A TEORIA DO MITO NA FILOSOFIA DA RELIGIÃO
LUSO-BRASILEIRA DE ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA
Samuel Dimas
Introdução: a que condição da experiência do Ser
corresponde o mito?
António Braz Teixeira desenvolve uma Filosofia da
Religião que se fundamenta na experiência do Absoluto indecifrável[1], a
qual se realiza através da instância superior da inteligência que encerra uma
intuição intelectual do invisível[2]. A
razão que preside à sua reflexão filosófica excede a abstração formalista e a
experiência empírica, para se fundamentar numa harmonia gnósica entre sensação,
intuição, sentimento, inteleção, imaginação e crença[3].
Trata-se de uma razão que integra o contributo das diversas formas da
experiência, como a ética, a estética, a metafísica e a religiosa, ascendendo do numinoso do mito até à sublimidade do mistério
sagrado pela união mística (Cf. loc.
cit.).
Mas esta perspetiva exige o
esclarecimento de duas questões fundamentais no pensamento do autor. Em
primeiro lugar: esta intuição intelectual corresponde à contemplação sub
specie aeternitatis da filosofia de Espinosa, que Dalila Pereira da Costa
associa à união mística[4], e
segundo a qual é possível um conhecimento adequado da essência eterna e
infinita de Deus, ou corresponde à experiência atemática e transcendental do
ser em que Deus se revela misteriosamente de forma implícita[5]? Em
segundo lugar: o mito é concebido como uma forma alegórica de explicar a
realidade espiritual da experiência imediata do mistério do ser originário, que
é subjacente ao devir histórico, através de uma realidade concreta e com o
recurso à analogia e à poesia por meio de imagens e metáforas, ou, de modo
distinto, é concebido como uma forma tautegórica de uma presentificação de si
mesma no drama ritual de deus, homem e natureza, e é concebido como uma forma
teogónica da realidade divina da Origem que vem a ser no mundo?
[1] Cf. Manuel Ferreira Patrício, «Reflexão sobre o modo
português de pensar filosoficamente em diálogo subtil com António Braz Teixeira
e em sua homenagem», in AA. VV, Convergências
e Afinidades, Homenagem a António Braz Teixeira, p. 172.
[2] Cf. António Braz Teixeira, Caminhos e Figuras da
Filosofia do Direito Luso-Brasileira, 2.ª ed ampliada, Lisboa, Novo
Imbondeiro, 2002, p.19.
[3] Cf. António Braz Teixeira, Deus, o Mal e a Saudade: Estudos sobre o Pensamento Português e
Luso-Brasíleiro Contemporâneo, p. 11.
[4] Cf. Dalila Pereira da Costa, A Nova Atlântida, Porto, Lello & Irmão Editores, 1977, p. 359.
[5] Cf. B. Espinosa, Ética,
parte II, prop. XLVII, Lisboa, Relógio d’Água Editores, 1992, p. 251.