LISBOA - Vim pela primeira vez a Lisboa com remotos 19 anos, em 1963, mas já a conhecia com afetuosa intimidade, graças aos romances de Eça de Queiroz: a rua das Janelas Verdes, o Bairro Alto, o Rocio, o teatro D. Maria, a rua do Ouro, o Chiado, era como rever lugares queridos, apenas imaginados.
Nas ruas, em plena ditadura salazarista, homens e mulheres de roupas feias e escuras, melancólicos e cabisbaixos, passavam como sombras. Também tive a impressão, e não só por ser muito jovem, de que só havia velhos pelas ruas. Onde estaria a juventude daquela cidade? Sentia-se medo, derrota e resignação no ar.
Em 1975, voltei a Lisboa, pouco depois da Revolução dos Cravos. Encontrei a cidade eufórica com a nova liberdade, as outrora imaculadas paredes pichadas com slogans libertários, havia alegria em todos os rostos e, nas ruas, todos pareciam jovens e cheios de esperanças.
Minha filha Esperança acabara de nascer no Brasil, no último e mais terrível ano do governo Médici. Assim que cheguei, liguei para o amigo e grande ator Nicolau Brayner para irmos aos copos celebrar a chegada da miúda. Ele me disse para encontrá-lo no teatro, mas não precisava ver a peça, "é muito chata", que chegasse no final e o esperasse no camarim.
Fui recebido por uma simpática velhinha, camareira de Nicolau havia muitos anos. Chamava-se Esperança, um nome muito comum em Portugal, mas raríssimo no Brasil. Contei-lhe que minha filha era sua xará porque, em 1963, sua mãe, então com 19 anos e um filho recém-nascido, fizera uma sofrida turnê teatral pelo interior de Portugal e uma bondosa camareira a ajudara a cuidar do bebê. Chamava-se dona Esperança e inspirara Marília a dar seu nome à filha.
Era a própria. Nos abraçamos aos prantos.
Publicado por Nelson Motta, no seu Blogue Sintonia Fina
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1 comentário:
Pergunto-me: onde estará essa cidade eufórica do pós 25 de Abril?
Agora as paredes já não exaltam slogans literários, mas sim a pouca cultura de uma cidade de bárbaros. A alegria e a esperança ardeu com o entusiasmo excessivo.
Contudo, talvez o reencontro das memórias faça surgir um novo ciclo.
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