedra no meio do rio,
Acordar para o som das águas murmurando na descida,
Sentir o vento encher-me de vida,
Dormir nas árvores, ensaiar voos a céu aberto,
Não ter medo do sol nem de mergulhar nos lagos mansos,
Embeber-me de sonhos vogando devagar sobre as águas,
Espelhar-me nelas.
Mas nada disto existe.
Viver é lutar, é ter de comer, não ser comido,
Esconder-se no sono ao abrigo dos predadores.
E esperar. Sem desistir. Lutar, lutar sempre.
E amar.
Será o mesmo que procriar? Não é com certeza.
Amar é só relacionar-se com os outros.
Porque há outros, sim.
O cosmos é uma espiral em que há sempre o retorno ao início.
Nós não nascemos sozinhos em cima de uma pedra.