
Ortodoxia e livre-pensamento
Há pouco mais de meio século, Álvaro Ribeiro afirmava pertencer Sampaio Bruno à tendência característica da filosofia portuguesa por se tratar de um livre-pensador religioso, igualmente distante do positivismo agnóstico e do catolicismo ortodoxo. “Livre-pensador – esclarece o filósofo noutro passo da sua obra – é o homem capaz de pensar livremente os valores – o bom, o belo e o vero – e mais ainda aquilo que os unifica e afinal garante. O problema do infinito incita o livre-pensador a meditar heroicamente a difícil temática religiosa. Nisso está o mérito; nisso está a dificuldade; nisso está o perigo; porque o livre-pensador, ao contrário do positivista, avança por um domínio delimitado pelos escolásticos, mas acelera a evolução espiritual da Humanidade”.
Estas considerações serão talvez surpreendentes para quem se habituou a assimilar a liberdade de pensamento à recusa, pura e simples, de uma qualquer crença religiosa. O que Álvaro Ribeiro e, na sua senda, António Telmo, nos propõem é algo de diferente: aceitar a fé como o ponto de partida necessário da demanda filosófica, mas pôr em causa, se for esse o caso, o constrangimento das formulações dogmáticas.
Assumindo este legado fundamental dos três pensadores, o Círculo António Telmo, o MIL: Movimento Internacional Lusófono, a revista Nova Águia e os Cadernos de Filosofia Extravagante propõem-se, em parceria com a Câmara Municipal de Sesimbra, actualizar alguns dos problemas que ele suscita. Por exemplo: as relações entre a religião, o esoterismo e a filosofia; o convívio, por vezes conflituoso, das três tradições abraâmicas; ou a distinção entre ortodoxia, heterodoxia e heresia.
Por outro lado, com a organização deste ciclo de estudos pretende-se encetar uma série de homenagens a António Telmo, há pouco desaparecido, e que muito amava Sesimbra, terra onde viveu, conviveu e pensou, como bem indica o poema de abertura das suas Congeminações de um Neopitagórico. O título do livro dá o mote. E os versos da quadra que lhe serve de prólogo, definindo o perfil do autor, esclarecem o nosso intento:
Foi na Serra da Achada
Que julguei ter-me perdido.
Quem se ganha não é nada.
Disse-me Deus ao ouvido.
(programa a anunciar em breve)