O mundo lusófono não tem, na sua estrutura geopolítica, nada que o distinga das outras quimeras que a História permitiu no seu litoral pleno de restos de naufrágios de tentações de dominação. Não é um espaço de paz, de desenvolvimento humano, de respeito pela dignidade do ser humano. No interior do seu perímetro a miséria, é a miséria, nem as madrugadas cantam, nem uma multidão de iluminados se prepara para salvar o mundo.
A mesma rapacidade económica, o mesmo império do dinheiro e da ganância.
Querer urdir com esta trama de insanidade um tecido político capaz de enfrentar as grandes potências do mundo é, se isso for pensável, querer erguer o mundo ao estatuto de manicómio.
Está mais do que visto que a CPLP não passa duma prateleira para colocar os jarrões que, fartos do paroquialismo da política interna dos Estados, ou tendo chegado à idade em que umas pantufas diplomáticas permitem dourar os anos de reforma, vão alimentando a aparência de vitalidade dum nado-morto, demasiado morto para que fique bem dá-lo como findo.
São as tais boas intenções que douram os jantares de gala e as cimeiras (e já nem disso se fala, ou seja, de cimeiras regulares entre os Chefes de Estado dos países lusófonos – até poderá nascer daqui mais uma daquelas iniciativas de dá cá aquela palha, quem sabe? A Lusofonia com afonia não funciona, há que aproveitar os bicos dos pés para dar nas vistas).
Isto para não falar do celebérrimo acordo ortográfico. Em vez de se aceitarem como naturais as variantes linguísticas, trata-se de tosquiar a Língua. Para além dos editores de dicionários, bafejados por efémera fortuna, quem, no seu perfeito juízo, se contenta com a regulamentação da Língua (coisa, em si absurda), como se pode fomentar a Cultura e incentivar o intercâmbio cultural sem exigir a abolição das barreiras alfandegárias impostas ao livro e aos demais produtos culturais?
Mas no fundo, o que importa é a seiva: os Estados e a malha de interesses em torno da dominação económica e estratégica são, no que diz respeito à vida do Espírito, massa cadavérica. Namorar-lhes as entranhas é fome de abutre, quando o que o mundo precisa, mesmo, é da coragem dos que não se recusam ao encontro e à construção de laços e pontes.
O futuro, nosso e de todos os povos, está nas organizações não governamentais e nas comunidades de base que, enfrentando mesmo as contrariedades mais tenebrosas, não se recusam à solidariedade e, porque não dizê-lo, ao trabalho. O futuro é das formigas, não das cigarras.
A lealdade, a entrega a um espírito comunitário, o desapego perante o poder do dinheiro e o dinheiro do poder, são uma luz na treva.
As navegações de há demasiado tempo para nos podermos considerar, ainda, navegantes, não se fizeram com caravelas de papel. E os egos são como bexigas de porco cheias de ar, ocupam espaço mas não servem para mais do que uma pueril distracção.
Esqueçam-se os homens que se querem grandes e assuma-se a grandeza que habita cada homem. Essa a única união que dá frutos.
E já agora, uma confissão: às vezes vejo-me ao espelho e acho que sou comuna. Nessas alturas dava-me jeito um censor de serviço ou um inquisidor com amor ao ofício.
Já se vê que o mundo não é perfeito.
É uma bola arredondada. Parecida com um queijo limiano, mas muito mais bonita.
E, do Minho até Timor, esperemos que a História não se repita.
3 comentários:
São verdes não prestam nem os cães podem tragar. Eis...
Acho piada daqueles que falam em dominações mas se subjugam a elas. Este texto revela gravíssima forma de pensar pois parecendo realista, pacífico e humilde, não é nada mais que o vergar-se esterilmente sob o status-quo.
Por exemplo, em relação ao acordo ortográfico se diz que se deve respeitar as especificidades. Meus senhores, vos garanto, se os portuenses fossem escrever de acordo com as suas especificidades, iam ter um desvio muito maior do que os brasileiros. E dentro destes de que estado? De que município?
Como não se vê, que querer unir e uniformizar até certo ponto, também é uma especificidade. E esta mais profunda e real que todas as outras.
Tanto se fala em respeitar especificidades e se tenta matar aquela que é mais própria, mais genuína, menos hipócrita e sem uma agenda escondida.
"Namorar-lhes as entranhas é fome de abutre", "E os egos são como bexigas de porco cheias de ar", etc. Um talento para a série Z.
É gratificante ver que por aqui ainda resta bom senso, lucidez e inteligência.
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