A Águia, órgão do Movimento da Renascença Portuguesa, foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal. No século XXI, a Nova Águia, órgão do MIL: Movimento Internacional Lusófono, tem sido cada vez mais reconhecida como "a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português". 
Sede Editorial: Zéfiro - Edições e Actividades Culturais, Apartado 21 (2711-953 Sintra). 
Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa). 
Contactos: novaaguia@gmail.com ; 967044286. 

Donde vimos, para onde vamos...

Donde vimos, para onde vamos...
Ângelo Alves, in "A Corrente Idealistico-gnóstica do pensamento português contemporâneo".

Manuel Ferreira Patrício, in "A Vida como Projecto. Na senda de Ortega e Gasset".

Onde temos ido: Mapiáguio (locais de lançamentos da NOVA ÁGUIA)

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domingo, 31 de janeiro de 2010

Nota evocativa: A Vida Portuguesa – Inquérito à vida nacional

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José Gama
Faculdade de Filosofia, Braga – UCP

Em ano de centenário do surgimento da revista A Águia, proponho-me fazer uma breve evocação de uma outra publicação periódica, que de algum modo está ligada ao grupo promotor e ao espírito que promoveu a criação da revista e o seu enquadramento no movimento da Renascença Portuguesa. Trata-se do boletim A Vida Portuguesa, dirigido por Jaime Cortesão, entre Outubro de 1912 e Novembro de 1915.
A Vida Portuguesa (AVP) surge dentro da Associação da Renascença Portuguesa (RP). A revista A Águia, como órgão oficial a partir da 2ª série, iniciada em Janeiro de 1912, é predominantemente doutrinária; à nova publicação AVP, em cadernos de oito páginas, caberia um papel informativo mais próximo da realidade nacional, o que não significa puramente noticioso.
A dimensão que aqui pretendo salientar é o carácter essencialmente conciliador entre as duas principais tendências que se manifestaram na fundação da RP, e que opuseram o grupo do norte e o grupo do sul. Estabeleceu também, desse modo, a ponte de ligação que uniu a tendência manifestada claramente pelo grupo de Lisboa e a orientação do movimento da Seara Nova, lançado em 1921, com a publicação da revista com o mesmo nome, como órgão oficial. Os protagonistas são fundamentalmente os mesmos, cabendo a Jaime Cortesão o papel determinante e omnicompreensivo, enquanto congrega os grupos fundadores da RP, integrando o do norte (Coimbra/Porto), dá corpo ao boletim conciliador AVP, e reúne à sua volta o “Grupo da Biblioteca Nacional” que dá início à Seara Nova. Neste novo grupo encontramos os principais elementos do anterior grupo do sul, na criação da RP, com destaque para Raul Proença.
São bem conhecidas as tendências que opuseram os grupos fundadores da Renascença. Pelo norte/Porto, o espiritualismo patriótico e nacionalista liderado pelo poeta Teixeira de Pascoaes, e pelo sul/Lisboa, o programa reformista de intervenção sócio-política, orientado para um socialismo democrático, liderado pelo escritor Raul Proença. Os respectivos manifestos-programa, elaborados para as reuniões preparatórias da criação da Associação, realizadas em Agosto e em Setembro de 1911, só mais tarde são divulgados, precisamente nas páginas do número 22 de AVP, de 10 de Fevereiro de 1914.
A orientação saudosista que Teixeira de Pascoaes imprimiu à revista A Águia, como órgão da RP, está patente desde o primeiro número, em particular no texto de apresentação “Renascença”. No número seguinte, de Fevereiro de 1912, no artigo “Renascença (O espírito da nossa Raça)”, insiste na “verdadeira interpretação da Saudade, isto é, a verdadeira interpretação do génio, do espírito da alma portuguesa”, e não deixa passar a oportunidade para lançar a observação irónica à “ingenuidade dos que se julgam práticos, modernos…”, e ao “preconceito do senso prático”. Mais tarde, Jaime Cortesão, já em vésperas do lançamento do boletim AVP, no artigo “Da Renascença Portuguesa e seus intentos”, inscreve o projecto da RP num horizonte mais amplo e europeu, que “não é incompatível com as aspirações modernas”, e que “promoverá no Povo português a parte da boa cultura que a Europa lhes possa trazer”.

