Excerto do Discurso de Sua Excelência, o Presidente da República, no Encerramento da Sessão de Homenagem a Pinharanda Gomes (Palácio da Independência, 7 de Outubro de 2019).
As notícias e verbetes de
enciclopédia sobre Pinharanda Gomes destacam o que é justo e evidente: não
houve mais ninguém que batalhasse tanto pela Filosofia Portuguesa. Pinharanda
não a fundou, não a inventou, mas dedicou décadas a difundir, sistematizar, esclarecer
e defender um pensamento que se queria enraizado numa condição portuguesa, mas
também numa tradição ocidental, marcada pela «fidelidade ao magistério de
Aristóteles», com o seu prolongamento no tomismo e noutras correntes, cristãs
ou laicas. Quanto à específica genealogia portuguesa, Pinharanda lembrou, entre
tantos, os Conimbricenses do Colégio das Artes, a Escola do Porto, a Renascença
Portuguesa ou o movimento em torno do jornal 57. Isso significa, só para nos
atermos aos modernos, uma plêiade de nomes muito diversos, e nem sempre
compatíveis entre si, como Pascoaes, Sampaio Bruno, Leonardo Coimbra, Álvaro
Ribeiro, Cunha Leão, Orlando Vitorino, Afonso Botelho, António Quadros ou António
Braz Teixeira. Que a Filosofia Portuguesa não é monolítica garantiu Pinharanda
Gomes ao escrever que brota de fontes tão diferentes como o interiorismo, o
racionalismo, o futurismo, o messianismo, o evolucionismo criacionista, o
simbolismo, o espiritualismo franciscanizante, o atlantismo e o saudosismo.
E porque é que é
«portuguesa»? Respondeu Pinharanda, em 1986, que «o termo filosofia portuguesa
requer a norma de que, não obstante a universalidade da filosofia, isso não
retira à sua universal forma o sentido situado e concreto, próprio de todo o
universal que se revela em teoria através do particular, a problemática
concreta da cultura portuguesa (…)». É, acrescentou, como o vinho do Porto: o
vinho é do Porto, mas a essência do vinho do Porto não é ser do Porto, é ser
vinho.
E não sei o que é mais
notável, se esta vasta e infatigável produção, se o facto de tal erudição se
basear num estudo auto-didacta. A noção de pensamento «nacional», de um
pensamento «português», a colagem a uma exclusiva ideia «saudosista», com
duvidosas porque imprecisas conotações políticas, não ajudaram a causa da
Filosofia Portuguesa, hostilizada no meio académico, que além do mais via
Pinharanda Gomes como um corpo estranho, sem as cartas de linhagem devidas. E,
no entanto, ouvimos esta tarde, e fomos lendo ao longo dos anos, personalidades
de distintos quadrantes e distintas convicções louvar o trabalho de
sistematização, historiografia e doutrinação dialogante que foram, ao longo de
seis décadas, a marca de Pinharanda.