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Luís de Araújo
SÍNTESE INTERPRETATIVA E CRÍTICA DO SAUDOSISMO
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Teixeira de Pascoaes divulgou o seu ideário saudosista, fundamentalmente, em algumas conferências realizadas no Norte de Portugal, entre 1912 e 1915 (são as seguintes: “O espírito lusitano e o Saudosismo”, “O génio português na sua expressão filosófica, poética e religiosa” e “A era lusíada” (duas conferências) e, também, num pequeno manual cívico intitulado “A arte de ser português”. Toda esta campanha em prol da restauração da “alma portuguesa” encontrou na “Saudade” a sua primordial intuição e foi divulgada nas páginas de “A Águia” – a revista do movimento da Renascença Portuguesa, animado por Pascoaes.
Mistura de recordação e ideal ou projecto, a “Saudade” definiria não apenas a verdadeira essência do pensar e sentir portugueses, mas significa, por outro lado, como que uma ideia-sentimento que tenta explicar o ser humano como resultante da queda de uma alma, cuja origem seria divina e que agora aspirasse incessantemente ao Absoluto, aceitando-se que Deus e o Mundo se interligavam na consciência humana. Tratar-se-ia, como Pascoaes sugere, de um “misticismo naturalista, idealismo saudoso”. Por consequência, é evidente toda uma mundividência de carácter panteísta em que o Poeta, através da sua intuição, como que revela ou pretende revelar a alma da Natureza, buscando descobrir hipotéticos significados escondidos nas coisas e nos seres. Entre o homem e a natureza estabelece-se uma amorosa simpatia que nada tem a ver com a atitude dedutiva e científica. Assim, é toda uma gnoseologia assente na “simpatia”, origi¬nária de uma posição de cariz sentimental que, por vezes, acabará por ocasionar uma sequência de sínteses mais ou menos arbitrárias e caprichosas – destino, afinal, de todas aquelas filosofias originadas em intuições, quase sempre, imaginárias.
Importa realçar ou abordar o “Saudosismo” como doutrina social, com ideário político para o ressurgimento nacional. Em 1914, na conferência intitulada “A era lusíada”, Pascoaes afirmou categoricamente que, desde 1820, a alma lusitana “emudecera” e toda a sua teoria da decadência resulta da constatação de um excesso de es¬trangeirismo vigente na vida portuguesa. Por um lado, o clero sempre obediente a Roma, por outro, os políticos sempre fiéis a Paris e, também, a influência da crítica, que considera anti-nacional, da chamada Geração de 70, têm sido “os obreiros da nossa desnacionalização, os inimigos do nosso espírito e, por isso, da nossa independência” (Alexandre Herculano e Antero de Quental são, para ele, símbolos do desânimo; os Positivistas são “gente lastimosa” – tal como afirmou na Póvoa de Varzim, “a nossa pretensa elite intelectual, composta, na sua maior parte, de estreitas cabeças endurecida sob a pressão de duas ou três ideias sem alcance, tem cortado as asas às tendências mais nobres e sublimes da raça portuguesa – essa águia de outrora, reduzida a misérrima ave doméstica, rastejante, esquecida de voar... Esta gente lastimosa tem a obsessão da Realidade, a qual, segundo o seu critério quase culinário, vai muito pouco além da¬quilo que se come (...) ora, nós estamos fartos da palavra cientifico” ; por outro lado, Pascoaes manifesta-se violentamente contra o que ele considerou a educação estrangeirada que já vinha do Constitucionalismo Monárquico e, em 1913, exaltar-se-á, a dado momento de uma conferência, louvando “o feliz isolamento em que o povo do campo tem vivido, longe dos grandes centros onde tudo se adultera: o pão do corpo e o pão d espírito” , e afirmaria adiante que “se a instrução que para aí se dá nas cidades, houvesse atingido o povo dos campos, nada restaria já de Portugal, além das suas paisagens” .
Paisagem, Tradição e Esperança – eis no que se resume toda uma campanha que procurava, em última análise, uma plataforma de convivência harmónica entre Tradição e Revolução.
Teixeira de Pascoaes sublinhará constantemente o amor da Pátria, porém não numa perspectiva de simples aceitação de uma concepção de vida, mas sim numa exaltação poética, por vezes quase irreal, como que cego pela ideia absurda de que certas formas gerais de pensar e de sentir de uma época são maneiras absolutas a imporem sujeição para o futuro. Preconizou algumas reformas para revitalizar a alma portuguesa e logo em 1912, na sua primeira conferência sobre o tema que nos ocupa, afirmou o desacordo profundo que existiria entre o Constitucionalismo e o espírito português – as leis não passavam de imitações estrangeiradas e os governantes são “bacharéis desnacionalizados” e impunha-se a criação de uma Igreja Lusitana, unida e dirigida pelo Estado, mas separada de Roma, já que, na opinião de Pascoaes, o alto clero também não passava de uma casta desnacionalizada, “nódoa estrangeira na nossa Pátria”, como escreveu em dado momento. E, para o renascer da autêntica portugalidade, defenderá a organização municipalista e o regresso às tradições camponesas, agrárias, e definiria o que deveria ser a República, ou seja, pelas suas próprias palavras, “uma democracia religiosa e rural” .
Nas suas outras conferências, o doutrinador amarantino sublinha constantemente a originalidade da visão panteísta e saudosista da alma lusitana, afirmar-se-á visceralmente anti-cosmopolita, considerando, por exemplo, o progresso técnico como a “forma burguesa da Civilização” , o seu entranhado tradicionalismo irá ao ponto de profetizar o regresso do Encoberto – “religião” anterior ao Bandarra e a certos comentários de Vieira, mas que passa pela Renascença Portuguesa e, em certa medida, a encontramos em alguns pensadores do movimento auto-proclamado de “Filosofia Portuguesa”. A profunda insatisfação de Pascoaes levá-lo-á a anunciar aos portugueses que há-de vir alguém realizar a grande obra necessária ao nosso ressurgimento . Neste sentido, ele apontará as finalidades do movimento da Renascença Portuguesa, basicamente dirigidas para uma intensa educação nacional que preparasse aquilo a que ele chamou o “advento da Era Lusíada” . Reuniu as linhas de rumo do seu pensamento saudosista numa pequena obra que considerou dever ser estudada nas aulas oficiais de Literatura e de História – refiro-me à “Arte de ser português”, publicada em Junho de 1915, curiosamente no momento em que aparecia a revista que iniciou o movimento modernista em Portugal – a “Orfeu”. Naquele pequeno livrinho, Pascoaes esclareceu um pouco melhor o sentido de toda a sua campanha, mormente no que respeita à organização municipalista, defendendo claramente que os municípios deveriam ser o elemento de contacto entre as Famílias e a Pátria e, deste modo, o Estado resultaria directamente da organização municipalista, “sem serem precisos”, como escreveu, “os terríveis intermediários que têm o nome de partidos” . O país seria, assim, uma espécie de confederação de municípios com autonomia, semelhante ao que Alexandre Herculano preconizara, cujos presidentes constituiriam as Cortes e teriam por função, entre outras, a de eleger o Governo.
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