Agita-se o peitinho de rola em movimentos sincopados, apertam-lhe as pudicas vestes de senhora bem-falada, incomoda-a o colar de falsas pérolas que lhe aperta as carnes. Sente ânsias de desmaio e, na falta de fidalgo que a ampare, socorre-a o leque de negras rendas, resguardo de olhares alheios, confidente seguro de palavras que a seus ouvidos nunca chegaram, pois se quedaram gravadas nos bordados do alvo colo.
É senhora de respeito, vai à missa ao domingo, não perde rosário ou novena, desfia ave-marias em soluços de alma inquieta, chora por Madalena, condoída com a triste sina de quem nasce mulher. Benze-se de bentas águas, enquanto espreita os corpos desnudos dos santinhos nos seus martírios. Pobrezinhos, tão triste sina lhes assistiu, nem a umas roupinhas chamavam suas, bem dizia o senhor prior, de nosso nada temos.
Excerto de «Senhoras de Braga e Morcelas Alentejanas», obra que o Google desconhece por ainda não ter sido escrita.
13 comentários:
Simplesmente D-E-L-I-C-I-O-S-O!
Muito bem retratadas essas senhoras de Braga.
Também gostei do título da obra; é bastante original:)
Obrigada Andorinha, é bom receber um comentário destes na minha estreia por estas bandas; a inspiração surgiu pela leitura da caixa de comentários do post «Goa, coração de saudade».
Abraço
Tudo isto é culpa do fantasma do tio-avô Casimiro do Casimiro - ao menos, agora, as culpas podem ser partilhadas! ;)
Braga, depois da Ti Augusta, era longe, com Roma nos caminhos, o sino sempre a chamar, ao menino de algo apareceu-lhe o Demo na encruzilhada e fugiu do seminário, por causa das morcelas e de um laço azul e branco com uma madeixa de cabelos. Sempre foi difícil a vida de aldeia e o Casimiro nunca cantou esta parte da história.
Depois vieram os rios e os aguaceiros, a vida era para baixo e ninguém reconheceu o seu rosto. As papoilas é que ainda lá estavam a fazer lembrar lábios, memórias de beijos, entre o feno.
Sei que brincavam às tartarugas, vinham todos muito juntos, não se importavam, as tias tratavam-nos, vinham muito juntos, como um touro forte.
Gostei de conhecer as senhoras de Braga pelo teu olhar em prosa.
Beijos.*
Se não foi escrita, devia ser... :)
Soberba descrição.
beijo*
A gente escreve... :)
Casimiro tinha ânsia de mundo, de desbravar terras e com elas encher o peito de ar novo. De Braga, e das suas senhoras ficaram-lhe os caseiros odores femininos. Às senhoras, às senhoras ficaram inconfessáveis vontades.
Casimiro ainda contará a sua história; a história das senhoras tem que ser adivinhada nos suspiros recatados.
Abraço Klatuu, Lord, Biazinha e Mariazinha
Anabela, mas isto é uma delícia sim!
E, Klatuu, partilhemos de boa vontade culpas, enquanto puderem ser assim purgadas nas escadinhas da Madalena...
Abraço a ambos
Ah, e a vida de aldeia, claro. Não contei mas hei-de contar. Os laços azuis e brancos.
Casimiro, o seu avô haveria de me deliciar com as suas histórias. Espero ouvi-las por aqui, fazem falta à História esses homens por quase todos esquecidos, já que dos grandes há muito quem fale.
Um abraço
Por «grandes» entenda-se os lembrados,os que por múltiplos acasos se escaparam ao esquecimento da memória colectiva.
Enviar um comentário