A ideia fundadora de AVP é situada por Jaime Cortesão na reunião de 2 de Junho de 1912 da Direcção do Conselho de Administração da RP, que decidiu “a publicação dum quinzenário de inquérito à vida nacional sob o quádruplo aspecto do problema religioso, pedagógico, económico e social”. O primeiro caderno é publicado em 31 de Outubro de 1912. Manter-se-á até Novembro de 1915, com a edição de 39 números, em cadernos de 8 páginas cada, e organizados em 2 volumes. A periodicidade foi variando, e daí a mudança do subtítulo da publicação, que se iniciou com “Quinzenário de inquérito à vida nacional”, passou a “Boletim de inquérito à vida nacional”, mensal, e, finalmente, como “Boletim da «Renascença Portuguesa»”, com a periodicidade mensal ou de 3 semanas, com excepção do último caderno, de Novembro de 1915, que sai cinco meses depois do anterior.
A leitura atenta do artigo de apresentação, de Jaime Cortesão, permite perceber a resposta interna à exigência de alargar o horizonte de incidência da reflexão e da intervenção, renovadoras e criativas, na vida nacional. A indicação dos quatro domínios temáticos é acompanhada das comissões respectivas, com atribuição dum programa de acção. O objectivo que este inquérito à vida nacional se propõe, procura conciliar a atenção refundadora do “original espírito da Pátria Portuguesa”, na linha do saudosismo de Pascoaes, com a “harmonia com o espírito moderno, e especialmente em conformidade com as necessidades actuais”. Parece aflorar aqui a tensão latente entre a atitude hostil a todas as “más influências [literárias, políticas e religiosas] vindas do estrangeiro”, apregoada por Pascoaes, e a necessidade urgente de abertura ao “espírito moderno” que Jaime Cortesão propõe, em evidente ressonância do programa do manifesto do grupo de Lisboa, redigido por Raul Proença. Este programa posiciona-se frontalmente em oposição ao nacionalismo cultural do saudosismo. Por exemplo, perante a situação caótica da vida nacional, após a revolução triunfante, a resposta à palavra de ordem “renascença nacional” é a seguinte: “Que fazer então? – Pôr a sociedade portuguesa em contacto com o mundo moderno, fazê-la interessar pelo que interessa os homens lá de fora, dar-lhe o espírito actual, a cultura actual, sem perder nunca de vista, já se sabe, o ponto de vista nacional e as condições, os recursos e os fins nacionais. Temos de aplicar a nós mesmos, por nossa conta, esse espírito do nosso tempo, de que temos estado tão absolutamente alheados”.
E surge A Vida Portuguesa, como inquérito à vida nacional. As grandes questões vão surgindo, em análises das questões económicas, das questões educativas (lançamento de um inquérito a nível nacional), da organização da indústria, da vulgarização científica, e da “menina dos olhos” de Jaime Cortesão, que foi o lançamento e dinamização das Universidades Populares.
Além destas análises das grandes questões, o boletim foi-se recheando cada vez mais com as referências e divulgação das actividades da RP. São as indicações cronológicas de todas as acções realizadas, e que permitem acompanhar a par e passo a vida da Associação; são os documentos e transcrições do eco da RP nos periódicos nacionais e alguns internacionais; são os anúncios e programas dos cursos realizados nas Universidades Populares; são as listas de obras da Biblioteca da RP; são os artigos e as listas relacionadas com a “subscrição nacional a favor de Gomes Leal”…
É a voz da Renascença Portuguesa, como consciência activa do seu papel de rejuvenescimento da Raça e da Pátria, sem trair a linha de rumo delineada por Teixeira de Pascoaes, mas apelando com insistência à intervenção da geração nova que se orienta mais para o Futuro, para uma nova Vida e novo Mundo. Sem esquecer “aqueles que têm aquela experiência, aquele saber, e ponderação, que só o tempo dá”.
É também a voz da crítica, não apenas referenciada nas alusões e nas respostas às críticas públicas, mas sobretudo nas inúmeras páginas do boletim com textos de António Sérgio, preparando e acompanhando a famosa “polémica sobre o saudosismo” com Teixeira de Pascoaes, nas páginas de A Águia, de Outubro de 1913 a Julho de 1914. Para além de outros textos extensos, atendendo à dimensão do boletim, é de destacar o artigo “Golpes de malho em ferro frio – Aos portugueses de 16 anos que não ambicionam ser poetas líricos”, que preenche na quase totalidade as oito páginas do caderno nº 16, de 2 de Agosto de 1913, e que desfere a terrível acusação à RP “de ser uma sociedade do elogio mútuo. Creio que realmente tem havido orgia de elogio mútuo. Reconheçamo-lo, emendemo-nos e sigamos adiante”. É a preparação próxima da polémica com Pascoaes, no órgão oficial. A sua oposição ao saudosismo é directa e frontal: “Só alcançarmos um viver decente quando atirarmos completamente ao diabo o Historismo e o Saudosismo”. A crítica de Jaime Cortesão vai no sentido de apontar os erros e contradições, “para não dizer dispautérios”, de Sérgio, com o texto “O parasitismo e o anti-historismo – Carta a António Sérgio” ; a resposta de Sérgio às objecções sairá no nº 20, de uma forma mais clara, em estilo límpido e em linguagem da ciência e sem imagens, no texto “O parasitismo peninsular – Carta a Jaime Cortesão” .
A colaboração de António Sérgio manter-se-á até aos últimos cadernos, chegando mesmo a assumir a direcção da “Biblioteca de Educação”, nos projectos editoriais da RP, e que permanecerá anunciada nas páginas do boletim até ao penúltimo caderno, em Junho de 1915.
Como nota curiosa, regista-se a ausência de colaboração de Teixeira de Pascoaes nas páginas deste boletim, para além de um breve texto – “Gomes Leal na miséria” , com o apelo ao apoio urgente a um grande Poeta na miséria. O seu domínio era o de A Águia, nos altos voos de inspiração saudosista, sem concessões ao sentido prático dos que viam na intervenção do quotidiano uma exigência inadiável para todo o projecto de renovação cultural.
A partir de Agosto de 1914, o drama da “Guerra Grande” marca presença nas páginas do boletim. Álvaro Pinto escreve a crónica “Portugal e a Guerra Grande” , onde analisa as razões da guerra e os motivos da loucura alemã, e interroga-se sobre a atitude de Portugal, apontando para um apoio à causa da justiça e à vitória do direito. Jaime Cortesão, no mês seguinte, com o texto “A Renascença Portuguesa e a Guerra”, exorta à solidariedade greco-latina, perante o perigo que ameaça a França, e propõe “à meditação e actividade dos nossos amigos este belo motivo a solicitar as suas energias” . E, coerente com a sua posição, em breve se alista nas fileiras dos voluntários como médico, retomando assim a actividade profissional que tinha suspendido havia alguns anos.
As dissidências no seio da Renascença Portuguesa e a dispersão que a Guerra provocou, vão apressar o fim da publicação do Boletim A Vida Portuguesa. Em breve se assistirá ao abandono da direcção da revista A Águia por Teixeira de Pascoaes, às dissidências mais surpreendentes de Jaime Cortesão e de Álvaro Pinto, e à criação do movimento e da publicação da Seara Nova…
Jaime Cortesão desiste dum projecto, mas continua a lutar pelos mesmos ideais de renovação, que o hão-de levar a novos empreendimentos e a longínquas paragens. Por agora, fica a mudança de estratégia, que ele explica em carta ao amigo Álvaro Pinto: “A Renascença, nascida antes da guerra, correspondeu a uma época do mundo e a uma idade nossa que passou. Sob o ponto de vista de ideias, que deram a célebre discussão entre Pascoaes e Sérgio, eu hoje pendo para o lado do último. No túmulo cheio de velhos miasmas, que é a Nação, devem entrar lufadas de ar distante e renovador”.